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"Vieram-me lágrimas aos olhos quando o Vitória desceu. Não merecíamos"

Hildeberto Pereira saiu de Setúbal e rumou à China. O cabo-verdiano tem dado nas vistas ao serviço do Kunshan FC e o Desporto ao Minuto quis saber como tem sido a vida do futebolista pela Ásia numa conversa onde recordámos vários capítulos da sua carreira.

"Vieram-me lágrimas aos olhos quando o Vitória desceu. Não merecíamos"
Notícias ao Minuto

07:18 - 21/05/21 por Ruben Valente

Desporto Hildeberto Pereira

Hildeberto Pereira deixou o Vitória de Setúbal quando a equipa sadina desceu ao Campeonato de Portugal, tendo a sua carreira dado uma volta de 180 graus. O futebolista de 25 anos mudou-se de malas e bagagens para a China, onde agora representa o Kunshan FC.

É agora no continente asiático que tenta demonstrar todo o seu valor, depois de duas épocas ao serviço do Vitória de Setúbal, clube do qual guarda muitas e boas memórias. 'Berto', como é conhecido no mundo do futebol, concedeu-nos esta entrevista exclusiva numa altura em que está no pico da sua forma: marcou dois golos nos últimos três jogos do Kunshan FC.

Numa conversa reveladora com o Desporto ao Minuto, o jogador "polivalente", como o próprio se classifica, falou da formação feita no Benfica, da sua passagem por Inglaterra e do plantel mais unido onde já esteve. Da descida do Vitória de Setúbal ao jogo contra o Benfica que lhe abriu as portas do mundo do futebol, nada ficou por dizer.

Aos 25 anos, Berto quer mostrar toda a sua qualidade como futebolista, estando aberto ao que o futuro lhe reserva. No entanto, não esconde o desejo de um dia poder regressar a Portugal para representar um dos 'grandes' do nosso país.

Sabia que o Vitória tinha já alguns problemas, mas nunca pensei naquele desfecho

Como está a ser viver na China no meio desta pandemia mundial?

Neste momento, a vida está melhor. As pessoas ainda usam máscara, mas já está tudo aberto, restaurantes, shoppings… Há muito menos casos, a vida está mais normal. No início é que foi tudo mais complicado, porque também tive a Covid-19. Fui bem tratado no hospital, o clube também ajudou a tratar de tudo e consegui recuperar rápido. Neste momento sinto-me bem e quase que já me sinto em casa.

E o futebol? Como é que descreves o futebol na liga chinesa?

Como já disse, no início foi complicado. Vim para a China, estava habituado ao futebol português, que é mais tático, mais pensado e aqui na China aposta-se mais na velocidade, na agressividade. Os jogos normalmente são entre duas equipas mais abertas, que atacam muito, há sempre muito espaço para jogar. Já faz quase um ano que estou aqui e sinto-me muito mais integrado agora na equipa e no campeonato.

O facto de o Pirri, antigo companheiro de equipa no Vitória de Setúbal, ter ido para o teu clube ajudou também na adaptação?

Claro! Quando soube que o Pirri também vinha para cá fiquei muito agradado. Era um colega com quem no Vitória sempre ria muito, brincávamos, e o facto de ele ter vindo ajudou-me muito, com toda a certeza. Aqui não temos a nossa família e somos como irmãos um para o outro.

Não teres a família contigo é o ponto mais difícil de jogares na China?

É um bocadinho triste estar longe da família, dos amigos… Não poder trazer nem um irmão para cá é muito complicado. Por agora temos que estar fechados num centro de estágio, só podemos sair para jogar e treinar. Nós aqui dentro da equipa tentamos sempre fazer algo divertido para também passar o tempo. Ajuda a que não se pense muito nas saudades que temos da família.

Notícias ao Minuto Berto ao serviço do Kunshan FC 

E como é que comunicas com os teus colegas chineses? Imagino que não seja fácil.

No início estava mais tímido, mas agora já me dou bem com todos. Às vezes, ouvem-me a falar português numa situação de maior stress, quando algo não me corre bem digo um palavrão ou assim e eles começam logo a dizer igual. É bom haver esse espírito e, apesar de ser um país totalmente diferente, aqui tratam-nos muito bem.

A tua mudança para a China aconteceu depois de um período conturbado em Setúbal. Como é que foram os últimos meses no Bonfim?

Quando soube da notícia fiquei, claro, muito triste. Nós, e os que ainda lá estão no Vitória, não merecíamos isso. Sempre demos tudo pelo clube, sempre lutámos em campo a cada minuto e o clube, a cidade, não merecia isso. Quando soube do desfecho nem queria acreditar. Para ser sincero vieram-me lágrimas aos olhos, mas não tivemos qualquer culpa, nem os adeptos. Há que levantar a cabeça porque a vida não é fácil e o mais importante agora é não desistir, continuar a puxar pelo Vitória. É rezar e esperar que o clube esteja de regresso à I Liga nos próximos anos como merece. E quem sabe poder voltar a jogar pelo Vitória.

Revoltou-nos ver notícias a dar conta que os jogadores do Vitória não queriam jogarQuando assinaste pelo Vitória em 2018 alguma vez pensaste que isto poderia acontecer ao clube?

Não fazia ideia nenhuma. Sabia que o Vitória tinha já alguns problemas, mas nunca pensei. Com o nosso trabalho conseguimos manter o clube na I Liga, foi trabalho nosso, fomos nós que lutámos dentro de campo e nunca pensei que isso fosse acontecer. Tivemos várias fases, mas como uma equipa e uma família lutámos sempre até ao fim. Nunca esperei mesmo e só me caiu a ficha quando começou a época e vi o Vitória no Campeonato de Portugal.

Em Setúbal viveste também um episódio insólito onde quase todo o plantel ficou com gripe, tendo o clube pedido o adiamento do jogo frente ao Sporting. Tu foste um dos jogadores que não jogou. Revoltou-vos o facto de a Liga não ter adiado o jogo?

Revoltou-nos muito. Não tínhamos qualquer necessidade de fingir, estávamos em 7.º lugar naquela altura e estávamos numa fase em que só tínhamos vitórias e empates. Vínhamos de três vitórias consecutivas. Infelizmente foi uma coisa que nos atingiu, mas podia ter sido ao Sporting, ao Benfica ou ao FC Porto. Revoltou-nos ver notícias a dar conta que os jogadores do Vitória não queriam jogar. A equipa que foi a jogo demonstrou muito carácter, apesar da derrota. Os que entraram deram tudo pelo clube e por nós, que estávamos doentes naquele momento.

Notícias ao Minuto Berto representou o Vitória durante duas temporadas© Getty Images  

Sentiste que o plantel foi dos mais unidos onde já trabalhaste devido a todas as adversidades que tiveram pela frente?

Não foi um dos, foi o melhor plantel onde já joguei. Nós não nos rebaixávamos por nada, sabíamos sempre o nosso lugar, sabíamos que quando as coisas não corriam bem tínhamos de estar unidos para salvar o Vitória. O grupo era fantástico. Na hora de trabalhar, trabalhava, na hora de brincar, brincava, na hora de nos unirmos, uníamos. Claro que, como em qualquer família, havia discussões aqui e ali por causa de um treino, por causa de uma vitória… mas eram chatices de irmãos. Não eramos perfeitos, mas em termos de união foi o melhor em que já estive.

As coisas estavam-me a sair muito bem, tinha feito um hat-trick, fui o melhor em campo frente ao FC Porto… Infelizmente ao bater um penálti num treino tive de ser operadoTens 25 anos, mas já jogaste em vários países. Portugal, Polónia, Inglaterra, China. Falando apenas do jogo nas quatro linhas, onde é que te deu mais prazer jogar?

Onde tive mais prazer em jogar foi no Nottingham [Forest] e no Vitória de Setúbal. No Nottingham era jovem, estava numa fase boa, jogava a lateral, e infelizmente por coisas de clubes não acabei o ano a jogar. Mas foi um ano incrível em Inglaterra, estava a jogar muito bem, já tinha clubes da Premier League interessados. No Vitória creio que foi ainda melhor porque em dois anos ganhei sete prémios individuais de melhor em campo. Talvez, se não fossem as lesões, pudesse até estar num clube grande. As coisas estavam-me a sair muito bem antes da primeira operação, tinha feito um hat-trick, fui o melhor em campo frente ao FC Porto… Infelizmente ao bater um penálti num treino tive de ser operado. São coisas que não vale a pena pensar muito, não estava ao meu alcance mudar isso. Agora estou aqui no Kunshan e as coisas estão a sair-me bem, estou bem fisicamente e estou focado em dar o meu melhor.

Grande parte da tua formação foi feita no Benfica e antes de rumares a Inglaterra completaste uma época inteira na equipa B. Como é que vês o sucesso de alguns dos teus antigos colegas, como por exemplo, o Rúben Dias que é neste momento elogiado um pouco por todo o mundo?

É uma alegria imensa ver o Rúben Dias, mas não só, o Renato [Sanches], o Gonçalo Guedes, jogadores com quem partilhei o mesmo balneário quando éramos muitos jovens. É um grande orgulho vê-los representar alguns dos maiores clubes do mundo. Fico contente porque sempre fomos amigos uns dos outros e cada passo em frente que dão na vida é uma alegria. O Rúben Dias em nada me surpreende porque já sabia que ia ser um líder. Ele era um ano mais novo, mas sempre jogou com os jogadores da minha geração. Apesar de ser o mais novo da equipa sempre foi o líder, dava instruções, era um central impecável, trabalhador. O que ele está a ganhar hoje é tudo merecido. Não tenho dúvidas que hoje em dia não há nenhum central ao nível dele. Espero e tenho a certeza que ele vai continuar assim, nunca foi um jogador a quem a fama subiu à cabeça. E nem falo só do Rúben, falo do Gonçalo, do Renato… São jogadores que nunca deixaram a fama falar mais alto e tudo o que conquistaram foi por mérito.

Fizeste parte de uma geração do Benfica que tinha muita qualidade e onde muitos de vocês tiveram oportunidades. Olhando agora para a formação do Benfica, o que achas que mudou: a qualidade ou as oportunidades?

São gerações diferentes. Quando estava no Benfica acho que não existiam tantas oportunidades como existem agora. Fico contente por cada miúdo que chega à equipa principal do Benfica porque fiz parte dessa formação. Mas, para ser sincero, acho que a minha geração e a que passou, do Hélder Costa, do Raphael Guzzo… não tiveram tantas oportunidades como a geração de agora - a do João Félix, do Florentino… Não estou a tirar-lhes mérito, atenção. São jogadores incríveis, mas acho que para nós, na nossa altura, não houve tantas oportunidades. Aliás, não houve para mim, mas houve para o Renato, para o Rúben… Gostaria que fosse comigo, mas fico contente por ter sido com alguns dos meus colegas e irmãos.

Os jovens jogadores hoje têm de jogar, se não jogarem na equipa principal do Benfica, há mais clubes no mundo. Que saiam para jogar emprestados noutros clubes, mas que saiam para clubes onde possam jogar, nem que seja para um clube de menor dimensão. O mais importante é somar minutos, ter rotação. Às vezes é preciso dar um passo atrás para dar dois à frente.

O jogo contra o Benfica foi um dos momentos mais bonitos da minha vida

Recuando um bocadinho no tempo. Ainda te lembras daquele jogo pelo Loures que te fez ir para o Benfica?

Claro… Há três jogos na vida que nunca vou esquecer: esse do Loures contra o Benfica, o jogo da meia-final da Youth League frente ao Real Madrid, e o jogo em que fiz um hat-trick ao Moreirense. São jogos que ficarão para sempre na minha memória, saíram-me lágrimas de tanta alegria. Esse jogo do Loures, de que falaste agora, foi um momento de inspiração, confiança… Digo confiança porque no dia antes estava com um grande amigo e irmão meu, o Valter, e disse-lhe na escola, numa sexta-feira da qual nunca mais me esqueci: ‘Valter, estou com um feeling que amanhã vou fazer três golos’. E nós apostámos um almoço! Não sei o que me deu, mas senti que ia fazer três golos. No jogo até comecei no banco, mas acabou por acontecer. Não sei se foi confiança ou pressentimento, mas fiz um hat-trick e ganhámos por 5-4.

E pagaram-te esse almoço ou não?

Claro! Não foi um almoço daqueles que me podem pagar hoje em dia, mas pagaram-me [risos].

Consideras que esse jogo do Loures frente ao Benfica acabou por ser o mais importante da tua carreira?

Sim, não dá para esquecer aquele momento. Foi onde tudo começou… Passados uns meses assinei com o Benfica e aí começa a história. Foi um dos momentos mais bonitos da minha vida, a seguir ao nascimento da minha filha.

Há cerca de quatro anos, quando falámos, tu tinhas saído do Benfica há pouco tempo e afirmaste que era um sonho teu e do teu pai voltar. Acreditas que ainda é possível realizar esse sonho de jogar no estádio da Luz?

Claro que acredito. Se com 25 anos não fosse possível, não estaria a fazer nada no futebol. Hoje em dia acho que já orgulho o meu pai, mas claro que vestir o manto sagrado, vestir a camisola do clube do coração do meu pai, seria um sonho. Mas creio que ele vendo-me jogar num dos grandes em Portugal ficaria ainda mais orgulhoso do que já está agora. Vou continuar a trabalhar e espero um dia realizar esse sonho do meu pai. Só depende de mim e acredito que posso representar o Benfica ou qualquer um dos grandes.

Notícias ao Minuto Berto ao serviço da equipa B do Benfica© Global Imagens  

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