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"Andamos todos a querer ser ouvidos mas sem disponibilidade para escutar"

Psicólogo e sociólogo compilam em livro “testemunhos, desabafos e opiniões” da atual juventude.

"Andamos todos a querer ser ouvidos mas sem disponibilidade para escutar"
Notícias ao Minuto

14:00 - 08/01/20 por Natacha Nunes Costa

Lifestyle Adolescência

O psicólogo João Mota e o sociólogo Milton Dias acabam de lançar um livro que pretende abrir “as portas dos palcos institucionais” à juventude dando-lhes mais respeito e, consequentemente, “uma sociedade mais propensa à tolerância”.

‘Crónicas de Adolescentes – Um Possível Ensaio sobre a Juventude’, que já pode ser adquirido em diversas livrarias e na FNAC, surgiu com o contacto diário destes profissionais com jovens.

A cada página que avançar, descobre uma partilha mútua de angústias e preocupações, assim como respostas a questões que, normalmente, são bastante privadas e sobre as quais os adolescentes, muitas vezes, não encontram espaço para falar, ou mesmo desabafar.

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com os autores do livro para saber mais sobre este ensaio.

Andamos todos a querer ser ouvidos, muito compenetrados em passarmos informação, mas revelando pouca disponibilidade para escutar (...). Sentimos a necessidade de dar lugar aos jovens em vez de tecermos, mais uma vez, considerações sem eles estarem presentesComo é que surgiu a ideia de escrever um livro sobre adolescentes?

Surgiu do facto de estarmos em contacto diário com jovens e da surpreendente e impressionante necessidade, que fomos constatando, que sentem em comunicar. Surpreendente porque são cada vez mais as ferramentas que temos à nossa disposição para comunicarmos e quando falamos em comunicação não nos podemos esquecer que esta inclui quer o ato de falar assim como o de ouvir. De facto, eles manifestam a necessidade em ter alguém que demonstre recetividade, principalmente na escola e no seio familiar e que se disponibilize para orientar sem impor.

A grande questão é que andamos todos a querer ser ouvidos, muito compenetrados em passarmos informação, mas revelando pouca disponibilidade para escutar, atente-se ao que se passa no Facebook e no Twitter, locais em que todos clamam por atenção mas que não toleram retorno. Ao mostrar-nos pouco disponíveis para a escuta estamos a indicar, a quem se encontra em fases cruciais de desenvolvimento e de construção identitária, que o caminho é o isolamento, levantando barreiras que futuramente serão difíceis de transpor e levando à procura de caminhos para as transpor que podem não ser os mais adequados.

Analisando todas estas questões, sentimos a necessidade de dar lugar aos jovens em vez de tecermos, mais uma vez, considerações sem eles estarem presentes. Na sequência desse contacto diário foram-nos transmitidos tantos recados por parte dos jovens que consideramos, a dada altura, que não fazia qualquer sentido retermos esta informação e partimos para a construção de um livro que não é mais do que uma viagem ao universo adolescente dos nossos dias.

De que forma as vossas profissões ajudaram a escrever este livro?

As nossas profissões permitiram-nos ter a possibilidade de contactar diariamente com jovens em diferentes contextos, se juntarmos a isso o conhecimento técnico, experiência profissional e capacidade de transformar espaços formais em locais de partilha, reunimos as condições necessárias iniciais para que entrar em modo alerta, considerando aquilo que íamos ouvindo. No entanto, porque nos encontrávamos limitados em termos de ação, pelos condicionalismos inerentes às instituições, optamos por utilizar uma ferramenta acessível a todos que possibilitasse lançar a discussão para que surgissem, quem sabe, dinâmicas mais criativas e abordagens diferenciadas que colocassem em questão as práticas seculares que têm vindo a ser utilizadas para dar respostas aos jovens de hoje.

Este ‘ensaio’ tem que objetivo?

Como qualquer ensaio, a ideia de base é proporcionar um espaço de experimentação em que se possibilite, por momentos, exercitar, propondo a que seja dada voz a quem, muitas vezes, permanece calado porque incompreendido. No entanto, aquilo que se espera após um ensaio é que se abram as portas dos palcos institucionais, convidando a comunidade a participar e assistir a discussões com a presença dos verdadeiros protagonistas, neste caso específico os jovens, proporcionando momentos sérios de reflexão que levem a uma ação mais coerente que possibilite termos adolescentes mais respeitados e, consequentemente, uma sociedade mais propensa à tolerância.

Tudo se adapta, porque não nos devemos adaptar, também, ao facto de que ser adolescente hoje, pelos condicionalismos inerentes à sociedade atual, não é exatamente o mesmo de quando o fomos?Como é que conseguiram ‘conquistar’ a confiança dos adolescentes? É que no livro os jovens respondem a determinadas questões que, normalmente, são bastante privadas.

Esta confiança é conseguida quando te desligas de formalidades, sem complexos de superioridade e imposições, demonstras confiança e segurança naquilo que fazes e revelas abertura para a compreensão proporcionando espaço para uma partilha, mútua, de angústias e preocupações. Tens de dar oportunidade para que se crie um espaço e um tempo favorável para que se instale o conforto e à vontade necessários que possibilitem o diálogo. Não deves impor temáticas, pelo condicionamento que daí advém e pelo facto de poderes estar a invadir a privacidade sem te terem dado essa permissão. A ideia é conversares sobre ‘coisas’ e muito provavelmente, quando menos esperares, estarás a abordar algo que preocupa quem está à tua frente.

Só o simples facto de encontrarem alguém, por exemplo, na escola que tem tempo para os ouvir, com quem podem expressar a sua frustração, seja em relação ao sistema educativo ou à família seja em relação a outro tema qualquer, sem serem ignorados ou rotulados, inevitavelmente surge a confiança e respeito que necessitas para continuares a tua caminhada tranquila ao lado deles, sem te colocares nem à frente nem atrás.

Com quantos adolescentes falaram para escrever este livro? Foram colocando as questões e eles foram respondendo? Como é que se procedeu?

Ao certo não sabemos o número de adolescentes com que falámos, tudo o que está escrito é fruto de uma escuta ativa conjunta que começou fez agora nove anos. Concluímos que muitos dos desabafos eram semelhantes, revelando preocupações no mesmo sentido, levantando-nos como técnicos questões segundo as quais eram necessárias refletir. Entretanto, os ‘testemunhos’ foram ganhando cada vez mais consistência fazendo-nos sentir responsabilidade para uma possível partilha.

Enquanto adultos temos de começar a agir com coerência pois é isso que se espera de nós (...). Temos de dar espaço para o erro, sem julgarmos e aproveitando para construir O que acharam do resultado final os ‘intervenientes’?

A mensagem que nos tem chegado é de profundo agradecimento por lhes darmos voz e acreditarmos neles; por outro lado, tem sido referido o facto de termos tido a humildade necessária por não querermos falar por eles e darmos espaço para falarem. Algo que nos honra. Começámos também a assistir, num curto espaço de tempo, a manifestações de interesse em serem eles a quererem procurar divulgar e mostrar o livro para que a ideia instalada de adolescente seja refletida com o objetivo de se assistir a uma transformação das opiniões que se adeque aos tempos que vivemos. Tudo se adapta, porque não nos devemos adaptar, também, ao facto de que ser adolescente hoje, pelos condicionalismos inerentes à sociedade atual, não é exatamente o mesmo de quando o fomos?

Na sinopse do livro referem que “muito raramente” entramos em modo escuta com os adolescentes. Que conselhos dão aos pais, familiares e professores que lidam todos os dias com jovens?

Enquanto adultos temos de começar a agir com coerência pois é isso que se espera de nós. Agir sem continuar a dar desculpas ultrapassadas como, por exemplo, a falta de tempo (questionemo-nos quantas horas passamos, por semana, a fazer scroll no Facebook ou a colocar fotos de famílias aparentemente felizes no Instagram e, em contrapartida, a responder ‘agora não posso’ a uma solicitação de uma criança). Agir não colocando questões que nos devolvem pseudo-ansiolíticos como a resposta ‘está tudo bem’! Quando optamos por desempenhar papeis que têm por objetivo ajudar no crescimento de alguém a reflexão deve estar explícita, o nosso foco deve incidir no Ser e não no Ter (melhor nota, melhor telemóvel, melhor qualquer coisa...). Temos de dar espaço para o erro, sem julgarmos e aproveitando para construir.

Devemos demonstrar aos mais novos que acreditamos neles e que estamos ao seu lado. E aos adolescentes?

Que tenham força, coragem e nunca desistam de se manifestar… que estejam preparados para “levar porrada”, se preparem (com alguma da nossa ajuda) para se erguerem, que continuem a acreditar nos seus sonhos, que não deixem que lhes castrem a criatividade e a espontaneidade.

Qual foi a questão colocada no livro sobre a qual os jovens tiveram mais dificuldades em responder?

Qualquer das questões colocadas no livro foi tão difícil quanto fácil. Difícil, pois exigiu esforço e dedicação para a criação de espaços e momentos que possibilitassem o à vontade necessário para que fossem colocadas; fácil, porque uma vez criadas as condições tudo flui. Tudo aquilo que corresponde ao carácter mais emocional teve tendência para demorar um pouco mais, para ambas as partes, pois é necessário estabeleceres uma séria e comprometida relação de confiança.

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