De Lisboa a Fátima, peregrinos unidos pela devoção e amizade
A fé e a devoção por Fátima une-os, mas no final de cada peregrinação há uma caminhada que continua todo o ano, a da amizade que se cria e renova nos 150 km de Lisboa ao santuário.
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País Fé
Milhares de pessoas estão a caminho de Fátima para as comemorações do centenário das "aparições" de 13 de maio nas quais participa o papa Francisco. A Lusa acompanhou um grupo de 70 peregrinos no primeiro e último dia de caminhada (46 km, um terço do percurso), assistindo à sua motivação quando enfrentam o calor, a chuva, o cansaço e os pés maltratados, nunca pensando em desistir.
"Peregrinar no resto do ano também é peregrinar. Mantemos contacto dia a dia. Temos um espírito de grupo muito forte e a amizade construída no caminho permanece", diz Carlos, o peregrino organizador, fazendo assim o retrato do grupo que partiu domingo da Portela de Sacavém em direção a Fátima.
Há 18 anos que Carlos e Fernanda caminham para Fátima, parte deles a guiar um grupo de todas as idades. Este ano, como em todos, há os repetentes e os novatos a quem são explicadas as regras do grupo, os cuidados a ter e as normas de segurança: "neste grupo só os guias vestem colete, são eles que fazem a linha de segurança entre a berma e a estrada, são eles que determinam o ritmo e alinham o grupo"
"Nenhum caminho é igual e a verdade é que estamos sempre ansiosos pelo próximo. Em dezembro já anseio que chegue maio e durante a peregrinação fico triste quando chego a Minde porque estamos a terminar", confidenciou Carlos.
Este não é um caminho fácil, peregrinar até Fátima é duro. Ao contrário de Santiago de Compostela, que é um caminho de mudança de vida, Fátima é um caminho de penitência difícil", explica João, um dos guias do grupo que peregrina desde 2007.
Em Santiago, conta, descobriu que não queria continuar a trabalhar no banco, foi durante a caminhada que o sentiu. Não teve depois a coragem de avançar e há dois anos foi o banco (Novo) que tomou a decisão por ele. Ficou desempregado, um estado que encarou como uma oportunidade para avançar para um projeto seu. Sorri por isso. Já com Fátima a sua relação foi sempre de agradecimento ou de aflição.
Durante o percurso, Carlos, o chefe como muitos o chamam, lembra frequentemente: Quem não aguentar a caminhada, quem não se sentir bem, quem tiver os pés a magoar pode entrar na carrinha de apoio e faz "o seu peregrinar" a ajudar os outros nas paragens, na distribuição de água ou de fruta.
No primeiro dia, o calor foi o principal inimigo destes peregrinos e, apesar das paragens para descanso, a etapa foi dura para alguns. No final da jornada, já em Vila Franca de Xira e depois de 31,5 km andados, organizam a dormida no ginásio da Escola Secundária Alves Redol, que será partilhado com outro grupo.
Esta foi apenas a primeira etapa, ainda há muito estrada para andar, mas não há um lamento, nem quando o corpo está moído ou no pé se avizinha o nascimento de uma bolha. Há alegria e um contar de horas para o " amanhã há mais".
Na verdade, as pausas são para partilhar a vida, os risos, os choros, as anedotas e a oração. Neste grupo caminhar a Fátima não é um passeio, há uma profunda fé e uma oração permanente.
A segunda etapa mais 31 km a acabar no Cartaxo, segue-se Alcanhões, e por fim Minde. A última dormida antes de Fátima, a mais penosa, a acusar o cansaço e os nervos a flor da pele.
No pavilhão de Minde, onde centenas de peregrinos dormem antes de chegar a Fátima, os enfermeiros não têm mãos a medir. Na penúltima jornada do caminho as bolhas aumentaram, alguns pés estão em ferida e o corpo pede massagem.
Desta vez, a chuva foi o que mais massacrou o grupo que partiu dia 07 de Lisboa e que à chegada ao santuário de Fátima não escondeu a emoção. Há choros no recinto e muitos abraços porque a missão a que se propunham tinha sido concluída com sucesso.
O que os motiva para passar por todas estas privações e sofrimentos? Essencialmente a fé, o cumprir de uma promessa , ou o agradecimento por "graças" concedidas, mas há também quem se sujeite a quilómetros de esforço físico apenas por curiosidade, para sentir como é.
A caminhada a Fátima funciona para alguns como uma terapia para o resto do ano e, mesmo já exaustos e no limite ninguém fala em "desistir" mas sim no "para o ano há mais". É um fenómeno inexplicável . Por muito que se possa escrever sobre uma peregrinação a pé na verdade, sem ir nunca se sabe o que é.
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