França: Partidos tradicionais lutam para sobreviver, dizem analistas
Os partidos tradicionais de direita e de esquerda em França já estavam a definhar há anos e hoje, a primeira volta das eleições presidenciais colocou um novo prego no caixão, concluem analistas.
© REUTERS/Christian Hartmann
Mundo Presidenciais francesas
Segundo as primeiras estimativas, a candidata socialista Anne Hidalgo obteve um resultado humilhante e inédito, à volta de 2%, ou até menos, e o candidato dos Republicanos (direita) Valérie Pécresse sofreu uma derrota histórica, obtendo apenas cerca de 5% dos votos.
Quando os resultados foram anunciados, a sala de Paris onde os socialistas se reuniram para acompanhar a noite eleitoral "congelou", em silêncio.
Anne Hidalgo apelou ao voto em Emmanuel Macron na segunda volta das eleições, em 24 de abril, para travar a extrema-direita protagonizada por Marine Le Pen, mas prometendo que a sua luta continuará "a colocar obstáculos no caminho dos projetos injustos" conduzidos pelo Presidente em exercício.
"Vamos trabalhar para juntar a esquerda dispersa que não conseguiu unir-se", disse Hidalgo.
A queda da casa socialista, minada por divisões ideológicas e batalhas de ego, acelerou já no tempo do Presidente François Hollande (2012-2017), que desistiu de concorrer a um segundo mandato em 2017.
Dinamitado por um candidato que veio das suas fileiras, Emmanuel Macron, o Partido Socialista francês registou um fracasso histórico na primeira volta, quando o seu candidato Benoît Hamon obteve apenas 6,36% dos votos.
Mas, hoje, a presidente da Câmara de Paris registou um resultado ainda mais amargo e nunca conseguiu descolar nas sondagens, com uma campanha marcada por propostas que foram descritas como irreais ou demagógicas, como duplicar o valor do salário dos professores.
Para o cientista político e ex-deputado de direita Dominique Reynié, que situa o início do declínio do PS em meados dos anos 1980, "a esquerda nunca conseguiu reconciliar-se com as classes populares, porque em vez de fazer uma espécie de revolução, continuou a ser um partido de elites e de funcionários públicos".
À direita, o partido de inspiração gaullista Os Republicanos nunca recuperou totalmente da derrota do seu líder e presidente cessante Nicolas Sarkozy em 2012, e lutou durante muito tempo para encontrar um novo líder.
A presidente da região de Ile-de-France (região de Paris) Valérie Pécresse criou, durante algum tempo, a ilusão de poder ser a resposta aos anseios dos conservadores, quando conseguiu bons resultados em sondagens logo após a sua nomeação para a corrida presidencial.
Mas acabou por ficar com um fraco resultado, entre 4,5% e 5,1% dos votos segundo sondagens à boca das runas, um valor historicamente baixo.
"É uma desilusão pessoal e coletiva", reconheceu Valérie Pécresse, que, recordando o "empenho contra os extremos", anunciou de imediato que votará "em consciência" em Emmanuel Macron, na segunda volta.
Pécresse não conseguiu impor um discurso claro entre a radicalização de parte dos Republicanos e a afirmação de uma direita impermeável às ideias de extrema-direita.
"O problema da direita hoje é que ela está dividida entre um eleitorado moderado que esteve com Macron (...) e um eleitorado envelhecido, muito conservador e tentado pelo discurso da extrema-direita", explicou o cientista político Rémy Lefebvre, num artigo publicado na revista Grand Continent, na edição de 07 de abril.
"Acontece à direita o que aconteceu ao PS - que em 2017 ficou presa entre Macron e o líder da esquerda radical Jean-Luc Mélenchon. Agora, a direita está bloqueada entre Macron e a extrema-direita", defendeu Lefebvre.
A irrupção na cena política do polémico ultra-radical Eric Zemmour e a sua ambição declarada de diluir as fronteiras entre direita e extrema-direita deram frutos: no passado outono, um dos pesos-pesados dos Republicanos, Eric Ciotti, disse que preferia votar em Zemmour do que em Macron, rompendo o já frágil "cordão sanitário" defendido pelos líderes históricos da direita, incluindo o ex-presidente Jacques Chirac, que faleceu em 2019.
Socialistas e Republicanos agora ficam com os olhos voltados para as eleições legislativas de junho, que prometem ser uma questão quase vital para a sua sobrevivência.
O Partido Socialista conta atualmente com apenas 25 deputados em 577.
"Isso levantará questões de sobrevivência, porque em França os subsídios públicos que financiam a maioria dos partidos políticos são calculados de acordo com o resultado das eleições legislativas e o número de deputados", disse Frédéric Sawicki, professor de Ciências Políticas da Universidade de Paris 1 Panthéon-Sorbonne.
"Estamos a assistir a uma recomposição da vida política francesa, com esta bipolaridade entre os centristas e a extrema-direita", concluiu o cientista político Gaspard Estrada.
Leia Também: Emmanuel Macron pode ganhar segunda volta, indicam sondagens
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com