Martina Perino, gestora de programas do Instituto Republicano Internacional, moçambicana de origem, disse que "todos poderiam beneficiar com maior segurança" em Cabo Delgado e, por isso, a intervenção de todos é crucial no estabelecimento da paz.
Desde cidadãos, a membros dos media, organizações da sociedade civil, políticos, organizações e empresas internacionais, todos podem contribuir para a solução dos conflitos em Moçambique, disse Martina Perino, sublinhando que a resposta deve iniciar-se a nível local, mas com "observação" e mediação de um "aliado forte" internacional, como a União Africana.
Os membros da imprensa, em particular, "são parte importante da solução" e têm o importante papel de trazer os relatos das vivências da comunidade e requerer a transparência da classe política, numa estratégia de combate à corrupção, disse Martina Perino, reconhecendo, por outro lado, que os jornalistas enfrentam perigos como, raptos ou atentados à liberdade.
Gregory Alonso Pirio, consultor político e estudioso de assuntos africanos, sublinhou que a resolução das atividades terroristas depende "100%" da participação e interação comunitária. O especialista sublinhou que se nota uma "tremenda desconfiança" no Estado, mas "quando as pessoas têm voz e são respeitadas, os resultados são muito bons".
Durante todo o 'webinar' 'online' promovido pelo Instituto de Política Internacional, com duração de uma hora e meia, os dois especialistas convidados enfatizaram que "a confiança tem de ser restabelecida no Governo".
Gregory Pirio apontou que a forma de "governação nacional tem de mudar" e que o "Presidente Filipe Nyusi tem de reconhecer" a necessidade de mais participação dos habitantes. "É algo difícil de admitir, mas demonstraria verdadeira liderança", comentou.
Os dois especialistas concordaram que Moçambique precisa de uma "estratégia militar" por parte do Governo para poder responder aos ataques violentos, aliada ao apoio de atores internacionais.
Martina Perino sublinhou que os fundos provenientes de "doadores" internacionais estão a ser aplicados em Cabo Delgado, mas é necessário um planeamento mais analítico, com o cuidado de não agravar a "divisão entre o norte e sul do país".
"Os efeitos [do conflito] são sentidos em diferentes regiões do país, por exemplo com a migração de refugiados de Cabo Delgado", sustentou a especialista em governação estratégica e democracia, que já trabalhou em Moçambique, República Democrática do Congo, Zâmbia e Kosovo.
Gregory Pirio, autor de variados artigos académicos sobre África e um livro sobre a 'jihad', sublinhou que o investimento internacional tem de ser introduzido a nível local nas povoações afetadas e, mais importante, deixar de estar concentrado nas organizações que operam na capital do país, Maputo.
Os doadores internacionais "não podem tentar resolver problemas de Cabo Delgado a partir de Maputo", realçou.
O especialista sugeriu que os Estados Unidos da América poderiam dar uma importante contribuição em treino militar e em direitos humanos, mas a iniciativa tem de partir do Governo moçambicano.
Martina Perino refutou a ideia de "a responsabilidade" para a paz seja dos Estados Unidos ou outro país, porque, em primeiro lugar, a confiança entre a população e a classe política tem de ser restabelecida.
Antiga observadora de eleições em Kosovo, RD Congo e Albânia, disse que se "mantém otimista" no país de origem, Moçambique, que demonstra "imensa tolerância religiosa", como um dos pontos mais fortes da população.
Os grupos insurgentes que se vêm desenvolvendo em Cabo Delgado há cerca de três anos tiveram três fases, na visão de Gregory Pirio: uma primeira fase de "beneficência social" não violenta, uma fase intermediária de "vingança violenta" e a terceira, em que se encontram agora, de "califato".
O grupo procura fundar califatos dentro e fora do país, com "zonas libertadas", principalmente no norte de Moçambique e na Tanzânia, segundo Pirio.
A escalada da violência explica-se também com a "economia ilícita que está a operar em Cabo Delgado", como o tráfico de heroína, rubis, pedras preciosas ou animais selvagens, que a população acredita beneficiar os governantes e também a polícia, disse Gregory Pirio