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E PàF... Geringonça completa um ano. "A procissão acabou de sair do adro"

Completa-se hoje um ano desde a tomada de posse do Governo (minoritário) de António Costa. A dita ‘geringonça’ superou as expetativas de muitos, conquistou a confiança de Bruxelas, e o “diabo” tantas vezes invocado ainda não deu o ar da sua graça. E o que reserva o futuro a esta solução governativa, que deitou abaixo a coligação PàF? O Notícias ao Minuto foi ouvir a opinião de vários politólogos e é unânime: “A procissão ainda só vai na primeira rua da aldeia” e as ameaças são reais.

E PàF... Geringonça completa um ano. "A procissão acabou de sair do adro"
Notícias ao Minuto

08:00 - 26/11/16 por Ana Lemos

Política Governo

[Geringonça] é uma expressão dita por Paulo Portas, na altura em que ainda estava muito zangado com a solução política encontrada. Procurou minimizá-la e desvalorizá-la (…). Relevante, de facto, é que, tal como Passos Coelho, se enganou”.

As palavras são de Jerónimo de Sousa e foram proferidas em maio, completava o Executivo de Costa meio ano de governação. A verdade, disse Costa à data, e já a repetiu outras tantas vezes, “é que é geringonça mas funciona”, até já fez vacas voarem, e hoje completa um ano aos comandos do país e está a dias de ver aprovado o seu segundo Orçamento do Estado.

Depois de assinados os acordos com os partidos à Esquerda, no Parlamento, PS, Bloco, PCP, Verdes e PAN derrubavam, com uma moção de rejeição, o executivo português mais curto de sempre. E 'PàF', 53 dias depois das eleições de 4 de outubro, e depois de Cavaco chamar Passos para formar o novo elenco governativo e de dar posse ao segundo executivo de coligação PSD/CDS, Costa assumia os comandos do país, com um Governo composto por 17 ministros e 41 secretários de Estado mas sem membros do Bloco e PCP.

As “dúvidas” de Cavaco, e não só, quanto “à estabilidade política” e à durabilidade desta “solução inédita” na política portuguesa, conforme manifestou há precisamente um ano no discurso de tomada de posse do XXI Governo, parecem dissipar-se com o tempo. A verdade é que, a geringonça, como lhe chamou Paulo Portas, ‘aguentou-se’ e parece estar de “boa saúde”. Até agora ninguém pôs os “papéis do divórcio”. O Orçamento para 2017, que está a ser discutido na especialidade, já passou no crivo de Bruxelas e, tudo indica, contará com ‘luz verde’ no Parlamento.

A procissão acabou de sair adro mas ainda não chegou ao largo da praçaO que este ano indica, na opinião do investigador Pedro Magalhães, do ICS, é que “a solução de Governo mostra estabilidade e durabilidade acima das expetativas iniciais de muita gente”. Os partidos que a apoiam “suspenderam as suas discordâncias” e “no dia a dia concentram-se em compromissos que tragam benefícios mútuos”: o PCP nas “políticas que preservem a sua influência no meio sindical e na Função Pública”; o Bloco, em políticas “que mostrem ao seu – volátil – eleitorado que o voto no partido não é inútil”; e o PS “pura e simplesmente em continuar a governar”.

Mas, completa o professor do ISCSP, José Adelino Maltez, “a procissão acabou de sair adro” e “ainda não chegou ao largo da praça” vai só, a esta altura do campeonato, “na primeira rua da aldeia” pelo que “ainda é cedo”.

A verdade, reforça o professor Carlos Jalali, da Universidade de Aveiro (UA), é que “os acordos à Esquerda têm-se mostrado estáveis (…) mas o contexto continua a ser difícil e esta estabilidade não nos garante que este Governo dure toda a legislatura”. Até porque, refere Adelino Maltez, “descontando a propaganda governamental, que é costume (…), a vida sã deste Governo depende de fatores de poder que não são nacionais”.

É positivo que o Executivo conte “com a confiança institucional do Presidente” e que o país tenha chegado ao “fim do ciclo do bom aluno”, destaca o professor do ISCSP, mas “o Brexit, as eleições francesas e alemãs vão ter mais influência neste Governo do que este feliz aniversário do António Costa”. Mais acrescenta, “Bloco e PCP vão continuar a luta - caso contrário estavam no Governo - os parceiros sociais vão ter de gerir estas circunstâncias, e o homem comum, que teve alguma devolução de rendimento, agora quer saber se ela vai ser papada por outras circunstâncias”. Acontece que isso “não está no plano das boas intenções está no plano dos resultados da economia”. Uma opinião partilhada pelos três.

“A principal ameaça a esta solução é ‘exógena’ à questão política, tem que ver com a economia. Por um lado, esta solução - como todas as que implicam acordos entre partidos e a necessidade de servir as suas clientelas - terá dificuldades em reduzir a despesa pública, caso ela se torne necessária por pressão dos mercados financeiros”. Mas mesmo que “essa pressão não se coloque, esta solução obriga a crescimento económico, de forma a que se possa continuar a governar sem cortes” e que, em simultâneo, “se cumpram os compromissos decorrentes da pertença à zona euro”. A questão é que, prevê Pedro Magalhães, “se falharem estas condições (crescimento económico e estabilidade dos mercados), esta solução política será inevitavelmente colocada sob pressão”.

A primeira grande frente de batalha foi ganhar a confiança da Europa, do velho e do novo Presidentes, e ter de passar, no Parlamento, por importantes testes de validade aos contratos que fez com a Esquerda

No mesmo sentido seguem as considerações de Carlos Jalali. Ao contrário de Adelino Maltez, entende que os resultados das eleições na Europa “não terão um efeito direto em Portugal” mas concorda na assunção de riscos que “a pressão europeia e a pressão dos mercados” acarretam. E a esta prerrogativa acrescem ainda “as pressões internas e os acordos com a Esquerda”. Esse, diz, “é um dilema que se mantém apesar desta última avaliação [de Bruxelas] ter sido bastante favorável”.

O Governo pode a qualquer momento “ser obrigado a optar pela pressão europeia e perde o apoio da Esquerda, ou mantém os acordos [com Bloco, PCP e PEV] e corre o risco de sanções dos mercados e ao nível europeu”. Além disso, refere indo ao encontro da opinião do professor do ISCSP, a “situação económica tem, além de um efeito muito grande sobre uma série de variáveis orçamentais, influência na perceção geral dos cidadãos”, que, caso “a situação económica se agrave, pode gerar pressão popular”. O que, sublinha Jalali, não só “é muito mais difícil de enfrentar num governo minoritário” como, em última circunstância, pode culminar em “eleições antecipadas”.

Este é um cenário, porém, que até às autárquicas do próximo ano não “interessa a nenhum dos partidos”. Já Adelino Maltez considera que essas mesmas eleições não serão “nenhum desastre” e não vão interferir com a geringonça. Nessa altura, salienta, “o problema vão ser os dinossauros” e isso é uma questão de “mobilização de máquinas” internas. 

A tomada de posse do "Governo fruto da vontade dos portugueses"

A frase foi proferida pela coordenadora do Bloco, Catarina Martins, à saída da cerimónia no Palácio da Ajuda, na qual os ministros de Costa prestaram juramento e assinaram o auto de posse, a 26 de novembro de 2015, sob o olhar atento do Presidente Cavaco, e dos ‘ex-primeiro-ministro’ e ‘vice’ Passos e Portas. Do novo elenco governativo (maior do que o proposto pelo líder do PSD), que ‘desfalcou’ a banca ‘rosa’, faziam parte maioritariamente homens e quatro mulheres.

A chamada geringonça inverteu o epíteto bastante depreciativo que a oposição lhe quis dar

Um Executivo, reforçou à data João Oliveira, líder da bancada do PCP, que “expressa a vontade do povo”. Mas “esta alteração de alguma praxe” na política nacional, como descreve o professor Maltez, terá convencido os portugueses? Essa é a grande questão, salienta Carlos Jalali. “Formalmente é um governo minoritário mas na perceção pública (…) a imagem que fica é a chamada geringonça, esse é o epíteto que colou este Governo”, e que inicialmente teve “um intuito bastante depreciativo”. Mas depois “a própria Esquerda, e o próprio primeiro-ministro, inverteram-no” e com isso criou-se uma lógica nova de “Esquerda versus Direita que até agora não existia”.

As 'cabeças' que já rolaram e as outras tantas pedidas

Mas neste ano nem tudo foram ‘favas contadas’. O Governo de Costa, formado sem elementos dos partidos à Esquerda, já teve os seus altos e baixos, as suas polémicas com medidas propostas nos Orçamentos, o caso Banif, as viagens pagas pela Galp, e, mais recentemente, a ‘novela CGD’ e as ditas declarações de rendimentos. A habitual ‘dança de cadeiras’ foi, nestes contextos, várias vezes sugerida mas a chamada geringonça resistiu.

Até hoje, e pouco tempo depois da tomada de posse, apenas o pelouro da Cultura sofreu alterações. As prometidas “salutares bofetadas”, aos cronistas a Augusto Seabra e Vasco Pulido Valente, levaram João Soares a apresentar o pedido de demissão. Com ele abandonou também o Executivo a única secretária de Estado que tinha, Isabel Botelho Leal. O lugar foi ocupado por Luís Filipe de Castro Mendes e o seu secretário de Estado, Miguel Honrado.

Dois dias depois desta saída, o Governo de Costa sofria nova baixa. Desta vez no Ministério da Educação. O secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Wengorovius Meneses, abandonava o cargo “em profundo desacordo” com o ministro Tiago Brandão Rodrigues. A ele sucedeu João Paulo Rebelo que, mais recentemente, perdeu o seu chefe de gabinete Nuno Félix, que se demitiu após ser tornado público que não concluiu as duas licenciaturas que declarou. A este propósito saiu também, dias antes, do elenco governativo o adjunto dos Assuntos Regionais do primeiro-ministro, Rui Roque.

O ministro das Finanças está na aérea nevrálgica do Governo, sob um escrútinio muito acentuado e alvo de críticas

“Todo o governo se desgasta, há sempre remodelaçõeszinhas” a fazer, reconhece Adelino Maltez, mas “nunca vi nenhum chefe de governo ceder na primeira esquina às pressões”. O que se confirma neste ano. Demissões foram já algumas as que se pediram, desde logo, a do ministro Mário Centeno, que na opinião de Carlos Jalali “tende a ser uma aérea recorrente e nevrálgica [neste tipo de pedidos], sobretudo num contexto de pré-resgate, resgate e pós-resgate”, tal como, recorda, aconteceu com os antecessores Maria Luís Albuquerque e Vítor Gaspar.

Mas o mesmo sucedeu com Tiago Brandão Rodrigues e porquê? “Em parte porque foi uma aérea que sofreu mudanças em relação ao período anterior: primeiro a questão dos exames, depois a dos contratos com os colégios e, mais recentemente, a polémica em torno da demissão do secretário de Estado e depois do assessor”, recorda o professor da UA. Mas no caso da pasta da Educação estamos perante “uma questão mais de dimensão interna” que “depende do que são os casos do dia”, como, lembra, “foi o caso da Justiça no governo anterior”.

Modestas, assim são as perspetivas para o futuro da 'geringonça'

“Há palavra dada e temos de começar a perceber que as palavras são para cumprir”, aliás, “aqueles que têm tendência a invocar o diabo já não discutem isso. Mas não nos esqueçamos que até o contrato que foi acordo contra o desacordo tem pontos em que quem o faz ainda está em desacordo, é um problema de progressão”, esclarece o professor do ISCSP. Além disso, acrescenta, “até àquilo a que chamamos Bruxelas sabe-se lá o que lhe vai acontecer” e, não menos importante, “a confiança institucional do Presidente da República (…) não quer dizer que seja mais um dos subscritores” do acordo à Esquerda.

A este propósito, Carlos Jalali salienta que “este período do mandato de Marcelo tem como base reagir à queda da popularidade da Presidência” que é, sublinha, “a base da força política” de um chefe de Estado “no nosso sistema político”. Ou seja, “um presidente popular”, ao contrário do que foi Cavaco, sobretudo no seu segundo mandato, “tem mais capacidade de influenciar e intervir politicamente”. Mas esta “posição cooperante” de Marcelo face à geringonça, e que a alguns pode ter surpreendido, não é “muito diferente de presidentes anteriores”. Recuemos a dezembro de 2006 quando o então primeiro-ministro José Sócrates dizia ao à data Presidente Cavaco Silva “gostamos muito de trabalhar consigo”. Anos mais tarde, todos sabemos o que veio a acontecer.

Se não ficar pior é melhor, é ótimo. Embora com expetativas modestas

Portanto, conclui o professor da UA, o “cenário atual” assumido por Belém é de cooperação “não no sentido ideológico” mas no sentido de “dar condições de governabilidade” ao elenco de Costa mas “sempre salvaguardando a possibilidade de retirar esse apoio se as condições assim o obrigarem”. Exemplo disso são já “os avisos” do Presidente “deixados aquando da promulgação de algumas leis, dizendo ‘promulgo mas isto gera dúvidas e se virmos que não tem os efeitos desejados’ podemos voltar atrás”.

Com “expetativas modestas” quanto a esta solução inédita, Adelino Maltez remata que “se não ficar pior, é ótimo, significa que é muito melhor”. Já Carlos Jalali faz notar que “em política uma semana é muito tempo e os três anos que faltam [à atual legislatura] e os quatro deste mandato presidencial são uma eternidade”.

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