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Acórdão sobre trabalho doméstico incide no valor da contribuição prestada

A Associação das Juízas Portuguesas esclareceu hoje que a condenação pelo Supremo Tribunal de um homem a pagar 60 mil euros à ex-companheira incide "na restituição do montante em que se quantificou a contribuição" prestada pelo trabalho doméstico.

Acórdão sobre trabalho doméstico incide no valor da contribuição prestada
Notícias ao Minuto

17:48 - 25/02/21 por Lusa

País Associação Juízas

"Impõe-se esclarecer que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) não condena na restituição do valor do serviço doméstico prestado durante o período de união de facto, mas sim no montante que se entendeu que esse serviço contribuiu para aquisição de património pelo réu, que é e sempre foi exclusivamente dele", precisa a AJP, presidida pela juíza Paula Ferreira Pinto.

Esta posição da AJP surge a propósito de um acórdão do STJ que condenou um homem ao pagamento de mais de 60 mil euros à ex-companheira pelo trabalho doméstico que esta desenvolveu ao longo de quase 30 anos, em união de facto.

Interpretando o acórdão, a AJP menciona que, "durante os anos em que as partes viveram em comunhão económica, o réu foi adquirindo património que é somente seu, tendo-o feito, contudo, também com recurso ao esforço que a sua ex-companheira realizou em prol da economia familiar, concretizado no trabalho doméstico".

Assim - adianta a AJP - foi julgado que "esse serviço implicou não só que não fossem despendidas quantias no pagamento dos serviços correspondentes, mas também que libertou o réu da sua execução, possibilitando-lhe assim o exercício de atividades remuneradas que terão contribuído para aquisição de meios para aumentar o seu património, exclusivamente da sua titularidade e que assim se mantém até à atualidade".

"Terminada a união de facto, a conjugação de esforços dos companheiros que permitiu a aquisição daquele património cessou, e, consequentemente, a condenação é na restituição do montante em que se quantificou a contribuição da autora, traduzida na prestação de trabalho doméstico, para aquisição de bens que não são propriedade desta", precisa ainda a AJP.

Por outro lado, nota a AJP, o "enriquecimento sem causa" - o instituto jurídico aplicado no caso em referência - tem "uma longa tradição no Direito português, encontrando-se previsto no Código Civil vigente, cuja elaboração terminou em 1966 e que se encontra em vigor desde 1967.

"Não constitui qualquer inovação do ponto de vista jurídico e jurisprudencial, somente se podendo afirmar que a decisão pondera a sua aplicação a uma situação de facto perspetivada à luz dos valores civilizacionais e sociológicos vigentes", conclui a AJP.

Questionado sobre o mesmo tema, o bastonário da Ordem dos Advogados (OA), Luís Menezes Leitão, observou também que "a questão não é propriamente nova, uma vez que já tinha sido defendida essa aplicação do instituto do enriquecimento sem causa na doutrina e na jurisprudência".

A única diferença neste caso - alega o bastonário - foi "o elevado valor da compensação estabelecida".

Também hoje, a Associação Portuguesa das Mulheres Juristas (APMJ) congratulou-se com "a valorização do trabalho doméstico" contido num acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e que, em seu entender, constitui "uma inovação no ordenamento jurídico português" naquela matéria.

No acórdão, datado de 14 de janeiro e consultado pela Lusa, o STJ refere que o exercício da atividade doméstica exclusivamente ou essencialmente por um dos membros da união de facto, sem contrapartida, "resulta num verdadeiro empobrecimento deste e a correspetiva libertação do outro membro da realização dessas tarefas".

O STJ considera que isso se traduz num enriquecimento do membro do casal que não participa no trabalho doméstico, uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades sem custos ou contributos.

De acordo com Joana Pinto Coelho, este acórdão constitui "uma inovação no ordenamento jurídico português no setor da valorização e quantificação do trabalho doméstico".

A representante da APMJ sublinhou que, embora este direito esteja consagrado desde a reforma do Código Civil (2008) - artigo 1676 nº2 - ao prever "a valorização do trabalho realizado com o cuidado da família e do lar", ou seja com as tarefas domésticas, a norma "na prática não tinha consequências", tendo já a APMJ alertado para a "ineficácia" e falta de aplicação da mesma.

Questionada sobre o motivo que levou a que esta norma da reforma do Código Civil de 2008 não fosse aplicada, Joana Pinto Coelho justificou que se deveu "à formulação da norma jurídica", em que "é difícil" fazer a comprovação dos factos, alegando também dificuldades na "fórmula de cálculo" do montante a atribuir. Admitiu poderem existir outras razões, mas não as quis aprofundar.

"Congratulamo-nos muito com a questão da valorização do trabalho doméstico no que respeita ao cuidado e educação com os filhos e com a não consideração do trabalho doméstico como uma obrigação natural das mulheres", realçou a dirigente da APMJ, associação que é presidida pela juíza conselheira Teresa Féria.

Apesar do acórdão do STJ "não criar precedente", nem vincular os tribunais, serve, conforme explicou Joana Pinto Coelho, como "orientação jurisprudencial", sendo que "todas as decisões [judiciais] futuras possam ser confrontadas com esta [do STJ]".

No caso agora analisado pelo STJ, a mulher pedia, no mínimo, 240 mil euros, mas, na primeira instância, o Tribunal de Barcelos considerou que não havia lugar ao pagamento de qualquer quantia pelo trabalho doméstico da mulher.

A mulher recorreu para a Relação de Guimarães, que lhe deu razão, fixando a indemnização em 60.782 euros.

O homem recorreu para o STJ, que confirmou a decisão da Relação.

O STJ sublinha que "o trabalho doméstico, embora continue a ser estranhamente invisível para muitos, tem obviamente um valor económico e traduz-se num enriquecimento enquanto poupança de despesas".

No caso, provou-se que ao longo dos quase 30 anos em que o homem e mulher viveram juntos, foi ela quem tratou e cuidou da casa e preparou as refeições do companheiro.

O STJ diz que é correta a opção de ponderação desta realidade na contabilização das contribuições da mulher na aquisição do património pertencente ao companheiro.

Para o STJ, é igualmente contabilizável o trabalho despendido na educação e no acompanhamento dos filhos, desde que seja realizado exclusiva ou essencialmente por um dos elementos do casal.

Para fixar o valor do trabalho doméstico, o tribunal adotou como critério o salário mínimo nacional, multiplicado por 12 meses, durante os anos de vivência em comum.

Ao total, retirou um terço, considerando a necessidade de afetação de parte desse valor às despesas da mulher.

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