Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
12º
MIN 12º MÁX 17º

"Não queremos ser um movimento feminista anti-homens, porque não somos"

Surgiu através de um simples pedido nas redes sociais. Depois de mais de três mil emails com relatos chocantes de assédio e violência sexual, seis amigos juntaram-se e o Movimento Não é Normal (#nãoénormal) parece ter vindo para ficar.

"Não queremos ser um movimento feminista anti-homens, porque não somos"
Notícias ao Minuto

08:55 - 06/09/19 por Sara Gouveia

País Igualdade de género

Foi em março deste ano que o humorista Diogo Faro recorreu ao Instagram para pedir ajuda às seguidoras para fazer um vídeo. Pedia a mulheres que tivessem sido vítimas de assédio para lhe mandarem uma mensagem a dizer 'eu', dizendo que depois explicaria melhor do que se tratava. Quatro dias depois tinha recebido mais de três mil mensagens e emails. Ao deparar-se com os relatos chocantes e com o número avassalador de respostas, foi contactado por alguns amigos próximos que consideraram que estava na altura de fazer alguma coisa.

Assim nascia o Movimento Não é Normal (#nãoénormal). Cinco meses depois já conta com mais de 25 mil seguidores no Instagram e mais de 1.500 no Facebook e os seus elementos já foram convidados a dar palestras em várias escolas e universidades do país de forma a consciencializar as gerações mais jovens para a luta contra o machismo enraizado e a violência de género.

O movimento é composto por seis pessoas, três mulheres e três homens, entre elas Margarida Candelária e Gonçalo Lopes, que juntamente com Diogo Faro estiveram à conversa com o Notícias ao Minuto. Falaram sobre o caminho que tem sido feito até este momento, acerca da forma como tentam abordar o assunto do machismo e da violência de género junto das audiências mais jovens e, porque "não é normal não querer ouvir, não querer saber, ignorar ou compactuar", discorreram ainda sobre os projetos futuros para espalharem a mensagem.

Como é que surge este movimento?

Diogo Faro: Ia fazer um vídeo sobre machismo e sobre como o machismo ‘pequenino’ do dia a dia está na base das coisas mais graves que como a violência doméstica, violações, homicídios. Queria fazer um vídeo em tom irónico que dissesse coisas como: Não tem mal nenhum apalpar mulheres na rua ou mandar piropos ou que ‘ainda’ só morreram 12 mulheres vítimas de violência doméstica, na altura estávamos em abril. Nessa altura quis ter histórias reais de várias mulheres e fiz um InstaStorie a pedir a mulheres que tivessem passado por situações dessas que me enviassem um email a dizer ‘eu’, que eu depois explicaria o projeto. Estava à espera de receber 30 ou 40 emails e recebi perto de três mil.

Quando comecei a partilhar algumas das histórias que ia recebendo, tanto a Margarida como a Ana Esteves, me ligaram logo a dizer que aquilo tinha extravasado totalmente e que era preciso fazer alguma coisa, a sério. Combinámos, fomos beber uma imperial a um sítio onde costumamos ir, mas desta vez com um propósito diferente.

Margarida Candelária: Quando liguei ao Diogo não sabia que mais alguém ia ligar. No meu caso liguei porque tenho uma agência de brand storytelling, ou seja, temos designers e estamos perfeitamente confortáveis para desenvolver estratégias de comunicação, então pareceu-me muito óbvio a forma como além do meu envolvimento pessoal poderia contribuir para fazer esta causa chegar a mais pessoas. Mas a verdade é que foi muito orgânico. Um grupo com valências e competências que se complementavam e que eram essenciais para fazer nascer este movimento. Reunimos e decidimos logo que o nosso propósito iria ser incidir naquilo que achávamos que tínhamos capacidade para atuar e não ir para situações mais graves, não podemos passar por cima de uma APAV ou do sistema judicial.

A ideia era atuar sobre os pequenos atos machistas e desconstruí-los para que as pessoas percebessem. Não estamos a falar nem com criminosos nem com machistas de alto nível, mas sim com pessoas da nossa idade e de gerações abaixo de nós, que nem se apercebem que têm esse tipo de comportamentos e o quão isso está enraizado na nossa sociedade.

Se fosse uma mulher eram outra vezes as 'histéricas' das mulheres, 'lá estão elas a queixar-se, são umas exageradas', por ter sido um homem e com alguma visibilidade já foi do género: "Se é um gajo e está a falar nisto é porque é mesmo grave"Tentarem tornar a igualdade de género uma coisa ‘cool’ também foi uma das formas que encontraram para chegar às novas gerações?

Diogo: Sim, começando logo por desconstruir o papão do feminismo e tentar explicar que não se trata de mulheres a mandar no mundo, mas sim de igualdade de género. Há normalmente uma perceção errada.

Margarida: Uma coisa que nós sentimos quando fizemos esta avaliação ao início é que efetivamente - e tendo a gravidade de algumas situações - as comunicações que existiam à volta deste tema eram sempre muito institucionais. Por isso havia espaço para tornarmos a abordagem muito mais próxima e numa linguagem muito mais jovem e de repente havia um grande núcleo de pessoas que se revia no nosso discurso. 

Tudo começa com um apelo no Instagram feito por ti, Diogo, recebeste mais de 3.000 mil histórias na tua caixa de email. O que achas que fez tanta gente partilhar as suas experiências?

Diogo: Por ser um homem…

Mas não deveria ser mais difícil por ser um homem?

Não, é exatamente o contrário. É um claro sinal de que a sociedade é machista, porque teve de ser um homem. Se fosse uma mulher eram outra vezes as ‘histéricas’ das mulheres, ‘lá estão elas a queixar-se, são umas exageradas’, por ter sido um homem e com alguma visibilidade já foi do género: “Se é um gajo e está a falar nisto é porque é mesmo grave”.

Havia histórias muito íntimas…

Sim e foi como uma bola de neve. À medida que partilhava as histórias, as pessoas sentiam que era um espaço seguro, que afinal não eram as únicas. Muitas mandavam emails a pedir para não partilhar nada, que só queriam mesmo contar a história porque nunca tinham contado a ninguém. Havia coisas horríveis como terem sido violadas e nunca terem contado a ninguém por causa da culpa, de ouvirem coisas da parte de chefes no trabalho, de terem sido apalpadas em transportes... Apesar de ser um desconhecido, sentiram um sentimento de pertença e que alguém que estava a ouvir.

Espero que se fale cada vez mais e que tenha sido o princípio para agora sempre que acontecer que seja denunciado, que se falem dos casos, que contem as histórias. Não quer dizer que não pudesse ser uma mulher, mas ainda por cima neste caso foi um homem, comediante, é um espetro diferente. Não foi só um homem que está a fazer este tipo de coisas.

Margarida: E as pessoas também já vão conhecendo o posicionamento do Diogo sobre determinadas matérias e os ideais que defende. Não iam estar a 'despejar' histórias sem contexto.

Notícias ao MinutoDiogo Faro© Divulgação/ Movimento Não é Normal

O movimento é composto por seis pessoas, vocês três, a Madalena Belo, a Ana Esteves e o Luís Figueiredo, como é que se juntaram para este fim?

Diogo: Para já porque eu sou incrível e tenho amigos espetaculares (risos). Mas de facto tenho amigos espetaculares com uma grande consciência cívica e que me ligaram logo. 

O Luís Figueiredo foi coincidência, tinha uma reunião com ele antes, porque é guionista e estávamos a pensar noutro projeto. Mas acabámos por nos encontrar todos no mesmo sítio, ele defende exatamente os mesmos valores que nós, então ofereceu-se para se juntar a nós. O Gonçalo terá sido um dia depois também...

Não queremos ser um movimento feminista anti-homens, porque não somos. O grupo tem três homens e três mulheres e é um grupo que apela à justiça e à igualdadeO Gonçalo foi o último a juntar-se e ficou algo chateado por isso, certo? [risos]

Gonçalo Lopes: Claro, então vão fazer uma coisa destas e não me convidam? Como é que é possível!

Margarida: Este grupo que se criou não se juntou porque o Diogo se apercebeu das diferentes valências de cada um, nem foi ele que nos ligou. Fomos nós proativamente que ligamos, que falamos e que oferecemos as nossas ferramentas. Mas depois, curiosamente, até foi no aniversário da minha filha que ao falar com o Gonçalo reconheci que faria todo o sentido que se juntasse a nós.

Gonçalo: Sem querer acabou por se juntar um conjunto de pessoas que tem tudo para fazer isto andar para a frente e para fazer o movimento avançar para como está hoje em dia. Sou assessor de imprensa, mais na área da música, sendo que dessa forma consigo por isto mais dentro das redações. Mas acho que isso não é a minha única valência. Todos damos outros contributos ao movimento para além daqueles que são os contributos mais profissionais, mais técnicos. Sendo o último a entrar, era também aquele que se identificava menos ou que tinha menos consciência de que isto era um problema. Acabou por ser engraçado porque quando comecei a ir às primeiras reuniões achava que em algumas coisas parecia que estavam a exagerar um pouco e isso era revelador de que ainda estava, e acho que ainda estou, um bocadinho atrás na tomada de consciência dos problemas.

Margarida: Não só é engraçado como é super importante, porque um dos nossos objetivos é que seja um movimento inclusivo. Não queremos ser um movimento feminista anti-homens, porque não somos. O grupo tem três homens e três mulheres e é um grupo que apela à justiça e à igualdade. Esta visão do Gonçalo é super importante para nos ajudar a moldar o discurso para que não seja exagerado.

Nunca nos cruzamos com uma mulher ou rapariga que não tivesse um episódio para contar e isso para mim, quando começo a racionalizar, é chocante

Como é que tem sido a resposta?

Diogo: O feedback tem sido ótimo. Mas isto também não é algo para mandarmos o fogo de artifício todo nos primeiros meses e depois morrer. É algo que planeamos continuar a desenvolver nos próximos anos. Recebemos muitas mensagens, de muitas mulheres, mas também de muitos homens que ganharam consciência com a partilha das histórias. Recebi emails, já depois daquela grande convulsão de mensagens, de mulheres que se tinham apercebido que afinal tinham passado por coisas que não eram normais e que só depois de lerem as outras histórias é que se tinham posto a pensar nisso.

Margarida: E a aceitação também foi muito imediata porque sem corrermos atrás disso recebemos logo muitos pedidos de escolas e faculdades, para que fôssemos lá falar com os alunos, o que foi espetacular, porque era exatamente o que queríamos: falar com esse tipo de audiência. 

Temos tido um modelo engraçado porque não só falamos nós, como há também uma partilha de histórias do outro lado, em que fazemos uma desconstrução em conjunto de situações que aconteceram, onde há pessoas que se apercebem que se calhar já passaram por situações menos boas e rapazes a repararem que afinal é verdade e que as coisas acontecem mesmo, que as amigas passam por isso, que é uma coisa que mexe com elas. Por isso está a correr bem.

Chegaram a receber feedback negativo?

Diogo: Houve reações claro. A questionar o facto de ser um homem, mas sem grande margem. Houve espaço para explicar, mas se as pessoas quiserem ser atrasadas mentais não dá para explicar, às vezes.

Margarida: Como em todo o lado há sempre quem não goste do tom, ou ache que é exagerado, ou ache que não devia ser o Diogo, mas do meu feeling e da conversa que vamos tendo, acho que a aceitação tem sido mais positiva do que negativa.

Ninguém tem de passar a ser feminista do nada, mas no mínimo perceber que é um problema grave, não é um problema das mulheres, é um problema da sociedadeO movimento foi criado em março deste ano, quatro meses depois o que é que mais vos chocou no percurso que têm feito?

Margarida: Para mim não foi um choque porque eu de alguma maneira já sentia, mas um exemplo é que em todas as faculdades onde vamos há sempre histórias. Todas as mulheres que estão na audiência têm uma história para contar, mais grave ou menos grave, mas todas têm uma. Nunca nos cruzamos com uma mulher ou rapariga que não tivesse um episódio para contar e isso para mim, quando começo a racionalizar, é chocante. Não é que não estivesse a antever, porque também passei por algumas delas, menos graves, felizmente. Mas sempre que abrimos espaço para o diálogo há sempre episódios e uns com maior gravidade e isso chocou-me.

Gonçalo: O que mais me chocou foi a quantidade de histórias, algumas até graves, de pessoas que estão ao meu lado, com quem me dou no dia a dia e que eu não fazia a mínima ideia. Não estou a falar do piropo ou do comentário, estou a falar de histórias mesmo graves, de tentativas de violação, violação ou assédio profissional grave de pessoas que se dão normalmente comigo. Não estava à espera disso. É a tal história do ‘acontece aos outros’, mas não acontece às pessoas que estão ao nosso lado.

Diogo: A mim chocou-me a quantidade de mensagens que recebi, logo para começar e juntamente com isso saber as histórias de pessoas muito muito próximas. Em poucos dias receber quase 3 mil emails, tendo em conta que eu não sou o Cristiano Ronaldo no Instagram, não tenho milhões de seguidores, a percentagem de emails face ao meu número de seguidores é absurda. Mas o mais chocante de sempre, apesar disto tudo, é ainda se desvalorizar tanto a importância da igualdade de género e a falta de empatia das pessoas. Ninguém tem de passar a ser feminista do nada, mas no mínimo perceber que é um problema grave, não é um problema das mulheres, é um problema da sociedade e nem custa assim tanto. Não custa assim tanto mudar comportamentos, porque toda a gente viveria mais confortável.

O Me Too teve muito pouca presença em Portugal. Não acredito que em Portugal não haja casos graves de pessoas famosas. Mas é um país muito pequeno e fazer queixa de um realizador ou de algum diretor de programas podia se calhar acabar com a carreira dessa pessoaNo vosso manifesto apelam à mudança, sobretudo, o que é que ainda é preciso mudar?

Margarida: A educação. Nós crescemos a ouvir quer para o lado dos rapazes, quer para o lado das meninas, uma data de ensinamentos que não são reais. Desde ‘os meninos não choram’ ou ‘se ele te bate é porque gosta de ti’, enfim. São pequenos exemplos que começamos a ouvir desde muito muito novos. Há muito esta cultura de os próprios pais não quererem que os rapazes sejam frágeis e de incentivarem, de alguma forma, esta questão mais máscula, ainda em idade muito jovem. Nós mulheres, por outro lado, crescemos com o ideal de temos de nos saber defender, que não podemos ir sozinhas a determinados sítios, que temos de ter em conta o que vestimos. Isso são tudo ideias que ao longo da vida vão entrando no subconsciente, que vão criando comportamentos que nem nos apercebemos à partida que estão a ser moldados pelo machismo enraizado, mas estão. Ao crescer, quando ganhamos consciência percebemos que o problema não está em nós, eu visto-me como eu quiser e ninguém tem o direito de se meter comigo independentemente da forma como estou vestida. 

Além disso, é preciso conquistar também os pais para que esse trabalho seja feito em casa. Nós queremos acreditar que a nossa geração, enquanto pais, já vai ensinar as coisas de uma forma diferente e que é uma questão de uma evolução que é feita ao longo dos anos. 

View this post on Instagram

Manifesto #NãoéNormal

A post shared by NÃO É NORMAL (@movimentonaoenormal) on Mar 21, 2019 at 12:53pm PDT

Foi por isso que decidiram levar este projeto e fazer apresentações em escolas e faculdades? Como é que tem sido essa experiência?

Margarida: A educação, seja para que mudança de comportamento for, é a base para se conseguir, de uma forma mais estruturada e mais duradoura, é o melhor que existe, é a melhor ferramenta. Além disso, acredito que toda a gente consegue mudar e ver as coisas de outra forma, as gerações mais jovens que já estão sensíveis para outro tipo de assuntos, têm melhor aceitação nestas conversas, neste tipo de diálogo. A minha geração enquanto mulher já teve um percurso mais facilitado do que a geração das nossas mães e avós e quero ter um papel ativo para que as gerações futuras, a da minha filha inclusive, sejam muito mais saudáveis e justas no que diz respeito à igualdade de género.

Apesar de já não termos a idade das pessoas que andam na faculdade ainda consideramos estar próximos o suficiente para conseguir ir com uma postura não de ensino, mas de explicação, para podermos assumir que também já fizemos asneiras, que também só nos apercebemos de algumas das coisas mais tarde e de hoje em dia já não atuarmos da mesma forma. Como nos pomos nesse papel de desconstrução das nossas atitudes as pessoas não têm pudor de partilhar as suas experiências também.

Notícias ao Minuto Margarida Candelária © Divulgação/ Movimento Não é Normal

Os movimentos Me Too ou Time’s Up inspiraram-vos para criar este movimento?

Diogo: Acho que o Me Too teve muito pouca presença em Portugal. Não acredito que em Portugal não haja casos graves de pessoas famosas, se há tantos em pessoas que não são conhecidas, não acredito que uma data de atrizes não tenha passado por isso. Mas é um país muito pequeno e fazer queixa de um realizador ou de algum diretor de programas podia se calhar acabar com a carreira dessa pessoa.

Margarida: Há muitas vezes que nós mulheres sentimos que não temos ninguém do nosso lado e o Diogo recebeu inclusivamente muitas partilhas desse género. Quando acontece uma situação dessas e reportamos à polícia muitas vezes são desvalorizadas ou questionam como é que a mulher estava vestida ou porque é que estava naquele local. Aquela situação que aconteceu na queima das fitas no Porto [de um vídeo que foi difundido nas redes sociais onde é possível ver um grupo de estudantes numa situação de abuso sexual de uma colega que estaria alcoolizada] obteve reações como: “Ela estava bêbeda, estava à espera do quê?”. O próprio buzz que existe à volta destas situações leva a que quando acontece alguma coisa connosco nós pensemos duas ou três vezes se realmente vamos para a frente para fazer queixa ou não. Obviamente consoante a gravidade da situação devia sempre fazer-se queixa, mas acho que há sempre a ideia de ‘eu contra ele’, de ‘quem é que eu sou versus este nome famoso que toda a gente adora e idolatra?’. Há sempre o medo de comprar uma batalha que já se sabe à partida que não se vai ganhar.

Que diferenças notaram das escolas secundárias para as faculdades quando tentam passar a mensagem?

Gonçalo: A diferença passa muito pela interação, em ambos os casos sentimos que nos ouviram e que a mensagem passou, de alguma forma. Mas na minha experiência, nas escolas secundárias foi muito mais receber informação e nas faculdades não, houve mais interação, partilha de histórias, perguntas sobre como fazer as coisas, como agir, porque se nota que há uma consciência diferente. Nota-se que nas escolas a semente fica lá para depois pensarem mais no assunto, nas faculdades já senti mais interesse.

Sentem que as gerações mais jovens estão mais conscientes da luta que é preciso continuar a ter contra o machismo e a violência de género?

Margarida: É uma pergunta interessante. Acho que sim, que as pessoas estão mais atentas à questão da justiça, dos direitos. A geração dos nossos pais educou-nos de uma forma que os nossos avós não educaram os nossos pais, já há uma maior liberdade, inclusivamente sobre nós, sobre o nosso corpo, na forma de vestir. Por outro lado, as redes sociais, que são uma ferramenta espetacular, vieram diminuir a privacidade de muitos destes grupos mais jovens. Que entre si partilham passwords, que têm acesso a tudo uns dos outros e que depois podem gerar situações de violência no namoro, de controlo, que não são nada saudáveis, mas posso estar aqui a cometer algum gap geracional. Mas realmente há aqui uma exposição da privacidade entre eles próprios. Não estamos a falar de partilha de fotografias, estamos a falar de passwords, de partilha de mensagens e que podem gerar situações de perigo. Isto está a acontecer neste momento entre casais mais jovens. Se por um lado estão mais atentos, por outro lado têm outras ferramentas que os impedem de ter um controlo total da sua privacidade.

Também há vários casos reportados de homens que sofreram de abusos, de assédio, de violência. Porquê o enfoque no universo feminino?

Diogo: Nós, de vez em quando, também referimos isso, mas temos de ver que 90% dos casos e das vítimas são mulheres, não são homens. Claro que qualquer vítima é uma vítima, não estamos a menosprezar. Aliás a nossa luta é a pela igualdade de género, que as pessoas se tratem bem umas às outras.

Gonçalo: Nós não escolhemos uma luta pelas mulheres, aquilo que acontece é que de facto o foco acaba por ser mais nas mulheres, porque os casos incidem mais nas mulheres.

Diogo: Não é só essa hipótese, pode ser uma hipótese de um casal de duas mulheres ou de dois homens, também.

Gonçalo: Exatamente. A questão é que estatisticamente e culturalmente a coisa está mais focada nesses casos. Não foi uma escolha.

Há tanto mal nas redes sociais como o bem de podermos espalhar a mensagem de que determinadas coisas não são normaisJá morreram quase 20 mulheres por violência doméstica este ano. Esperam que o vosso movimento possa ajudar de alguma forma a reduzir este número?

Diogo: Isso é extremamente ambicioso. Não, sinceramente, não. 

Margarida: Também acho que não.

Diogo: Acho que vamos ter impacto se continuarmos assim daqui a 20 anos, não será para o próximo ano. Será quando os miúdos com quem conversamos nas escolas agora - e muito esperançosamente - quando estiverem a namorar e forem casar-se não sejam atrasados mentais e não batam nas mulheres.

Margarida: Quando falamos de atos machistas enraizados na sociedade, não falamos de criminosos. São situações diferentes, embora uma resulte de uma sociedade patriarcal onde vivemos. Mas honestamente não acho que tenhamos um impacto direto nesse número, infelizmente. O nosso papel aqui incide muito mais em colocar as pessoas atentas a fazer este papel quase introspetivo de: ‘eu não me permito a que alguém esteja a determinar os meus comportamentos ou a forma como me visto’, é mais esta semente que queremos deixar. Inclusivamente para os rapazes ficarem a pensar que não deveriam ter falado de certa forma, ou empurrar, ou outro tipo de comportamento incorreto.

Não são todos os rapazes que cometem pequenos atos machistas que vão bater nas mulheres em adultos ou que vão cometer homicídios. Estamos a falar de coisas diferentes, embora seja super importante aquilo que estamos a fazer para o primeiro nível.

Notícias ao MinutoGonçalo Lopes© Divulgação/ Movimento Não é Normal

Qual é o papel das redes sociais na veiculação do machismo?

Diogo: O machismo já lá estava…

Gonçalo: É o mesmo machismo, mas agora está mais aos nossos olhos, é mais visível.

Diogo: Há tanto mal nas redes sociais como o bem de podermos espalhar a mensagem de que determinadas coisas não são normais.

Margarida: Antigamente havia determinadas situações que aconteciam dentro de quatro paredes ou dentro de um escritório e que eram mais relativizadas, mas que hoje não são tanto porque estão aos olhos de toda a gente a dimensão do machismo, seja pelo comentários a notícias, nas redes sociais, já não se conseguem esconder e como não se conseguem esconder o feminismo também ganha uma nova força.

De que forma foi importante a parceria que fizeram com a Secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade?

Diogo: É sempre um carimbo importante de uma certa validação e permite-nos chegar mais facilmente a várias entidades, escolas… É uma relação ainda curta, mas acima de tudo é reconhecimento de que estamos a fazer uma coisa decente para a sociedade e com apoio estatal, mas que é só uma relação quase de consultoria.

Gonçalo: Dentro desta relação fomos convidados pela Secretaria de Estado para fazer um vídeo para ser apresentado aos alunos do 5.º ao 9.º ano, agora em setembro, no regresso às aulas, para explicar a igualdade de género e passar alguns dados.

Margarida: Essencialmente vai focar-se muito na violência no namoro. 58% dos jovens portugueses já sofreram de alguma forma de violência no namoro, que não tem de ser física. O que trazemos é uma linguagem mais de proximidade, mas informal, menos institucional e menos pesada sobre um tema tão relevante e tão sério. Nesse sentido há aqui um novo caminho para vincular uma mensagem de uma forma que se calhar antigamente não existia. Quando se falava destes temas era de facto de uma forma muito pesada.

Diogo: Vai ser ainda mais informal do que o que fizemos para o movimento, mas mais em tom de conversa.

Têm mais iniciativas na calha para continuar a chamar a atenção para esta luta e para dar mais voz ao movimento?

Gonçalo: Com o regresso às aulas, estamos a preparar uma mini-tour. Estamos a tentar estruturar-nos para entre nós seis, com algumas colaborações como um psicólogo, alguém que esteja connosco e acrescente mais alguma coisa, para fazer uma tour um bocadinho mais forte, porque também com a quantidade de pedidos que temos temos de nos organizar para tentar chegar a todo o lado.

E temos algumas ideias, nomeadamente para o outono, quando a malta voltar de férias de fazer uma campanha na ‘noite’, que são sítios onde várias situações de abusos ocorrem. Pretende ser em bares, discotecas e festas, mas ainda está a ser organizada.

Vamos estar também na Comic Con em setembro. Fomos convidados para fazer uma palestra, que vai ser diferente das que costumamos dar nas escolas, porque o público também é diferente. Queremos que a coisa seja mais interativa e mais focada no tipo de audiência que vai por lá passar.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório