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Museóloga defende que restituição deve ser "bem avaliada"

A museóloga Natália Correia Guedes defende que qualquer devolução de bens culturais aos países de origem deve ser sempre avaliada por especialistas, mas "há peças que nunca deveriam sair", pelo seu valor como património histórico.

Museóloga defende que restituição deve ser "bem avaliada"
Notícias ao Minuto

08:47 - 15/12/18 por Lusa

País Casos

Em declarações à agência Lusa, a atual presidente da Academia Nacional de Belas Artes considera que a questão da restituição de património, "só deve colocar-se nos casos em que houve ilegalidade" na aquisição das peças.

O tema suscitou o debate internacional desde que o Presidente francês, Emmnuel Macron, decidiu encetar esse processo às ex-colónias, começando por devolver um conjunto de peças ao Benim, e esta semana, a questão foi levantada em Portugal, depois das declarações da ministra da Cultura de Angola, Carolina Cerqueira, ao jornal Expresso.

A ministra angolana admitiu que tenciona dar início a "consultas multilaterais" para "regularizar a questão da propriedade e da posse", da "exploração dos bens culturais angolanos no estrangeiro".

Para Natália Correia Guedes, figura destacada da área da museologia em Portugal, "é saudável" discutir esta questão.

"Tem toda a vantagem em ser debatida, e não é um assunto recente, já tem décadas. É falada pelo menos desde os anos 1980", recordou à Lusa, da altura em que foi presidente do ICOM-Portugal (Conselho Internacional dos Museus).

Na opinião da museóloga, "a haver pedidos de devolução, devem ser avaliados caso a caso, por especialistas abalizados, e em peças comprovadamente de proveniência ilegal", situações que estão contempladas na Convenção da UNESCO, e em diretivas europeias para a restituição de bens ilegitimamente transacionados.

No entanto, considera que determinados objetos que fazem parte do património cultural de um país "nunca deveriam ser devolvidos": "Por exemplo, houve uma altura em que surgiu a ideia de devolver a Carta de Pedro Vaz de Caminha ao Brasil. Isso é impensável. Foi ultrapassado, e não se devolveu".

"Cada país tem o seu património próprio, que está diretamente relacionado com o seu sentido de nação e de cultura", sustentou a museóloga, sobre obras que fazem parte de uma "História partilhada da Humanidade".

Nos últimos 40 anos, Natália Correia Guedes desempenhou vários cargos no setor dos museus, nomeadamente como fundadora e diretora do Museu Nacional do Traje, presidente do antigo Instituto Português do Património Cultural, diretora do Museu Nacional dos Coches, diretora do Museu do Oriente, e coordenadora do projeto "Inventário do Património Cultural".

Sobre o debate da restituição de património às ex-colónias, considera-o "saudável", e recorda que assistiu a várias reuniões "amigáveis" com diversos países sobre esta matéria, quando foi presidente do ICOM-Portugal.

Quando às declarações recentes da ministra angolana Carolina Cerqueira, considera que "talvez se expliquem pelo facto de Angola ter entrado recentemente no ICOM", organismo internacional que defende e divulga a museologia e as boas práticas no setor.

Sobre a vasta coleção que existe no Museu Nacional de Etnologia, em Lisboa, acredita que terá vindo para Portugal de forma totalmente legal: "Conheci bem os seus fundadores, como o professor Jorge Dias ou Ernesto Veiga de Oliveira, e sempre ouvi afirmarem que as expedições que tinham feito cumpriam os preceitos legais, e os conteúdos eram muito bem examinados, as suas proveniências, sendo eles antropólogos da maior qualidade, até do ponto de vista internacional".

Os diretores do Museu Nacional de Etnologia "nunca iriam arriscar trazer peças ilicitamente", sustenta a museóloga nas declarações à Lusa.

Criado em 1965, o museu é detentor do património etnográfico de maior relevância a nível nacional, sendo responsável pela salvaguarda e gestão de milhares de peças representativas de 80 países dos cinco continentes, com maior expressão das culturas africanas, asiáticas e ameríndias, assim como da própria cultura tradicional portuguesa.

Sobre a possibilidade de Angola vir a pedir a devolução de peças a Portugal, mesmo de proveniência lícita, Natália Correia Guedes disse: "Qualquer Estado pode fazer as ações que entende, e depois o outro Estado responderá".

"O Estado angolano pode pedir ao Estado português para ajudar a procurar coleções ilicitamente saídas, e Portugal deve ajudar a procurar, mas justamente nos casos ilícitos. Não tem nada a ver com coleções estatais", comentou.

Considera que estes esclarecimentos podem servir para "pacificar os povos": "Se os angolanos suspeitam que determinado colecionador trouxe ilicitamente peças de Angola, então o Estado Português deve ajudar a fazer essa devolução".

"Mas tem de se ver esta situação nos dois sentidos. Seria bom para nós ter o que D. João VI deixou no Brasil, por exemplo. Muitas peças que se encontram em museus, resultam de contextos históricos e ninguém vai pedir a sua devolução, pelo menos na minha geração nunca se fez", disse a museóloga, que também é presidente da Junta da Fundação da Casa de Bragança.

Recordou que, em Angola, ficaram muitas obras em pintura e escultura de artistas portugueses que se encontram em museus, "mas toda essa movimentação foi lícita".

A especialista recorda ainda que, durante o tempo em que presidiu ao ICOM-Portugal, se realizaram cinco encontros de países de língua oficial portuguesa, "e nunca foram conflituosos".

"Antes pelo contrário, chegámos sempre à conclusão que tínhamos de estudar mais aprofundadamente as coleções. Somos irmãos e pertencemos à mesma família, portanto muitas peças estão colocadas em determinado país, mas falam todas a cultura portuguesa", opinou.

A existir qualquer tipo de devolução - que a museóloga prefere chamar "movimentação" - considera que também tem de ser feita "com condições de segurança garantidas", pelos riscos de afetar a conservação das peças ou até o seu eventual roubo.

Natália Correia Guedes defende "um diálogo profundo com as partes envolvidas, para que de parte a parte se compreendam e colaborem para proveito de todos, sem situações agressivas e que exijam tribunais".

Contactado o gabinete da ministra da Cultura, Graça Fonseca, sobre as declarações da homóloga angolana, foi dito à Lusa que não haveria comentários, mas foi avançado igualmente que, sobre este assunto, a Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) "não recebeu qualquer pedido no sentido de eventuais restituições".

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