Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
12º
MIN 12º MÁX 17º

"Nunca pensei ser artista. Conceito era trabalhar para ganhar dinheiro"

Tiago Bettencourt subirá ao palco do Coliseu de Lisboa já esta quinta-feira, dia 6 de dezembro. Na bagagem leva um repertório não só com as músicas do seu mais recente álbum, 'A Procura', mas também as de sempre e que já fazem parte da memória coletiva.

"Nunca pensei ser artista. Conceito era trabalhar para ganhar dinheiro"
Notícias ao Minuto

15:00 - 06/12/18 por Filipa Matias Pereira

Cultura Tiago Bettencourt

Foi há cerca de um ano que ouvimos pela primeira vez os acordes das músicas que Tiago Bettencourt editou no álbum ‘A Procura’. Esta quinta-feira, o músico subirá ao palco do Coliseu de Lisboa com as músicas do seu mais recente disco, mas também com as canções que os fãs não dispensam. Um reportório pensado ao pormenor naquele que será um concerto único, onde a música ‘caminhará de mãos dadas’ com uma essência intimista.

Tiago Bettencourt não vai estar a cantar em frente a uma plateia, em vez disso, estará rodeado por ela. Num concerto 360º, o músico sentirá bem de perto o carinho de um público que tem acompanhado o seu percurso na música.

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, confessa que as aulas de piano, na infância, eram “um sacrifício”, mas hoje conhece-o como ninguém. Seja a dedicar a guitarra, seja sentado ao piano, acompanhado pela melodia dos violinos, Tiago Bettencourt tem sido fiel ao registo que o caracteriza, pese embora assuma que um artista está naturalmente em evolução. E é essa evolução que se espelha também nos seus álbuns.

É já esta quinta-feira que subirá ao palco do Coliseu de Lisboa para um concerto em nome próprio. Mas este é um concerto diferente. Porquê?

Sim, este vai ser um concerto bastante diferente, desde logo pelo cenário. Podemos dizer que será um ‘upgrade’ daquilo que temos usado. Já em relação ao repertório, vamos tocar músicas antigas e novas. Há canções que temos sempre de tocar. Mas tive a preocupação de preparar um repertório que fosse diferente do anterior concerto que dei no Coliseu. Este vai ser um bocadinho mais intimista.

Tratando-se de um concerto mais intimista, alguma das músicas que irá tocar precisou de um arranjo especial?

Sim, mas raramente ensaiamos. A verdade é que quando voltamos à sala de concerto há sempre ideias para rearranjar algumas músicas. Vamos ter arranjos novos que experimentámos este fim de semana num concerto na Lourinhã. E uns ficam, outros não. [Risos]

O Coliseu é sempre uma sala icónica. É sempre um marco da carreira. É sinal que as coisas ainda estão a correr bemEsta será a terceira vez que pisará o palco do Coliseu de Lisboa em nome próprio. É bom estar de volta?

O Coliseu é sempre uma sala icónica. É sempre um marco da carreira. É sinal que as coisas ainda estão a correr bem. É sempre um concerto especial, sobretudo em Lisboa que é a minha cidade. E vão lá estar muitos amigos, família e pessoas que conheço por isso vou estar mais nervoso do que o normal.

Acho inclusive que este é um concerto para pessoas que nos querem ouvir. Muitas vezes, quando damos concertos no verão, naquelas festas gratuitas, temos ali um público que provavelmente é constituído sobretudo por muitos curiosos. Já este é público que nos quer ouvir.

E acho que as pessoas que lá vão esperam ter uma noite bonita e de ouvir as músicas. E nós vamos com intenção de lhes proporcionar isso. Vão juntar-se ali muitas sinergias similares e esse é sempre um momento bonito na carreira do artista.

A Procura’ é o sexto disco da sua carreira. Como o caracteriza?

Em todos os meus álbuns tento mudar um bocadinho, embora tenha a sensação que neste as pessoas notaram mais. Talvez porque a parte eletrónica e do sintetizador, que começou no álbum anterior, seja um pouco mais evidente. O que se nota mais não são as guitarras, mas sim os sintetizadores. Mas os instrumentos de sempre, no fundo, estão lá todos. Se calhar, a mistura e o conceito plástico da coisa é que é um bocadinho diferente. Creio que ao longo das músicas esqueci um pouco o conceito de canção em termos instrumentais, embora seja uma coisa que nos dá prazer tocar ao vivo. Fui para um lado mais experimental, sem exagerar.

Notícias ao MinutoTiago Bettencourt atua esta quinta-feira no Coliseu de Lisboa © Tiago Bettencourt

Considera que este álbum espelha a sua evolução enquanto artista?

Acho que sim. É um disco que não existia sem todos os outros. Mas acredito que todos espelham evolução. De repente há um eletrónico como se nota na ‘Morena’, e várias outras músicas, com solos de sintetizadores. Foi uma evolução que veio desde o início da minha carreira, não acho que seja apenas este álbum que subitamente mostra essa evolução. Quem conhece o meu trabalho vai notando que a coisa vai sempre mudando um bocadinho. Fico muito nervoso quanto estou muito tempo a fazer a mesma coisa. Preciso sempre de alguma mudança.

Podemos então definir o Tiago como tendo um estilo próprio, mas que se vai adaptando em função da descoberta constante da música?

Mantenho-me fiel porque não tenho outro remédio. Sou eu, não sei fazer a coisa de outra maneira. [Risos]

É como se dissesse a mim próprio: Vamos lá parar a vida toda e escrever aqui uma cançãoE quanto ao processo criativo? É mais fácil criar agora do que no início?

É possível que seja mais difícil agora porque já usei tanta coisa, tantas palavras, que sou mais seletivo. Espero mais o momento em que as palavras vêm ter comigo. No início andava sempre com um caderninho, e ia escrevendo o que me parecia de novo. Agora espero que alguma coisa me apareça durante o dia. E quando isso acontece, sento-me e escrevo uma canção. Espero por uma espécie de chamamento que não sei muito bem quando é que vem. Às vezes acordo com uma frase na cabeça e penso, vou escrever sobre isto, pode dar uma canção ou não, pode dar só duas linhas, ou um texto. Ou de repente, quando acontece qualquer coisa que me toca muito, posso escrever sobre isso. Mas para uma canção surgir preciso de me sentar, de me concentrar. É como se dissesse a mim próprio: Vamos lá parar a vida toda e escrever aqui uma canção. Dantes tinha a sensação que tinha mais tempo livre para escrever.

O facto de esse processo não ser tão imediato dever-se-á ao facto de ser também mais exigente?

É possível que desista de algumas coisas no princípio porque penso ‘isto não vale nada’. E então deito fora. Acho que deito mais coisas fora agora do que antes.

Há artistas que querem fazer música com armas que existem para vender e outros que tentam procurar um caminho novo

Disse recentemente que “o lado comercial da música está a ficar cada vez mais agressivo”. Não se revê neste lado da música?

Não sou aquele artista alternativo que não quer que se faça música para as pessoas ouvirem. Não tenho o mínimo preconceito com a palavra comercial. Acho que quantas mais pessoas ouvirem a minha música mais feliz estou.

Quando disse isso não me quis parecer que estivesse a dizer algo de novo. Há artistas que seguem fórmulas e outros que não. Há artistas que querem fazer música com armas que existem para vender e outros que tentam procurar um caminho novo na música, tentar levar a música portuguesa para caminhos onde ela ainda não foi, que exijam não só do artista, mas também do público. É desses artistas que gosto, como a Márcia, Capitão Fausto, Cassete Pirata e Joana Espadinha lançou agora um álbum muito giro. O Flak lançou também um álbum muito bonito gravado pelo Benjamim. Enfim, artistas não faltam e quando digo que o mercado está agressivo é porque tem um lado em que as músicas são tão fáceis que as pessoas a certa altura começam a aceitá-las e deixam as outras de lado, que exigem um bocadinho mais de tempo, de atenção e de disponibilidade do ouvinte.

Para além dos artistas que referiu, há mais algum que o inspire ou porventura com quem gostasse de partilhar o palco?

Já estive em palco com quase todos. Mas sim, há ainda a Carminho, o Zambujo que lançou um álbum muito bom e criativo, o Rui Veloso e o Gonzo que convidei para o Coliseu; acho que ele é muito genuíno naquilo que faz.

Faltam mais programas com aquele locutor de rádio que nos mostra: olha, esta música é muito boa; este artista é muito bomComo analisa o mercado da música nacional? Aos artista é dado o devido reconhecimento?

Dá-me ideia que as pessoas estão a ir muito mais a concertos do que alguma vez foram. Quando aconteceu a crise, houve assim um hiato gigante na ida aos concertos e todos os artistas sentiram na agenda. Agora, de repente, há mais concertos, ou se for um ano mais calmo, as salas estão cheias. E sinto mais isso em concertos pagos do que ao ar livre. As pessoas querem ouvir as canções e vão ouvir aquilo que querem. Têm mais noção do que querem ouvir. O problema, por isso, não é da vontade do público ouvir música. E acho que as rádios estão um bocado reféns; faltam mais programas com aquele locutor de rádio que nos mostra: olha, esta música é muito boa; este artista é muito bom.

[Lisboa] já me inspirou, mas tiveram de me pedirHá temas em particular que o inspiram, como a sua cidade?

A vivência em Lisboa acaba por me inspirar, claro. Mas acho que nunca tinha escrito uma canção sobre Lisboa porque sou um grande ouvinte de fado e há muito fado sobre Lisboa. E depois há o Sérgio Godinho, na ‘Lisboa que amanhece’, que é tão difícil de igualar e por isso acabo por me afastar desse tema. Sinto que estou a repetir coisas que já ouvi e que não vou conseguir. Uma vez fiz uma campanha para uma marca de tintas em que a ideia era escrever uma canção sobre Lisboa e depois algures na cidade apareciam versos dessa canção. Ou seja, já cheguei a escrever sobre a cidade. Já me inspirou, mas tiveram de me pedir.

Ser artista é muito arriscadoComo aparece a música na sua vida?

Comecei a ter aulas de piano quando era muito novo. Eram aulas particulares numa cave e a professora era um amor. Mas eu o meu irmão não gostávamos nada das aulas que eram às quintas-feiras à noite; eram um sacrifício. Queríamos era jogar ténis que era o que fazíamos naquela altura.

Depois, aos 15/16 anos, pedi ao meu pai uma guitarra e ele deu-me uma daquelas violas que me permitiu começar a tocar e nunca mais parei. Mas nunca pensei em ser artista. Acho que era uma hipótese que estava fora do baralho porque na minha educação o conceito era trabalhar para ganhar dinheiro. Ser artista é muito arriscado.

Também estive inscrito nas Belas Artes e na Pintura, mas só pela experiência de estar inscrito porque sabia que ia para Arquitetura. No fundo, dentro das artes era a única profissão onde podia sobreviver. Ser músico nunca tinha sido uma hipótese; simplesmente aconteceu. Tinha uma banda a brincar e um dia o baterista mandou uma gravação de algo que tínhamos feito para um concurso. Ganhámos e depois a partir daí não controlei mais nada. A editora disse para gravarmos um disco, assim o fizemos e teve sucesso. Depois aproveitei só. Quer dizer, claro que trabalhei para continuar a acontecer. Mas nunca houve pressa para ter sucesso, ser famoso, para ser o que quer que fosse. Fazia música porque gostava e me fazia bem ao espírito. Era música feita de maneira inocente. 

Se na infância não queria ser artista, via-se a ser tenista? [Risos]

Não. Sofri imenso a jogar ténis. Era um desporto muito solitário, muito exigente psicologicamente e eu era péssimo. Pese embora jogasse bem e tivesse chegado a ser vice-campeão regional, ou uma coisa assim. Cheguei a pensar fazer um ano de profissional, mas rapidamente esqueci essa ideia. [Risos] Primeiro via-me a ser arquiteto, hoje em dia sei que não ia conseguir e percebi isso a meio do curso. É uma profissão muito exigente e se calhar ia acabar por ser outra coisa qualquer.

Conta já com mais de 15 anos de carreira na música. Se tecer uma retrospetiva, consegue eleger um dos seus álbuns que, no fundo, o tenha marcado de forma particular?

São todos filhos, é muito difícil. Embora olhe com muito carinho para o primeiro álbum, ‘O Jardim’, porque foi dos que mais me deu prazer fazer. Gravámos em Montreal com um produtor incrível, o Howard Billarman. Foi um salto gigantesco, nomeadamente porque me permitiu perceber como se gravava um disco. Foi um curso de produção gigantesco e aprendi muito nesse álbum. Os meus horizontes abriram-se de uma maneira que nunca se tinham aberto até então. Foi um processo muito forte, desde logo porque tinha acabado de sair dos Toranja. Aí eu era líder mas era uma coisa assim pouco assumida. De repente era o meu nome e estava a gravar com dois músicos que admirava muito.

Muita gente quer que eu grave um novo disco. É possível que grave algumas cançõesE projetos para 2019?

Muita gente quer que eu grave um novo disco. É possível que grave algumas canções. Mas penso também produzir o disco de uma artista agora no princípio do ano. Gosto muito de produzir outros artistas, por isso se surgir alguma proposta que ache piada ainda vou aceitar. E, claro, continuar a tocar e a dar concertos.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório