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"Orelha Negra é hip hop em que cabem todos os tipos de sonoridade"

O novo álbum dos Orelha Negra é lançado hoje. Dias antes, a banda recebeu o Notícias ao Minuto num dos seus estúdios, em Lisboa, e a conversa incidiu, entre outros assuntos, no processo criativo, nas influências musicais e na identidade da banda.

"Orelha Negra é hip hop em que cabem todos os tipos de sonoridade"
Notícias ao Minuto

11:00 - 15/09/17 por Pedro Bastos Reis

Cultura Música

Banda de culto no hip hop nacional, os Orelha Negra foram, ao longo dos anos, trilhando o seu caminho, procurando ir sempre mais além na sua música, conjugando diversas sonoridades que podem ir do funk ao rock, do soul ao gospel. Cinco anos depois do seu último álbum de originais, a banda constituída por Francisco Rebelo, João Gomes, Fred Ferreira, Dj Cruzfader e Samuel Mira, mais conhecido como Sam the Kid, tem novo disco na bagagem, lançado precisamente hoje.

O novo álbum, à semelhança dos dois anteriores, chama-se, simplesmente, ‘Orelha Negra’. Os 13 temas que o compõem levam-nos numa viagem espiritual, mais psicadélica do que o costume, mas em que a sonoridade típica da banda é inconfundível, como se pode verificar em temas como ‘Nascente’, ‘A Sombra’ ou ‘Parte de Mim’.

No entanto, o disco teve um 'parto' algo difícil, reflexo, talvez, de uma inquietação constante de criação e aperfeiçoamento. O lançamento teve data prevista para 2016, e chegou mesmo a ser tocado na sua totalidade ao vivo, no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, logo no início desse ano. O concerto, aliás, esgotou, o que revela o culto criado à volta do quinteto.

Para Francisco Rebelo, baixista, a demora no lançamento deveu-se à necessidade que a banda sentiu em fazer uma pequena pausa, fruto da intensidade que esteve subjacente ao segundo álbum e a inúmeros concertos ao longo destes últimos anos. “O segundo álbum foi intenso. Sentimos que tínhamos chegado a um ponto em que era preciso parar um bocadinho. Depois, fechámo-nos no estúdio, em regime Big Brother, mas sem câmaras”, conta.

Já Sam The Kid remete a justificação do adiamento mais para essa inquietação criativa, o sentimento de que há sempre algo novo a acrescentar. “Somos assim, enquanto o disco não estiver mesmo fechado, até ao último dia, estamos a acrescentar, a alterar ou tirar alguma coisa. 'Work in progress' até ao último minuto”. Mas, olhando agora para o álbum, o rapper sente que não há necessidade de qualquer alteração. “Depois de estar fechado, já não sinto [que fosse alterar algo no álbum]. Fechou e estou completamente satisfeito”, reitera.

Para chegar ao resultado final, as experiências realizadas no CCB foram fundamentais para definir a estrutura daquilo que viria a ser o terceiro álbum dos Orelha Negra. “O concerto do CCB empurrou para que fôssemos definindo as estruturas. Depois é que as coisas remetem para o lado individual, em que cada um de nós redefine as suas partes e acrescenta algo para complementar as músicas”, explica Francisco Rebelo.

Já a “alma” do disco e a sua estrutura mantiveram-se e as alterações prenderam-se essencialmente com a introdução de novas ferramentas musicais, nomeadamente vozes, instrumentais retocados e ritmos diferentes. Nesse sentido, diz o Dj Cruzfader, adiar o lançamento do disco permitiu que a banda “experimentasse mais coisas, que procurasse mais elementos que se encaixassem melhor nas músicas”.

"O nosso ponto forte é termos tantas influências musicais"

Tendo em conta que, até agora, todos os álbuns dos Orelha Negra são homónimos e que é visível uma identidade muito própria na sua sonoridade, um dos elementos distintivos do quinteto é, precisamente, a capa dos álbuns. Neste novo trabalho, a capa (que pode ver no final desta peça) é sugestiva: uma pessoa que sussurra algo ao ouvido de outra pessoa, ambas imersas numa imagem psicadélica e espacial, com os cinco membros da banda numa estrada, sob um céu estrelado. Esta ideia de estrada, que remete para uma viagem, é precisamente a visão que Francisco Rebelo tem do novo álbum. “Gosto de pensar nos discos como viagens, em que cada uma é diferente para a pessoa que o ouve. Neste disco, é uma viagem mais introspetiva”.

Para essa sonoridade mais introspetiva e progressiva terá contribuído, entre outros fatores, a (forte) presença de sonoridades típicas dos anos de 1960/70, do soul ao rock progressivo. Não é, então, por acaso que o baixista dos Orelha Negra cita os Genesis como uma das suas principais influências, apesar de não ser óbvia no som da banda, longe disso. “Há duas ou três músicas em que incorporei elementos que soam um bocado ‘genesianos’, que fazem parte do universo dos Genesis. Se calhar o ponto de partida vem daí, mas o input que eu quis pôr é do contexto dos Orelha Negra”.

As influências musicais são, portanto, o ponto de partida para o processo criativo, que pode começar com Sam the Kid a levar um sample para a sala de ensaio. A banda, “em formato rock and roll”, começa a tocar, pôr, tirar, experimentar - o processo de construção até chegar a uma estrutura final. Contudo, neste novo trabalho, o processo foi um pouco diferente, com o “grosso do trabalho” a ser feito em estúdio, com gravação conjunta. 

Mas, perante uma panóplia de sonoridades tão distintas, como é que é possível chegar a uma coesão? “A nossa maneira de trabalhar é cada vez mais natural. As influências de cada um estão cada vez mais no subconsciente, e não precisamos de as procurar. Tudo sai naturalmente, em todas as fases de produção do disco”, explica João Gomes, teclista. Essa diversidade na inspiração é, aliás, para Sam the Kid, o fator decisivo naquilo que é a sonoridade dos Orelha Negra: “O nosso ponto forte é termos tantas influências musicais”.

Com o passar dos anos, esta naturalidade é cada vez mais visível no som da banda, que continua no seu processo de amadurecimento, o que faz com que o novo disco seja, apesar da injusta comparação com os trabalhos anteriores da banda, o mais maduro até ao momento. “Sinto que estamos mais próximos uns dos outros. Acho que estamos mais maduros, com certeza, comparando com os outros discos”, realça Dj Cruzfader.

"Estamos sempre a procurar coisas diferentes"

Um dos reflexos deste amadurecimento musical prende-se, essencialmente, com a fluidez do álbum, com a passagem entre faixas a ser completamente natural. Ao longo da viagem, nem sequer é estranho passarmos de ‘Apolo 70’ para ‘A Sombra’, ou de ‘Santa Ela’ para ‘Ready’. Tudo soa natural e a essência de Orelha Negra é precisamente essa, viajar entre sonoridades sem que nos sintamos perdidos na complexidade sonora.

No entanto, que não restem dúvidas, a casa dos Orelha Negra é mesmo o hip hop. Esta é, pelo menos, a visão pessoal partilhada por Sam the Kid. “Orelha Negra é hip hop em que cabem todos os tipos de sonoridades (…) Todas as vertentes da história do hip hop, em termos das suas fontes, são usadas aqui”.

Mas, como é típico de uma banda que não gosta de impor limites à sua criatividade, a procura por novas sonoridades, paradoxalmente ou não encontradas, sobretudo, no passado, faz parte daquilo que são os Orelha Negra, como afirma João Gomes. “Estamos sempre a procurar coisas diferentes e ter noção do que já foi feito. Há uma certa procura de trabalhar de uma forma que ainda não fizemos antes. Isso leva-nos a querer fazer coisas mais complexas, e este é o reflexo”.

Hoje, os Orelha Negra tocam no Festival Iminente, uma “coincidência feliz”, onde já será possível ouvir vários dos novos temas. Contudo, as principais surpresas relativamente à apresentação do disco deverão mesmo ficar reservadas para 2018. Os planos, pelo menos para já, passam por aí. Levar o álbum além fronteiras? “ Se aparecer algum convite nesse sentido, vamos apreciá-lo”. Tocar numa sala maior, quem sabe no Coliseu dos Recreios? “Não quer dizer que não tivéssemos pensado nisso, que não tivéssemos planos cénicos para a coisa. Mas não é o nosso objetivo. Quando acharmos que há condições para o fazer, fazemos”, confidencia Francisco Rebelo.

Notícias ao Minuto

Faixas:

  1. Nascente
  2. Apolo 70
  3. A Sombra
  4. Duas Caras
  5. OST
  6. Claire
  7. Soul2
  8. Skylab
  9. Fenix
  10. Santa Ela
  11. Ready
  12. Última Volta
  13. Parte de mim

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