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"Quis escrever sobre a Severa porque não a sei cantar"

Maria João Lopo de Carvalho acaba de lançar o seu mais recente romance histórico.

"Quis escrever sobre a Severa porque não a sei cantar"
Notícias ao Minuto

08:30 - 01/11/18 por Patrícia Martins Carvalho

Cultura M.J Lopo de Carvalho

Diz o ditado que ‘por trás de um grande homem está sempre uma grande mulher’, mas Maria João Lopo de Carvalho quer mostrar que as mulheres portuguesas não estavam atrás, pelo menos em personalidade e carisma.

Depois de ‘A Marquesa de Alorna’, ‘A Padeira de Aljubarrota’ e ‘Até Que o Amor Me Mate’, a autora brinda-nos com um novo romance histórico que transporta o leitor até à Lisboa boémia do século XIX.

Maria Severa Onofriana, tida como a ‘mãe’ do fado, é a mulher escolhida para ser o centro do seu novo romance e a razão para tal escolha é a mesma que a levou a escrever sobre outras carismáticas mulheres da nossa história: dar-lhes voz.

Como é que descobriu a Severa?

No fado e com o fado.  No início era só a memória de um nome, uma história em pinceladas vagas. Tive vontade de aprofundar. 

E porque é que decidiu escrever sobre ela?

Porque não a sei cantar!... Decidi escrever sobre a Severa para trazer a lume a história de uma mulher de quem pouco se sabe, mas também para satisfazer o meu gosto pessoal pelo fado, pela vida boémia dos nobres e pela Lisboa popular do século XIX. 

Entre investigar e escrever quanto tempo passou com a história da Severa?

O Fado da Severa tomou-me dois anos e meio: um ano e meio a investigar o tema na Biblioteca Nacional - sobretudo nos jornais da época - e mais um ano a escrever o livro.

O escritor é sobretudo aquele que vai conseguindo resolver problemas. A escrita de um romance é um constante fazer e desfazer de nósEncontrou informações suficientes e fidedignas sobre esta mulher?

O que se descobriu sobre a Severa já estava publicado - vários registos dos seus contemporâneos: Luis Palmeirim, Bulhão Pato, Júlio de Sousa e Costa entre muitos outros. Todavia o mais interessante foram as notícias da época encontradas nos jornais e nas revistas que me permitiram ‘pintar’ os bairros da Mouraria, Bairro Alto e Alfama.

Notícias ao MinutoObra chegou este mês às livrarias nacionais e conta a história da 'mãe' do fado© Oficina do Livro

Que dificuldades se encontram quando se pretende escrever um romance histórico?

O escritor é sobretudo aquele que vai conseguindo resolver problemas. A escrita de um romance é um constante fazer e desfazer de nós. Procurar rigor, verosimilhança, personagens fortes – com especial enfoque nas secundárias por quem passa boa parte da trama – e construir um enredo que prenda o leitor. Neste caso, os episódios conhecidos eram muitos e formavam uma espécie de manta de retalhos que foi preciso unir, cimentar e dar um nexo coerente e divertido.

A Severa é a Marguerite Gautier da ‘Dama das Camélias’ de Alexandre Dumas ou a Cinderela do nosso imaginárioO livro chama-se ‘O Fado da Severa’, mas o foco é o romance com o conde de Vimioso e é através dele que se vai conhecendo a Severa. Porquê utilizar uma relação com um homem para contar a história da ‘mãe’ do fado?

O fado, o destino, ‘Lisboa e Tejo e tudo’!  Júlio Dantas no seu romance, na peça de teatro e, mais tarde, Leitão de Barros no primeiro filme sonoro português também ‘puxaram’ os amores de Severa e do conde para o centro da história. A Severa é a Marguerite Gautier da ‘Dama das Camélias’ de Alexandre Dumas ou a Cinderela do nosso imaginário. Nesta história não pretendi explicar as origens do fado -  diversas e contraditórias - mas contar, interpretar, a vida de uma mulher pobre, prostituta, que morre aos 26 anos apaixonada por um nobre, titular, casado e pai de filhos. O que quis aprofundar através deste amor foi mais vasto: a prisão, a liberdade, uma relação nunca consentida, a mistura da aristocracia com as classes populares.

Penso que temos de distinguir entre os bem-vindos piropos e os assédios sexuais

Como era a vida da mulher portuguesa no século XIX?

No mundo da Severa – Lisboa popular e boémia - a mulher tinha de sobreviver e só isso lhe podia importar. Se o fosse batendo e cantando o fado nos momentos de lazer, tanto melhor, faria assim ouvir a sua voz. A vida de uma mulher aristocrata era sobretudo uma vida de privação de liberdade e de voz.

E hoje em dia?

Muito diferente… neste nosso cantinho ocidental.

Considera que ainda há muita discriminação para com as mulheres?

Infelizmente ainda há. Salários diferentes, formas de tratamento diferentes, oportunidades diferentes… muito há a dizer sobre este assunto.

Penso que temos de distinguir entre os bem-vindos piropos e os assédios sexuaisComo vê as questões de assédio sexual? E o caso que envolve Cristiano Ronaldo?

O óbvio. Penso que temos de distinguir entre os bem-vindos piropos e os assédios sexuais. Quanto a CR7 não estive lá, não vi, e não acredito em tudo o que se escreve.

O Movimento Me Too foi lançado há sensivelmente um ano. Olha para este tipo de movimentos como o caminho certo para a afirmação do feminismo, ou, por outro lado, corremos o risco de banalizar o conceito de vítima deste tipo de crimes?

Acho o movimento Me Too uma oportunidade de dar voz às vítimas e um incentivo para que não se silenciem estes crimes. Evitamos também que se repitam com a nova geração. Todavia há sempre o risco do exagero. Se ampliarmos, se distorcemos.

Qual é o seu conceito de feminismo?

Direitos e deveres iguais para ambos os sexos.

Considera-se feminista?

Considero-me uma defensora da igualdade de género.

Os seus romances históricos têm como personagens principais mulheres. Porquê?

Porque se na altura não tinham voz, alguma voz terá de as fazer ouvir.

Já escreveu sobre portuguesas do século XIV, XVI, XVIII e XIX. Vai percorrer, ou pelo menos, tentar percorrer todos os séculos?

Não o faço por séculos ou épocas históricas, antes pelo interesse e curiosidade que uma dada personagem me suscita. Foi um mero acaso terem vivido em séculos distintos. 

Já está a escrever o próximo livro? Ou pelo menos já tem uma ideia de qual será o tema?

O meu próximo livro vai ser uma saga familiar, cruzando 100 anos de história de Portugal. Já vou a meio e com enorme entusiasmo.  

Porquê escrever sobre o passado?

Só quem acredita, como eu, no presente e no futuro vai ao passado buscar esperança e raízes.

Quem são ou quem é o/os seu/s autor/es de preferência?

Esta é a pergunta mais difícil! Luís de Camões sem dúvida, Sophia de Mello Breyner Andresen, Teixeira de Pascoaes, Almeida Garrett e Eça de Queiroz. Gosto de ler sobretudo autores portugueses.

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