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Cidade alvo dos partidos 'pró-Brexit' sem sinais de campanha

Dias antes das legislativas britânicas, não há sinal de campanha eleitoral no centro de Hartlepool, cidade inglesa tradicionalmente trabalhista, mas onde Conservadores e Partido do Brexit esperam capitalizar a esmagadora votação pela saída no referendo do 'Brexit'.

Cidade alvo dos partidos 'pró-Brexit' sem sinais de campanha
Notícias ao Minuto

10:15 - 08/12/19 por Lusa

Mundo Brexit

Em vez de altifalantes com 'slogans' apelativos, o som que se destaca é o das gaivotas que voam até ao centro da cidade desde o Mar do Norte ali ao lado.

Nas ruas semi-desertas, as pessoas andam nas voltas de fim de semana, a passear ou a levar os filhos a ver o Pai Natal. Não há placares eleitorais e poucas são as janelas que exibem pósteres partidários, uma tradição no Reino Unido.

Alguns eleitores com quem a Lusa falou queixam-se de não terem visto candidatos na rua esta campanha, nem terem recebido visitas de representantes dos partidos, como é habitual no país. "Recebemos panfletos no correio, mas não vieram às nossas casas", lamentaram Kathy Dales e Mick Aves, enquanto passeavam de mão dada junto à marina da cidade.

No entanto, Hartlepool é um círculo eleitoral apetecível. O Partido Trabalhista representa-o há décadas, mas o facto de 69,6% dos eleitores terem votado pela saída no referendo do 'Brexit' em 2016 atraiu as atenções dos Conservadores, que procuram nestas eleições garantir uma maioria absoluta que lhes permita avançar com o 'Brexit'.

Hartlepool é também o principal alvo para o Partido do 'Brexit', que espera ali eleger o seu primeiro deputado.

O candidato que o partido escolheu para Hartlepool é Richard Tice, o presidente do partido, milionário e sem qualquer ligação à cidade, e foi num hotel local que o próprio líder, Nigel Farage, anunciou a decisão de renunciar aos círculos eleitorais detidos pelos Conservadores.

O Partido do 'Brexit' acredita que os Conservadores não conseguem vencer neste bastião trabalhista devido à antiga rivalidade entre azuis e vermelhos e espera por isso conquistá-lo, aproveitando o facto de o município já estar sob o seu controlo - embora tenha sido porque alguns candidatos independentes aderiram ao partido depois de terem sido eleitos, o que alguns eleitores consideram desleal.

Com 92 mil habitantes, Hartlepool, outrora uma vibrante cidade industrial, é hoje uma das mais pobres do Reino Unido.

Como outras cidades costeiras pós-industriais, tem "das piores esperanças de vida, das menores oportunidades de emprego, dos mais baixos níveis de sucesso escolar", explicou à Lusa Sacha Bedding, que dirige um centro comunitário numa das zonas mais desfavorecidas da cidade.

"Ao mesmo tempo, após 2010, [estas populações] foram as mais afetadas pelo impacto da austeridade. Não só foram privadas do desenvolvimento económico, como foram atingidas pela remoção dos serviços públicos", acrescentou o diretor do 'The Annex', que lhes chama "populações irrelevantes", não porque não tenham valor, mas porque "nunca são prioridade para ninguém".

O desemprego -- "em Hartlepool só há seis empregos para cada 10 pessoas em idade de trabalhar" -, a estagnação salarial, o sentimento de distância face a quem tem o poder, em Londres, a perda de serviços públicos como o tribunal ou as urgências do hospital local -- uma das questões que ainda hoje mais revolta os habitantes de Hartlepool, tudo isso contribuiu para um sentimento de descontentamento popular, disse Bedding.

Talvez por isso as pessoas tenham sentido, durante a campanha para o referendo do 'Brexit', que o "'status quo' falhou e era preciso mudança".

Na sua opinião, as pessoas aproveitaram o facto de terem uma oportunidade de expressar o seu descontentamento sem ambiguidades: "Era uma resposta preto ou branco, sim ou não, sem espaço para interpretação", e a narrativa do 'Brexit' -- "retomar o controlo", ressoou numa população desejosa de voltar a tomar as rédeas das suas vidas.

"Foi como um grito para Londres: 'Estão a esquecer-se do norte, temos mão de obra qualificada, temos indústria, mas está em declínio porque não há investimento'", disse por seu lado à Lusa Robin Beach, que trabalha em planeamento de emergência na indústria química local, enquanto ajudava o filho de 7 anos a pescar o seu primeiro peixe do dia -- o segundo de sempre - num pontão junto à marina.

Três anos e meio depois do referendo, o Governo conservador ainda não conseguiu resolver o 'Brexit', pelo que o sentimento de revolta só piorou.

"É melhor eu não falar, porque só vou dizer palavrões", dizia uma mulher de meia-idade, sem dar hipótese a mais perguntas.

Com uma licenciatura em Política, Ray Farin, 52 anos, confessou-se "farto de políticos".

"Aqui em Hartlepool temos um deputado do 'Labour' que votou contra todas as medidas que permitiriam avançar com o 'Brexit'. Temos a ironia de o deputado que elegemos não fazer aquilo que queremos que ele faça", exemplificou.

Ainda assim, o gestor de uma firma de advogados, que optou pela saída da UE, mas não decidiu em quem votar, não acredita que o sentimento 'Leave' dos eleitores de Hartlepool resulte numa vitória dos Conservadores ou do Partido do Brexit.

"Esta cidade vai votar 'Labour' até deixar de existir. No final, o 'Labour' vai ganhar por uma questão de tradição. Em quem votaram os teus pais vai influenciar em quem tu votas, sobretudo nas gerações com mais de 30 anos", concluiu.

A avaliar pela sondagem do YouGov divulgada na semana passada, a única que faz projeções específicas para cada círculo eleitoral, Hartlepool vai manter o seu deputado trabalhista, Mike Hill, que obtém cerca de 40% dos votos, contra 30% para os Conservadores e 25% para o Partido do Brexit.

Entre as pessoas com quem a Lusa falou nas ruas de Hartlepool, a maioria disse que iria votar nos trabalhistas, por questões sociais, "pela juventude" ou para impedir o 'Brexit' de avançar.

No entanto, quase outras tantas disseram não ter ainda tomado uma decisão, a maioria por não confiar em nenhum dos candidatos, pelo que será preciso esperar até dia 12 para saber se a tradição de votar trabalhista ainda é o que era em Hartlepool.

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