Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
12º
MIN 12º MÁX 17º

COP25: Cimeiras do clima são uma "deceção total"

As cimeiras da ONU sobre o clima, como a da próxima semana em Madrid, são "uma deceção total", diz a professora universitária Júlia Seixas, admitindo que contribuam mais para as emissões de gases do que para a redução.

COP25: Cimeiras do clima são uma "deceção total"
Notícias ao Minuto

09:33 - 01/12/19 por Lusa

Mundo COP25

Qualquer reunião do género, que junte dezenas de milhares de pessoas de todo o mundo, tem "uma pegada carbónica gigantesca", explica a docente em declarações à Lusa a propósito da cimeira que se realiza em Madrid, COP25.

Júlia Seixas, que é presidente do Departamento de Ciências e Engenharia do Ambiente da Faculdade de Ciências e Tecnologia, da Universidade Nova de Lisboa, diz por outro lado que o problema das alterações climáticas, por ser global, "não tem outro sítio para ser discutido, em termos formais, que não seja a ONU".

Há cidades que estão a ser organizadas em redes internacionais, que têm os seus próprios procedimentos de luta contra as alterações climáticas independentemente da ONU, e há várias outras redes, como de empresas, "mas em termos formais tem de ser a ONU", ainda que seja complexo, porque "a diplomacia não é pragmática" e depende da vontade dos políticos que estão nas cimeiras, diz Júlia Seixas.

"O processo decisório na ONU é por consenso e não por votação, e isso limita muito as negociações. Se os Estados Unidos e a China decidirem no mesmo sentido, de não cumprir o Acordo de Paris, não vai sair nada da COP25. Se a China se quiser alinhar do lado da União Europeia pode ser que saia alguma coisa", afirma a professora para justificar a deceção que sente em relação à utilidade das cimeiras da ONU sobre as alterações climáticas e as dúvidas sobre os resultados práticos.

Professora nas áreas da Deteção Remota em Ambiente e Energia e Alterações Climáticas, coordenadora da linha Energia e Clima do Centro de Investigação CENSE (Center for Environmental and Sustainability Research), dedicada à investigação sobre neutralidade carbónica, Júlia Seixas deposita no entanto grandes esperanças nas novas gerações.

"Nós andamos na nossa vida, por muito que os cientistas alertem para as alterações climáticas", mas "muito devemos" à jovem sueca Greta Thunberg, que sensibilizou uma geração, a geração que começa a votar nos próximos anos, e que por isso merece "todo o respeito".

Por agora vive-se num mundo em que uma viagem de avião de Lisboa a Madrid é substancialmente mais barata do que uma viagem de comboio, "o que significa que alguma coisa está errada".

"Na área da aviação está tudo com a cabeça enterrada na areia", diz Júlia Seixas, que tem mais de 60 publicações em revistas científicas internacionais e que coordena estudos de suporte a política pública nacional de mitigação climática há mais de 20 anos.

Enquanto diminuíram as viagens de negócios aumentaram exponencialmente as viagens de lazer, com a perspetiva de que continuem, à boleia das "low cost". E tudo sem pagar impactos ambientais.

"A aviação é um dos elefantes na sala. A viagem de avião não paga impacto ambiental. Os combustíveis de avião não têm impostos. Para todos os efeitos são subsídios que todos pagamos", salienta a professora.

A sociedade que, e de forma legítima, viaja mais de avião é a mesma que só tem uma limitação financeira no acesso a bens e serviços, mas não qualquer limitação "ética ou de valores". Explica a especialista que se alguém quiser dar cinco voltas ao mundo por ano, ou comprar todas as roupas da moda em cada estação, "até lhe agradecem".

"Essas emissões de gases com efeito de estufa não são as grandes empresas que as fazem, somos nós os donos dessas emissões", frisa Júlia Seixas, acrescentando que os consumidores no mundo continuam a aumentar, e advertindo que numa perspetiva de descarbonização não faz sentido apenas trocar um automóvel a diesel por outro elétrico.

A comunidade científica tem vindo a alertar para a urgência de diminuir a emissão de gases com efeito de estufa, para controlar o aumento global da temperatura. Portugal foi o primeiro país do mundo a apresentar um roteiro para a neutralidade carbónica em 2050, o que significa ser neutro em emissões de gases para a atmosfera.

"Os roteiros têm um papel importante, são um sinal para os cidadãos e são uma segurança na atração de investimento", diz Júlia Seixas, que se congratula pela publicação recente do decreto-lei que regula as comunidades de energia e autoconsumo.

Como se congratula com o "sinal fortíssimo" dado este mês pelo Banco Europeu de Investimentos, ao anunciar que vai deixar de financiar projetos de combustíveis fósseis.

"Vejo imensas oportunidades para resolver o problema [do aumento da temperatura] mas vejo com apreensão que as petrolíferas não estão a dar passos para mudar. Significa que vão lutar até ao limite. E a História mostra que as multinacionais têm um poder gigantesco", afirma.

De acordo com o portal "visualcapitalist" há 20 empresas que de 1965 até hoje foram responsáveis por 35% de todas as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera.

Em primeiro lugar está a Saudi Aramco (Arábia Saudita), seguida da Chevron (Estados Unidos), Gazprom (Rússia), ExxonMobil (Estados Unidos), National Iranian Oil Co (Irão), e BP (Reino Unido), para citar apenas as mais poluidoras, que tem no 20.º lugar a brasileira Petrobras, segundo a página. São todas empresas ligadas a combustíveis fósseis e 70% são estatais.

Júlia Seixas não é pessimista. Ou pelo menos diz que nem todos os dias é pessimista. À Lusa fala ainda de uma esperança nova, a da consciência das populações que está a despertar, a da exigência de mudança que vai acelerar as políticas públicas.

A Cimeira do Clima, COP25 no caso da que se realiza em Madrid, é há 25 anos o fórum político mundial ao mais alto nível para debater as alterações climáticas, as medidas para as mitigar e enfrentar. Também conhecida como Conferência das Partes, a COP reúne-se em cada ano num país diferente e resulta da Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas, adotada em 1992 e que entrou em vigor dois anos depois.

A COP25 devia realizar-se no Chile, depois de a COP24 se ter realizado na Europa (Polónia), mas o Governo acabou por desistir da organização, devido a revoltas sociais e situações de violência no país nos últimos meses. Espanha aceirou organizar a cimeira, que decorre entre os dias 02 e 13 de dezembro.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório