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Dos livros ao teatro, as escolhas de 2017 de José Maria Vieira Mendes

O premiado dramaturgo português José Maria Vieira Mendes contou ao Notícias ao Minuto as suas escolhas do ano. Vão desde os livros ao teatro, sem esquecer as artes performativas e, até, uma "surpresa televisiva".

Dos livros ao teatro, as escolhas de 2017 de José Maria Vieira Mendes
Notícias ao Minuto

12:38 - 31/12/17 por José Maria Vieira Mendes

Cultura Balanço

O meu balanço do ano balança irregularmente entre espetáculos, livros e outras coisas que, muitas vezes por razões de afetos, me saltam à memória nestas alturas em que nos pedem para recordar. Por isso gostaria de começar por um livro de que só esta semana, por culpa de prendas de Natal, me dei conta: ‘Meninos impossíveis, texto e desenhos de João Pedro Gomes’. Um livro para a infância, publicado pela pequena grande editora Douda Correria. Cada página um textinho pequeno sobre uma criança com uma particularidade especial que, na página seguinte, é ilustrada com humor e cuidado. “O Pedrito não consegue descascar bananas porque tem patas de elefante.” Ou: “O Rui Jorge precisa de usar um açaime sempre que vai à rua, porque as orelhas dele podem morder alguém. Ele não é mau, as orelhas é que são furiosas.” Etc.

Para mim, falar de livros é falar de editoras e do trabalho que as menos comerciais e não pertencentes a grandes grupos económicos vão conseguindo fazer. Por isso importa lembrar que, depois de os Livros Cotovia terem perdido o seu editor, André Jorge, falecido em 2016, ressurgem agora com o novo fôlego de uma mulher que promete deixar marca. Fernanda Mira Barros lançou uma nova chancela na editora, a Libelinha, e promete não deixar desaparecer uma casa que marca pela diferença o mercado editorial português.

Foi para os Livros Cotovia e para a associação cultural Maumaus que traduzi durante este ano um autor alemão que me era totalmente desconhecido: Hubert Fichte. ‘Um amor feliz’ é a descrição da passagem deste autor por Sesimbra e Lisboa nos anos 60 do século passado. Trata-se de uma visão exterior de um país pobre, mas também a descrição do submundo da sexualidade e dos encontros furtivos que escapou aos autores portugueses da época. Se isto não chegar para convencer alguém a ler este livro, destaco também a sua qualidade literária, que está a ser redescoberta na Alemanha e outros países com vários eventos dedicados ao autor (que faleceu em 1986) com 50 anos de idade. Um autor a descobrir!

No que diz respeito ao campo das artes performativas, prossigo com acontecimentos autobiográficos. O espetáculo 'Despertar da Primavera' do Teatro Praga, que esteve em cena no CCB em Lisboa e no S. João no Porto, entre outros teatros, teve a virtude de trazer para o seu elenco um conjunto de jovens artistas e performers que tem de lutar contra a invisibilidade das suas identidades e interesses. Trabalhar com eles foi uma experiência marcante e que contribuiu para que escrevesse uma peça a que chamei 'Max e René' e que terá a sua vida pública durante o ano de 2018.

Abandonando um pouco a autobiografia, deixem-me destacar dois espetáculos que aconteceram na segunda metade do ano: ‘We’re gonna be alright’, de Cão Solteiro e André Godinho, e ‘Antropocenas’ de João dos Santos Martins e Rita Natálio.

O primeiro faz parte da programação de Francisco Frazão na Culturgest, instituição que  abandonará no final deste ano, depois de mais de uma década a mostrar espetáculos que marcaram uma geração (recordo também deste ano ‘Triple Threat’ de Lucy McCormick). ‘We’re gonna be alright’ é um espetáculo cómico a princípio e que se vai tornando perturbador, fazendo-nos chorar no final. Li-o como espetáculo sobre violência, sobre o patriarcado, mas as suas camadas são tantas que devíamos vê-lo todos os meses.

Fiquei com a mesma sensação em relação ao espetáculo de João dos Santos Martins e Rita Natálio que vi no Teatro Municipal S. Luiz, uma conferência dançada, um espetáculo de dança que é uma conferência, uma mistura de géneros mas também de gentes em palco conduzidas por uma cicerone Rita Natálio. Numa altura em que, já tarde eventualmente, importa discutir o modo como olhamos para a intervenção humana no planeta Terra, e como ela se tornou hegemónica e, consequentemente, malsã, ‘Antropocenas’ atualiza um conjunto de ideias sobre o humano e coloca-nos num lugar de pensamento necessário para a discussão sobre o futuro ecológico.

Finalmente, gostaria de mencionar uma surpresa televisiva. É no Canal Q, e trata-se de um programa, ‘Super Swing’, que é feito de duplas várias. Aquela que mais me marcou pela frescura, pela estranheza, pela imprevisibilidade, pela capacidade de chamar a si identidades pouco visíveis embora com um mérito imenso, foi a dupla André e. Teodósio e Joana Barrios que têm espantado com a sua inteligência, irreverência, humor e diversão. Voltaram neste final de ano com mais uns episódios.

Aproveitem.

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