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Na era de Trump, são eles os novos reis da comédia americana

Talvez nunca o sentido de humor na televisão norte-americana tenha sido tão politizado como hoje em dia.

Na era de Trump, são eles os novos reis da comédia americana
Notícias ao Minuto

08:00 - 23/09/17 por Pedro Filipe Pina

Mundo Televisão

Os tempos são de divisão nos Estados Unidos, de tensões raciais às polémicas da Casa Branca, além das tradicionais disputas entre republicanos e democratas.

Porém, no mundo dos talk-shows e dos programas de comédia não parece haver grande divisão. Há um leque cada vais mais diversificado de protagonistas a ganhar destaque na televisão, ao mesmo tempo que vídeos seus vão tendo milhões de visualizações online. E estas figuras da comédia têm todas algo em comum: a atualidade política não escapa às piadas. E Trump, inevitavelmente, é o alvo favorito.

Há uma excepção curiosa a isto. Uma que vamos referir primeiro para explicar que não há acasos na guerra de audiências.

Falamos de Jimmy Fallon, figura que assumiu o 'The Tonight Show', programa que durante anos foi rei entre talk-shows, era ainda Jay Leno o apresentador.

A postura acessível e bem-disposta de Jimmy Fallon foi um trunfo para o programa. Mas antes das eleições, Fallon teve um convidado especial: Donald Trump. A entrevista teve como momento alto Fallon a brincar com a poupa do agora presidente dos EUA. À esquerda, houve quem achasse que aquele momento ajudou a normalizar Trump.

Já em maio deste ano, Fallon deu uma entrevista particularmente pessoal ao New York Times onde falou deste momento e das críticas de que foi alvo. O artigo do jornal nova-iorquino realçava outra tendência: houve tempos, em 2016, em que Fallon tinha uma audiência média de 3,5 milhões de espetadores. Já este ano, chegou a ter audiências abaixo dos três milhões. Em sentido contrário, Stephen Colbert, competindo no mesmo setor, ganhou audiências.

Colbert foi das primeiras figuras a destacar-se no 'Daily Show', no tempo em que o programa era apresentado por Jon Stewart (agora é o sul-africano Trevor Noah quem está à frente do programa, mas sobre ele falamos um pouco mais abaixo).

Colbert, já a solo, começou primeiro por destacar-se como uma personagem, assumindo o discurso dos mais conservadores entre os mais conservadores, para o desmontar. Agora, desde que apresenta o 'The Late Show', Colbert tornou-se uma das figuras nos programas televisivos americanos que, semana após semana, dá menos tréguas a Trump. E não está sozinho, quer nas piadas sobre Trump, quer nas imitações do presidente: "Okay, I'll say nazis are bad, but you can't make me mean it" (traduzindo de forma livre: 'tudo bem, posso dizer que os nazis são maus, mas não podem obrigar-me a dizê-lo como se acreditasse nisso').

Stephen Meyers é outro apresentador que se tem destacado. Meyers ganhou primeiro nome no histórico programa de comédia 'Saturday Night Live'. Agora, no 'Late Night', o guionista e comediante conta com uma rubrica em particular, 'Closer Look', onde dedica cerca de dez minutos à análise da atualidade. Trump, mais uma vez inevitavelmente, é assunto predileto na rubrica.

Entre americanos há um sotaque britânico que se destaca. Falamos de John Oliver. Ao contrário da maioria dos programas que surge neste artigo, o 'Last Week Tonight' não é um programa diário mas sim semanal. E é um programa que facilmente deixa muito jornalista invejoso.

Dizemos isto porque a equipa de John Oliver não trabalha apenas com a atualidade. O ponto forte do programa são os 20 minutos de monólogo em que John Oliver, sentado como um pivot de telejornal,  vai desmontando um assunto complexo. 

Da Coreia do Norte ao Tibete, da 'guerra' contra as drogas ao Acordo de Paris, passando pelo Brexit, nenhum tema é demasiado sério para não ser ao mesmo tempo útil e cómico ouvi-lo tratado por John Oliver. Trump, e repetimos o inevitavelmente, costuma ser um dos assuntos. Mas John Oliver, também saído da escola do 'Daily Show' de Jon Stewart, já deu atenção a apoiantes de Trump a quem o próprio Trump costuma dar ouvidos.

É o caso de Alex Jones, polémico apresentador de rádio conhecido por polémicas opiniões e irados momentos, características que não escapavam à atenção de muitos media norte-americanos e de uma parte do público. O que não sabíamos era que Alex Jones, enquanto alerta para os químicos que põem na água "e tornam os sapos gays", faz a sua fortuna vendendo, ao longo das quatro horas de programa que apresenta, os mais bizarros produtos. 

A comédia política também se faz no feminino. E para tal há Samantha Bee, mais uma dessa universidade de 'infotainment' que foi o Daily Show. 

Samantha tem um programa em moldes um pouco diferentes. Mais curto, com ela de pé, sem necessidade de convidados, e com particular atenção para a igualdade de direitos entre géneros e minorias, e tudo isto feito com humor tão cáustico quanto acelerado.

Ao longo da campanha para as presidenciais e agora com Trump na Casa Branca vimo-la a inventar as mais invulgares alcunhas para o presidente dos EUA ("demónio cor de laranja aos berros", "botão de Caps Lock sensível", "apêndice perfurado da América"...). 

É hora de falarmos do 'Daily Show' propriamente dito. O programa da Comedy Central tornou-se uma referência na televisão norte-americana ao longo dos 16 anos em que foi apresentado por Jon Stewart. Quando este deixou o programa, a substituição foi assumida por Trevor Noah, um jovem comediante da África do Sul desconhecido do público norte-americano.

Trevor Noah deu mais um extra de diversidade e, aos poucos, tem conseguido ir preenchendo o intimidante vazio deixado por Jon Stewart. E o facto de vir da África do Sul tem sido algo que Trevor tem sabido usar no seu humor, como quando, ainda em 2015, comparava alguns gestos de Trump aos de certos ditadores africanos que parecem eternizados no poder.

Estamos quase no fim do artigo mas era bom lembrarmos ainda Jimmy Kimmel, atualmente figura de relevo no panorama dos talk-shows norte-americanos. Kimmel tem várias rubricas populares que se tornaram virais, como quando põe celebridades a ler tweets insultuosos sobre eles próprios, ou quando pede a pais para enviar vídeos de birras de crianças quando estes recebem as piores prendas de sempre

Mas, respeitando a estrutura dos talk-shows, Kimmel tem também o seu momento de monólogos. E aqui não foram poucas as vezes em que Trump não foi poupado por algumas das suas afirmações mais dúbias, chamemos-lhes assim.

Como é de comédia que falamos, não podíamos deixar de recordar 'Saturday Night Live', o programa que desde 1975 faz da atualidade um dos seus cómicos trunfos e por onde passaram tantos e tantos atores e guionistas que ganharam nome.

Por estes dias, além de interpretações de Trump em sketches a cargo do muito elogiado Alec Baldwin, o 'Saturday Night Live' tem-se esmerado em arranjar atores para interpretar os mais diversos funcionários que passaram pela Casa Branca, como aconteceu com Melissa McCarthy no papel do responsável de comunicação Sean Spicer.

A tendência é para manter

Começámos este artigo por lembrar que a América é um país dividido. Isto notou-se bem nas eleições, com as zonas rurais e cidades interiores a garantirem a eleição de Trump, enquanto Hillary Clinton tinha sido a mais votada em grandes centros urbanos.

É possível que este novo olhar da comédia norte-americana reflita também isto, dado que a maioria dos programas são gravados em Los Angeles ou Nova Iorque. Mas o fenómeno tem contornos mais curiosos.

A televisão norte-americana parece ter muito pouco espaço para humor político que entretenha apoiantes de Trump e conservadores. Não há, de facto, um programa que seja de comédia com sucesso que os conservadores apreciem (o realizador de comédias Judd Apatow até tem uma interessante teoria sobre isto).

Em sentido inverso, figuras que nunca deram grande atenção às tricas políticas na sua comédia estão a fazê-lo cada vez mais (veja-se o caso de Conan O'Brien). A presidência de Donald Trump parece estar a pôr fim à neutralidade que certos humoristas por vezes procuram.

Mesmo Jimmy Fallon, que, como falámos acima, parece ter sido castigado nas audiências por esta neutralidade, parece estar pronto para correr alguns riscos. Vimos isso recentemente na reação ao protesto de extrema-direita em Charlottesville, que terminou com um manifestante de extrema-direita a atropelar uma multidão de pessoas, matando uma jovem.

Fallon, no seu espaço de monólogo, evitou o humor e fez uma declaração bastante direta em prol da tolerância e contra a "nojenta" manifestação que incluiu bandeiras nazis. E desta vez nem Trump foi poupado "por ter demorado dois dias" a reagir ao assunto e criticar os comportamentos racistas.

Na era de Trump, são estes os reis da comédia. E é bem provável que o continuem a ser.

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