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"Forma como portugueses se alimentam tornou-se problema de saúde pública"

Um artigo de opinião assinado por Alexandra Bento, bastonária da Ordem dos Nutricionistas.

"Forma como portugueses se alimentam tornou-se problema de saúde pública"
Notícias ao Minuto

12:10 - 24/08/18 por Notícias Ao Minuto

País Artigo de opinião

"A alimentação é uma necessidade básica, desde sempre o soubemos.

Mas, e disso nem todos estamos conscientes, a forma como os portugueses se estão a alimentar tornou-se num problema de saúde pública.

De facto, dados recentes dizem-nos que estes hábitos alimentares inadequados se tornaram no principal determinante da perda de anos de vida saudável na população portuguesa e no segundo fator de risco que mais contribuiu para a mortalidade precoce.

Muitos portugueses comem comida a mais, mas outros há que vivenciam dificuldades alimentares.

Um em cada dois portugueses tem um consumo de fruta e hortícolas inferior ao recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), realidade com maior expressão nas crianças e adolescentes.

Ao mesmo tempo, a ingestão diária de sal é, em média, de 10,7 g, o dobro do valor máximo recomendado pela OMS.

Em relação ao consumo de açúcar, 24,4% da população apresenta um consumo superior à recomendação da OMS, ou seja, apresenta um consumo que contribui com mais de 10% do valor energético total.

Uma em cada cinco famílias portuguesas experimenta insegurança alimentar, o que significa que teve dificuldade em fornecer alimentos suficientes a todos os seus elementos.

Claro está que esta forma errada de comer se reflete nos indicadores de saúde.

Mais de metade da população portuguesa apresenta excesso de peso (pré-obesidade ou obesidade), com maior expressão na população idosa.

A situação no que diz respeito às crianças portuguesas é especialmente preocupante: 30,7% e 11,7% apresentam excesso de peso e obesidade, respetivamente.

Já no que concerne aos adultos sabemos que as doenças cérebro-cardiovasculares são responsáveis por 30% de todas as mortes, que a hipertensão arterial afeta 36% das pessoas e que a prevalência de diabetes é de cerca de 10%.

Temos vindo a assistir a uma alteração do nosso tradicional padrão de consumo alimentar. Já vai longe o tempo em que tivemos uma alimentação mediterrânica.

Portugal assistiu, ao longo das últimas décadas, a uma transição nutricional em que o aumento da esperança média de vida se acompanha pela predominância das doenças crónicas relacionadas com a alimentação. A esperança de vida dos portugueses ultrapassa os 80 anos, sendo mais elevada do que a média da União Europeia, e o número de pessoas com mais de 75 anos é superior a um milhão.

Vivemos mais, mas 'carregados' de doenças crónicas, como a diabetes, as doenças cardiovasculares e o cancro, a grande maioria das quais associada a hábitos alimentares desequilibrados.

O investimento na promoção da saúde através da alimentação deve ser um dos desígnios do Estado, através de uma política que garanta plenamente o direito humano à alimentação adequadaEste perfil epidemiológico da população impõe um maior esforço financeiro ao Serviço Nacional de Saúde, que se vai agravar ainda a médio e longo prazo.

Por tudo isto, o investimento na promoção da saúde através da alimentação deve ser um dos desígnios do Estado, através de uma política que garanta plenamente o direito humano à alimentação adequada. Este deve ser um direito de todos os portugueses.

Todos os portugueses devem ter o direito a uma alimentação saudável, acessível, de qualidade, em quantidade suficiente, sustentável do ponto de vista ambiental, cultural, económico e social, que seja promotora da saúde e da qualidade de vida.

É um direito que não se encontra diretamente consagrado na Constituição da República Portuguesa, mas surge como direito fundamental na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, que Portugal subscreveu, como parte integrante de um direito para assegurar a saúde e o bem-estar.

A realidade alimentar portuguesa exige a intervenção de todos os envolvidos no sistema alimentar. A recém criação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional constitui uma nova esperança. É, inclusive, um marco de sobeja importância, ao colocar verdadeiramente a alimentação e nutrição na agenda política e ao considerar a garantia do direito humano a uma alimentação adequada como fundamental para a promoção da saúde e da qualidade de vida e como essencial na prevenção da doença.

Assim, a criação deste Conselho, enquanto plataforma com participação pluriministerial, da sociedade civil e outras organizações, irá contribuir para uma visão integrada das matérias de segurança alimentar e nutricional, envolvendo todos os atores que condicionam direta ou indiretamente a produção, a distribuição e o consumo dos alimentos. Uma das competências do Conselho é a elaboração e aprovação da Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, colocando este tema, pela primeira vez, como principal prioridade do Governo. Será um instrumento essencial para reduzir a carga de doença relacionada com a alimentação.

Tal como o conceito de 'Saúde em Todas as Políticas', a alimentação em todas as politicas deve ser muito mais do que uma estratégia política de intersectorialidade na alimentação. Deve assentar na convicção de que os ganhos em saúde através de uma alimentação adequada dependem de forma indissociável dos estilos de vida de cada indivíduo e do ambiente que o rodeia.

A alimentação adequada para todos os portugueses é uma questão de política pública. Está ao nosso alcance melhorar os hábitos alimentares da população. Assim haja vontade política."

Alexandra Bento

Bastonária da Ordem dos Nutricionistas

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