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O al-Andalus que o ISIS quer reaver. Ouvimos falar, sabemos o que foi?

O Daesh ameaçou querer reconquistar o al-Andalus, mas passados mais de 1.300 anos da invasão islâmica, essa vontade de um grupo de "mentes perturbadas" não parece ser possível de concretizar. Tanto tempo depois, o que ficou da presença árabe em Portugal?

O al-Andalus que o ISIS quer reaver. Ouvimos falar, sabemos o que foi?
Notícias ao Minuto

09:00 - 09/09/17 por Melissa Lopes

País História

A recente ameaça do Daesh, feita através de um vídeo em castelhano depois do ataque terrorista em Barcelona, fez soar os alarmes de Portugal e Espanha. "Com a permissão de Alá, o Al-Andalus voltará a ser o que foi: terra do califado", disse um militante do grupo radical islâmico que surge de cara descoberta e que é identificado como Abu Lais Al Qurdubi (o cordovês).

"Diziam no vídeo que queriam recuperar aquilo que era o al-Andalus, mas isso é impossível, os tempos são outros", diz a professora universitária, especialista em Literatura Medieval, Natália Nunes ao Notícias ao Minuto. Os jihadistas, faz sobressair, "são umas mentes perturbadas que usam a religião para justificarem os seus atos". "Aquilo não é o Islão, é uma barbaridade", acrescenta, sublinhando que o Islão "é religião de paz que se apregoa em cada saudação quando se cumprimenta o outro dizendo salam alaykum, ou seja, que a paz esteja contigo".

E é essa visão distorcida da religião a fazer com que a islamofobia aumente por todo o lado. A par da islamofobia cresce o medo. "Todos temos algum receio, pois o que está a acontecer nos outros países, pode acontecer cá também....os atentados são perigosos, ameaçam qualquer nação", sublinha Natália.

Mas a que se referem os jihadistas quando falam no al-Andalus? O al-Andalus foi o nome dado à Península Ibérica onde houve presença muçulmana. Esse período vai desde o ano 711 a 1492 e contemplou diversos reinos. O primeiro, de 711 a 756 (altura em que foi constituído um emirado dependente do califado de Damasco). No segundo período, de 756 a 1031, o emirado tornou-se independente e estabeleceu a capital em Córdova (califado de Córdova). No terceiro período, que vai de 1031 a 1492, é marcado pela fragmentação do califado e criaram-se múltiplos pequenos estado independentes e rivais, a que se dá o nome de taifas, culminando na constituição do emirado nasrida de Granada, de 1238 a 1492. Este já só contemplava as províncias espanholas de Granada, Málaga, e uma parte das províncias de Sevilha, Córdova e Jáen.

Em suma, foram quase 800 anos de domínio árabe que terminou com a sua expulsão e Reconquista cristã, formando o Reino de Portugal e o reino de Castela. Em Portugal, a presença árabe estendeu-se apenas até ao século XIII, até por volta de 1249, altura em que D. Afonso III terminou a reconquista do território em Faro. Contudo, a presença árabe no país (com exceção da zona norte da Península Ibérica) foi tempo suficiente para a construção de um vasto legado árabe e islâmico em Portugal. Um legado que vai desde a arquitetura (o uso de materiais como a taipa, os azulejos, tão típicos do nosso país, sobretudo em Lisboa), a agricultura (com a introdução de novas plantas, como o arroz, citrinos, amendoeira, figueira, alfarrobeira, assim como novas técnicas de regadio, por exempo, o uso da nora, das cisternas, açudes. No artesanto, a tapeçaria, tomando como exemplo o tapete de Arraiolos que, além de outras influências, também foi beber ao legado árabe. Na gastronomia, o uso das plantas aromáticas, novos pratos gastronómicos graças à introdução de novas espécies de plantas, as sopas e açordas, o ensopado de borrego, o arroz doce, etc.

Nasceram no al-Andalus importantes filósofos, como Averróis, entre outros. Na língua, muitas palavras têm origem árabe, não apenas as que começam por al; muitas obras foram traduzidas do grego para o árabe e isso permitiu um grande avanço em todas as ciências e na filosofia. A literatura que que veio influenciar a literatura trovadoresca, a introdução de novas formas poéticas e de temáticas; o período de ouro foi o século XI, cuja língua de cultura era o árabe; alguns poetas e poetisas importantes foram Ibn Darraj al-Qastalli, al-Mu’tamid, Ibn Zaydun e Wallada, e muitos outros.

O Sufismo é a mística islâmica e é no al-Andalus que nasce um dos místicos mais importantes do Sufismo e que se chamava Ibn ‘Arabi, nascido em Múrcia. Aqui, no Gharb al-Andalus (que corresponde a Portugal, abrangendo ainda Badajoz e Mérida), destaque para alguns dos mestres de Ibn ‘Arabi e para Ibn Qasi, entre outros). Surge neste período a música arábico-andaluza e, muitos dos cantos sufis vieram influenciar o aparecimento do fado e do cante alentejano; a influência árabe foi ainda importante para produção de instrumentos musicais, nomeadamente do alaúde. Outra curiosidade. Sabia que foram os árabes a trazer o jogo xadrez para a Europa, nomeadamente para o al-Andalus, via Pérsia?

Esta cultura foi-nos transmitida por árabes e berbéres e sobreviveu graças aos mouriscos (os muçulmanos que depois foram obrigados à conversão, no reinado de D. Manuel) e aos moçarabes (cristãos, mas arabizados nos costumes). Mas querer recuar mais de mil anos no tempo não parece encaixar com este mundo, globalizado, moderno e democrático. E o que teriam para 'oferecer', além do terror que já perpetram por onde passam?

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