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Como Erdogan anulou um golpe de Estado para reforçar o seu poder

Uma tentativa de golpe de Estado, faz quinta-feira cinco anos, falhou o derrube do regime turco, permitindo o reforço do Presidente Recep Erdogan, que impôs a sua agenda ultraconservadora e autoritária.

Como Erdogan anulou um golpe de Estado para reforçar o seu poder
Notícias ao Minuto

08:23 - 14/07/21 por Lusa

Mundo Turquia

Nesse dia, minutos depois de ter aterrado em Istambul, interrompendo as férias para lidar com o golpe de Estado, o Presidente Recep Erdogan fez uma comunicação televisiva ao país, resumindo a sua leitura dos acontecimentos: "Foi uma dádiva dos céus".

Na verdade, a tentativa frustrada de golpe de Estado de 15 de julho de 2016 foi o pretexto ideal para Erdogan reorganizar a sua estrutura de poder, reforçar a sua autoridade e afastar os seus mais temidos adversários políticos, havendo mesmo quem acredite que tudo não passou de uma encenação do Presidente.

Nos dias seguintes à tentativa, foram detidos mais de 50 mil oficiais militares, governadores e funcionários públicos (incluindo 2.700 juízes) e mais de 15.000 professores (incluindo todos os reitores de universidades do país), acusados de associação à intentona.

Quase metade do exército turco foi desmantelada, abrindo espaço para uma reorganização das Forças Armadas que Recep Erdogan aproveitou como base para solidificar barreiras de proteção militar contra qualquer futura tentativa de deposição do seu regime.

Internamente, a posição política do Presidente turco era frágil, resultado de uma agenda conservadora - e, em alguns casos, extremista - levando a oposição a acusá-lo de ter abandonado a promessa de governar para todos os turcos e não apenas para a maioria islâmica.

Externamente, Erdogan tentava o quase impossível desafio de agradar simultaneamente ao Presidente russo, Vladimir Putin, sem hostilizar a União Europeia, a NATO e os Estados Unidos, enquanto se mostrava aliado dos países árabes, mas tentando restabelecer relações com o Governo de Israel, então liderado por Benjamin Netayahu.

Erdogan aproveitou a tentativa de golpe de Estado para atirar culpas aos Estados Unidos, acusando Washington de ter estado por detrás das operações militares que foram desenvolvidas por uma fação das Forças Armadas turcas, que se autointitularam "Conselho de Paz em Casa", cujos membros nunca se identificaram.

O Presidente turco acusou ainda os EUA de estar a dar guarida ao mentor do golpe de Estado: Fethullah Gulen, teólogo turco, empresário e académico que vive no estado da Pensilvânia, líder de um movimento de oposição ao regime de Erdogan, mas que sempre negou qualquer envolvimento com os acontecimentos de 2016, chegando mesmo a condenar publicamente a iniciativa.

No golpe falhado, mais de 300 pessoas morreram e mais de 1.200 ficaram feridas, depois de severos bombardeamentos aéreos de edifícios governamentais, em que os revoltosos foram progressivamente perdendo controlo da situação, acabando isolados, sem apoio popular e até sob críticas dos partidos opositores de Erdogan.

Nas primeiras horas da madrugada de 16 de julho de 2016, milhares de soldados envolvidos na ação começaram a entregar-se às forças policiais, que se mantiveram fiéis ao regime, e o primeiro-ministro adjunto, Numan Kurtulmus, apareceu na televisão pública garantindo que o partido AKP, que suportava o Governo, controlava o país.

Os analistas atribuem as culpas pelo falhanço das operações rebeldes a três fatores: desorganização e falta de planeamento do golpe; falta de apoio popular e de ajuda externa; ausência de controlo dos 'media' e inexistência de uma narrativa eficaz para justificar a iniciativa.

Vários meios de comunicação social ocidentais interpretaram o golpe de Estado como uma encenação do próprio Recep Erdogan, para melhorar a sua imagem, obtendo um "salvo conduto" para se livrar de alguns dos mais incómodos adversários políticos e apresentando-se como vítima de um 'complot' injusto e injustificado.

As suspeitas adensaram-se quando se percebeu que nem um único funcionário do Governo fora detido e que a resistência dos 'rebeldes' foi rapidamente vencida, sem que existisse sequer uma tentativa séria de deter ou matar Erdogan, condições consideradas essenciais para o sucesso da operação.

No rescaldo da tentativa falhada, o Presidente viu a sua posição reforçada, nas ruas das principais cidades, milhares de apoiantes de Erdogan insurgiram-se contra o golpe e exigiram a instituição da pena de morte -- que tinha sido abolida em 2004, para procurar responder a uma pré-condição de entrada da Turquia na União Europeia - para punir os seus responsáveis.

Em 20 de julho de 2016, o Presidente declarou estado de emergência de três meses (que seria prorrogado por mais três meses), o que lhe permitiu suspender temporariamente os requisitos da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, incluindo o direito de manifestação de protesto.

Relatórios da Amnistia Internacional denunciaram a prática de atos de tortura a muitos dos detidos, acusando as autoridades de imporem um regime de terror.

Externamente, a Turquia ficou mais isolada, com a União Europeia e Estados Unidos a condenarem a repressão contra os revoltosos, acusando Erdogan de não respeitar o Estado de Direito e de procurar eliminar a oposição democrática.

Este isolamento político levou a uma fragilização económica do país, com a divida soberana sob pressão das agências de 'rating', forte desvalorização da sua moeda e um período de recessão que afetou toda a sociedade.

Nem por isso Erdogan abriu mão do seu regime autocrático, que se tornou mais rígido e menos transparente, em particular depois da revisão constitucional, em 2017, que lhe permitiu um substancial reforço dos poderes presidenciais.

Cinco anos após a tentativa de golpe de Estado, na política doméstica, Recep Erdogan tenta compensar a falta de pão com mão de ferro, como usou quando recentemente estudantes universitários protestaram contra a escolha de um reitor fiel ao regime, considerando-os terroristas e mandando deter os cabecilhas do movimento.

Externamente, o Presidente continua a jogar em vários tabuleiros: procurando aproximações à UE, mas desafiando a Grécia na exploração de espaço marítimo no Mediterrâneo Oriental; aliando-se ao regime russo de Putin, mas procurando manter intacta a presença na NATO -- tudo em nome do seu futuro político pessoal, que esteve em risco há cinco anos.

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