Macau: Chineses do continente mudam identidade, com locais em minoria
Em Macau, templos chineses erguem-se sobre ruas com calçada portuguesa onde a toponímia está em português e carateres tradicionais chineses, ilustrando a identidade única do território, que alguns dizem estar sob ameaça.
© Reuters
Mundo Macau
"Restaurantes como este, hoje em dia, são raros em Macau", explica Seto, um chinês nascido em Macau e proprietário do Café Cherry, que serve pastéis de nata ou pratos portugueses próximo do Centro Histórico de Macau - um conjunto de ruas e praças antigas, com templos e casas chinesas vizinhas de construções erguidas pelos portugueses.
"A maioria da restauração de Macau hoje em dia é 'Cha Chaan Teng'", descreve o empresário, referindo-se aos restaurantes de comida típica cantonesa, onde as refeições são acompanhadas por chá, e populares também na região vizinha de Hong Kong.
É o caso do estabelecimento Sopa de Fitas Ngan Un, situado na esquina da Estrada do Repouso, a cerca de cem metros do Cherry Café.
A dona, natural da província de Fujian, sabe que Macau foi outrora habitada por "muitos estrangeiros", mas rejeita distinguir a Região Administrativa Especial do continente chinês. "Macau e o continente são ?chabuduo' (?tudo a mesma coisa')", assegura.
Questionada sobre a origem das igrejas, largos ou as ruas com calçada portuguesa, num cenário único na China, a proprietária responde "'bu zhidao'" ('não sei'). "Tens que ir à 'net' pesquisar", recomenda.
E acrescenta: "Património histórico? Não há muito, o que há mais aqui são casinos", explica.
Os chineses nascidos em Macau falam entre si em cantonês, o dialeto mais falado no sudeste da China. Muitos não entendem sequer o mandarim, o idioma oficial da República Popular.
Em Macau, Hong Kong e Taiwan continua-se também a usar a escrita tradicional chinesa, e não a versão simplificada, adotada no continente após a fundação da China comunista, para fomentar a alfabetização.
Mas, mais do que isso, as campanhas de massas que se seguiram à fundação da República Popular, como o Grande Salto em Frente ou a Revolução Cultural, e o controlo exercido pelo Partido Comunista sobre a imprensa, ensino ou Internet, moldaram uma sociedade no continente diferente da que existe noutros territórios historicamente chineses.
Reconhecendo que a imposição em Macau e Hong Kong do sistema político chinês, após a transferência da soberania por Portugal e Reino Unido, respetivamente, entraria em choque com as sociedades e sistemas económicos locais, a China recorreu à fórmula 'um país, dois sistemas'.
Para as duas regiões foi então acordado um período de 50 anos, com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário.
Porém, em Macau, centenas de milhares de trabalhadores e empresários do continente chinês, sobretudo das províncias de Fujian e Guangdong, estabeleceram-se no território após a transferência da administração de Portugal para a China, há vinte anos.
Lok Hong, de 55 anos, natural de Macau e que viveu nos Estados Unidos, estima que, atualmente, por cada pessoa nascida na região, há seis chineses vindos do continente.
A população de Macau é composta por quase 700 mil pessoas.
"A identidade local perdeu-se", realça Luk. "A sociedade de Macau costumava ser mais aberta ao mundo", conta, "mas não é mais assim: o controlo pelo Governo central tornou-se excessivo".
Lok considera que os chineses do continente "lidam bem com isso", porque já "vivem sob o sistema socialista há 70 anos".
"Mas para os chineses de Macau e de Hong Kong é mais difícil", nota.
E acrescenta que essa é uma das razões pelas quais está a equacionar voltar para os Estados Unidos. "O nosso estilo de vida está sob ameaça".
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