Meteorologia

  • 26 ABRIL 2024
Tempo
15º
MIN 12º MÁX 17º

Rússia já não usa intervenção militar como na Primavera de Praga

Cinquenta anos depois da intervenção armada soviética que pôs fim à Primavera de Praga, o politólogo António Costa Pinto defende que a Rússia já não impõe o poder por intervenção militar direta, recorre a outros meios.

Rússia já não usa intervenção militar como na Primavera de Praga
Notícias ao Minuto

10:22 - 19/08/18 por Lusa

Mundo Armada soviética

Em declarações à Lusa, António Costa Pinto explicou que, embora a Primavera de Praga, que decorreu entre janeiro e agosto de 1968, seja "o símbolo mais clássico da impopularidade de um regime socialista na Europa" e tenha representado "o início do fim da capacidade de mobilização política do comunismo na Europa enquanto ideologia de mudança", não houve, na época, qualquer movimento do Ocidente para deter a intervenção armada que lhe pôs fim.

"A Primavera de Praga, tal como a revolta de Budapeste, em 1956, significou um movimento de autonomia e desafetação em relação à potência dominante do bloco de Leste, a União Soviética, mas o aspeto mais interessante é que, nos anos 1960, foram novos movimentos sociais, algumas alterações no Movimento Comunista Internacional, até alguma dinâmica de coexistência pacífica entre Washington e Moscovo que fizeram com que a União Soviética pudesse resolvê-la com uma intervenção militar", indicou o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Foi "um conflito entre comunistas reformistas e a União Soviética, mas a Guerra Fria, tal como foi estabelecida no final dos anos 1940, permaneceu, no fundamental, intacta", porque "muito embora os Estados Unidos e as potências democráticas tenham condenado a intervenção militar, nenhum movimento foi feito para subverter o domínio da União Soviética no bloco de Leste", sustentou.

"Os conflitos de domínio eram feitos em África, na Ásia -- estava-se, nessa altura, em plena guerra do Vietname -, mas o pacto, no que toca à Europa, manteve-se", referiu António Costa Pinto.

Na Europa ocidental, "os Estados Unidos fizeram tudo para impedir a transição pacífica ou a vitória eleitoral de partidos comunistas", tendo "o caso mais interessante sido o caso italiano, nessa mesma década de 1960, em que o Partido Comunista Italiano se tornou um grande partido, mas toda a classe política italiana e europeia sabia que ele não podia estar no poder".

"O primeiro [país europeu] onde isso aconteceria e causaria problemas é Portugal, em 1975: o PCP foi o primeiro partido comunista da Europa ocidental que, em plena Guerra Fria, participou em estruturas formais de Governo" e aconteceu o mesmo que no Leste europeu: "Existiu uma denúncia ideológica mas não existiu nenhum modelo de subversão", observou.

Segundo o politólogo, "a Primavera de Praga teve um enorme impacto no Movimento Comunista Internacional, e esse impacto aponta não só para a existência de partidos comunistas mais reformistas, que começaram a demarcar-se de Moscovo, como até, no próprio campo socialista na Europa de leste, foi marcado nessa altura pela progressiva autonomia de países socialistas, como a Jugoslávia ou a Roménia".

Outro aspeto a salientar, para António Costa Pinto, é que "a Primavera de Praga determinou, no fundamental, aquilo que mais tarde seriam as democratizações a Leste".

"Essas democratizações só existiram quando a União Soviética decidiu permiti-las e uma parte desses processos de democratização foram protagonizados pelas próprias elites no poder, elites socialistas e comunistas", referiu, acrescentando que tal significou que "na maior parte da Europa de Leste, o padrão foi a progressiva transformação dos Partidos Comunistas no poder após o final da Guerra Fria e a sua aceitação de processos de negociação".

Tanto assim foi que "à exceção da Roménia, não houve processo de transição democrática que fosse feito por rutura revolucionária, com violência".

"Sobretudo, a revolta de Praga foi o canto do cisne - na Europa - da dimensão de modelização positiva do comunismo pró-soviético no mundo", defendeu, indicando que, a partir daí, "os polos mais revolucionários associados ao comunismo ou se refugiaram no 'Guevarismo' ou apontaram para a China enquanto farol revolucionário".

Inquirido sobre a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014, o politólogo respondeu que ela é "uma violação do princípio internacional [da integridade de um Estado], como é evidente", mas acrescentou que "a relação da Crimeia com a Ucrânia é a mesma de Angola, salvo melhor opinião, com Cabinda".

"Ou seja, é o produto, como muitas vezes acontece, de redivisões administrativas no interior de um sistema político, que era o sistema político soviético, que depois se dissolveu e, portanto, ficou noutro país (na Ucrânia)", observou.

De acordo com António Costa Pinto, "o que a Rússia tem feito para impor a sua autoridade, não o faz por intervenção militar direta, mas fá-lo como os Estados Unidos faziam na América Latina: induzindo processos de mudança de regime, caso haja uma elite mais irredentista em relação ao poder russo, que a consiga substituir no poder".

"Num certo sentido, a Rússia faz hoje, a não ser em situações mais conjunturais, o que faziam os Estados Unidos durante a Guerra Fria", comentou, acrescentando que, mesmo quando o resultado é um regime autoritário, "a questão não é a natureza do regime, a questão é ter um regime próximo".

Ora, "muitas vezes isso é feito, e a Rússia hoje fá-lo mais, não por intervenção militar direta, mas por influência, apoio a partidos políticos, elites cleptocráticas no poder, já autoritárias".

"No Cáucaso, é um bocadinho essa a estratégia russa, uma estratégia de consolidação com o poder político pós-soviético que lhe é, no fundamental, próximo. E a intervenção militar só é feita 'in extremis' - já nessa altura o era", frisou.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório