Marcelo Rebelo de Sousa, que discursava na cerimónia de atribuição de um doutoramento honoris causa a Angela Merkel pela Universidade Católica Portuguesa, manifestou-se convicto de a atual vaga anti-imigração "subirá até que os seus feiticeiros sejam vítimas dos seus feitiços".
O chefe de Estado português, a quem coube fazer o discurso de elogio nesta cerimónia, na sede da Universidade Católica, em Lisboa, considerou que Angela Merkel, enquanto chanceler da Alemanha, foi "a líder da Europa, na sua unidade, na sua pujança económica e social, na sua afirmação no mundo" e tomou "decisões que mudaram a História".
"Mais do que tudo, nunca esquecerei, e como eu milhões e milhões, a sua irremovível posição sobre migrações, contra partido, Governo, Europas e mundo, já presas da vaga tentadora, egoísta e nalguns excessos farisaica, mas popularmente muito atrativa, e alegadamente piedosa, vaga que sobe e que subirá até que os seus feiticeiros sejam vítimas dos seus feitiços", declarou.
No discurso de elogio a Angela Merkel, Marcelo Rebelo de Sousa enalteceu também "a sua decisão por causa da pandemia, que abriu caminho aos Planos de Recuperação e Resiliência (PRR)", comentando: "Parecia um afastamento de uma linha de décadas. Era um sinal de compaixão numa situação extrema".
Segundo o Presidente da República, Angela Merkel, ao contrário de outros políticos, foi uma estadista que preferiu sempre "a linha reta às curvas" e que "nunca se esqueceu de onde partiu" e por isso conseguiu "juntar à frieza de ferro da razão a compaixão nascida de raízes e de memórias".
Além disso, no seu entender, distinguiu-se pelas "convicções filosóficas ou religiosas muito profundas" de que não abdica e pelas quais, se necessário, afronta "tudo e todos".
Marcelo Rebelo de Sousa recordou uma reunião que tiveram em maio de 2016, em Berlim, quando se deslocou à Alemanha em visita oficial, em que, "contra todas as expectativas e temores", a então chanceler "deu primazia, durante longuíssimos minutos, à questão da maternidade de substituição que se votava em Portugal, relativamente à questão de peso do equilíbrio das contas publicas".
Angela Merkel, a primeira mulher a governar a Alemanha, nasceu em Hamburgo em 17 de julho de 1954. Formada em Física, foi presidente da União Democrata Cristã (CDU) entre 2000 e 2018 e chanceler da Alemanha entre 2005 e 2021.
De acordo com o chefe de Estado, Merkel destacou-se também por virtudes pessoais "da integridade à inteligência, da coragem ao rigor, da resistência ao culto da liberdade e à visão do futuro", e pela sua "vida singular, diferente, marcante de pelo menos duas décadas da Alemanha, da Europa e do mundo".
"Tudo isso conhecemos, de uma biografia a cuja escrita nós próprios assistimos dia após dia num momento dos mais difíceis da vida da humanidade", disse.
No início da sua intervenção, o chefe de Estado enquadrou o seu elogio como não apenas académico, mas inevitavelmente político, e não neutral, e descreveu-se como um "social-cristão" que "conheceu nos anos 90 proximamente o chanceler Kohl", admirador de Angela Merkel.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu que no passado "comentou a ascensão da elogiada, elogiou-a vezes sem conta, dela divergiu em momentos mais difíceis para Portugal, admirou-a sempre, foi dos primeiros a condecorá-la no fim da sua governação, e a compreendê-la no passado, no presente e no futuro".
Depois, saudou o gesto da Universidade Católica Portuguesa de lhe atribuir um doutoramento honoris causa, que considerou um "gesto digno, nobre, visionário e justíssimo" e ao qual expressou o seu apoio "de todo o coração".
A assistir a esta cerimónia, entre outros convidados, esteve o antigo primeiro-ministro Pedro Passos Coelho.
[Notícia atualizada às 17h32]
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