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'Carrossel' catalão deixa cair Puigdemont ou precipita novas eleições?

Situação política na Catalunha é cada vez mais complexa e as decisões dos tribunais continuam a encostar os independentistas às cordas. Além disso, as divergências no seio dos separatistas começam a vir ao de cima, e a ERC começa a equacionar a hipótese de afastar Puigdemont, apesar de, oficialmente, continuar a manter o apoio ao líder do Juntos pela Catalunha. Caso isto aconteça, virá novo candidato ou a Catalunha terá de ir novamente às urnas?

'Carrossel' catalão deixa cair Puigdemont ou precipita novas eleições?
Notícias ao Minuto

08:28 - 03/02/18 por Pedro Bastos Reis

Mundo Catalunha

No instável 'carrossel' do processo independentista, antecipar os passos seguintes tornou-se cada vez mais difícil, tamanha a complexidade que tem acompanhado os últimos meses na Catalunha. O que parece  mais óbvio a cada dia que passa é que a política parece estar a ser cada vez mais colocada de lado, e os tribunais vão moldando os labirintos em que independentistas e constitucionalistas se vão movendo, sem esquercer, claro, o jogo de bastidores de um e de outro lado. 

A formação da república catalã começou a ganhar forma em outubro, quando os partidos separatistas levaram a cabo um referendo, não reconhecido pelo governo de Madrid, que teve como resultado mais 90% a favor da independência, apesar de nem metade do povo catalão (cerca de 40%) ter votado. Dez dias depois, o líder da Generalitat (governo catalão), Carles Puigdemont, declarou unilateralmente a independência da Catalunha para a suspender logo de seguida. Pretendia estender a mão a Madrid e forçar as negociações, mas recebeu do primeiro ministro-espanhol, Mariano Rajoy, e até do rei de Espanha, Felipe VI, um redondo não. Por esse motivo, e encostado à parede pelos restantes deputados separatistas e pela aplicação do artigo 155 por Madrid, que suspendeu a autonomia catalã, Puigdemont declarou a independência da Catalunha, rejeitada pelos tribunais, e fugiu para Bruxelas, onde continua escondido da justiça espanhola, que o acusa de sedição, rebelião e desvio de dinheiros públicos para o processo independentista.

Com a região sob gestão do governo de Madrid, as eleições de 21 de dezembro deram, para grande derrota política de Rajoy, nova maioria ao bloco separatista. Juntos pela Catalunha, Esquerda Republicana da Catalunha (ERC) e Candidatura de Unidade Popular (CUP) saíram com novo fôlego para lutar pela causa republicana e, desde então, esperam conseguir formar novo governo.

Apesar de o Cidadãos ter sido o partido mais votado, não tem votos suficientes no parlamento para formar governo, como tal coube ao Juntos pela Catalunha (segundo partido mais votado) escolher um candidato para liderar a Generalitat. Como não poderia deixar de ser, Puigdemont foi o nome escolhido, só que o facto de estar em Bruxelas está a impedir a tomada de posse: depois de um recurso apresentado pelo governo de Madrid, o Tribunal Constitucional decidiu que, se quiser ser reeleito presidente da Generalitat, tem de regressar de Bruxelas, pedir autorização ao juiz do Supremo Tribunal Pablo Llarena e aguardar por uma decisão favorável para que possa comparecer no parlamento para ser investido.

Devido a esta decisão, a sessão de investidura marcada para a última terça-feira, 30 de janeiro, foi adiada sem nova data por Roger Torrent, presidente do parlamento catalão e membro da ERC. Nesse sentido, permanece desconhecida uma nova data para a sessão de investidura e o fantasma de novas eleições paira no ar, isto se não for encontrada uma solução nos próximos dias. É neste limbo legal e nesta indefinição que a Catalunha se encontra neste momento.

"Efetiva" é a palavra-chave para a ERC

Para o historiador e professor na Faculdade de Letras da Universidade do Porto Manuel Loff, que se apoia na opinião de diversos constitucionalistas, “o Tribunal Constitucional não tem o direito de interferir no regulamento interno do parlamento da Catalunha”, acusando o Constitucional e governo de Madrid de “quererem capturar Puigdemont” e impedir a investidura do líder do Juntos Pela Catalunha.

“A estratégia seguida há muito tempo pelo governo espanhol é recusar qualquer tipo de negociação política e judicializar o problema da Catalunha como se fosse meramente um problema de tribunais”, afirmou Manuel Loff em declarações ao Notícias ao Minuto. Segundo o historiador, “as pessoas são presas porque é o governo espanhol, ou a procuradoria espanhola por instrução do governo, que abre processos”, pelo que "mais do que obrigar ao regresso a Espanha de Carles Puigdemont, o governo quer impedir que ele seja candidato”.

Nos dias anteriores à sessão de investidura que acabou por não acontecer, muito se especulou sobre se Carles Puigdemont regressaria ou não a Espanha, tendo a detenção como certa. O líder separatista pediu “garantias” ao Constitucional, não as teve, e por isso ficou em Bruxelas, com Barcelona em alvoroço relativamente ao futuro.

Neste cenário de indefinição, a grande responsabilidade caiu sobre as mãos de Roger Torrent, que tomou a difícil decisão de adiar a sessão de investidura, agradando ao seu partido, a ERC, e gerando algum desconforto no Juntos pela Catalunha, que estava convencido de que Puigdemont poderia ser investido à distância, e na CUP, que quer desencadear o processo de criação da república catalã à força, sem receio de violar as decisões dos tribunais.

Apesar de ter adiado a sessão, o presidente do parlamento catalão manteve o apoio a Puigdemont e garantiu que é ele o candidato a ser investido.

Na quinta-feira, em entrevista à RAC1, Torrent garantiu que Puigdemont é o “único candidato à investidura” e que assim continuará a ser, o que não o impediu de pedir “generosidade” ao líder do Juntos pela Catalunha, uma vez que “quando fomos mais generosos fomos melhores”. Por esse motivo, Torrent, que ainda não definiu nova data para a sessão de investidura, deixou bem claro que a tomada de posse só poderá ocorrer “quando estiverem reunidas todas as garantias jurídicas para o presidente Puigdemont e para que a investidura seja efetiva”.

No mesmo sentido, no dia seguinte a esta entrevista a Torrent, a secretária-geral da ERC, Marta Rovira, fez suas as palavras do presidente do parlamento, mas deixou bem claro na sexta-feira que a investidura tem de estar bem definida e, acima de tudo, tem de decorrer dentro da lei.

“Para nós, é fundamental que a investidura não implique improvisos, que não seja feita sem garantias, que seja efetiva e que não implique consequências penais para muita gente”, afirmou Rovira em entrevista à ACN. A ‘número dois’ da ERC congratulou-se ainda com o adiamento da sessão de investidura, que estava prevista para a última terça-feira, uma vez que não estavam reunidas as condições necessárias para a tomada de posse de Puigdemont, e, assim sendo, o bloco independentista “consegue ganhar vários dias para conseguir que a investidura seja efetiva e que garanta a recuperação das instituições” e que não tenha “efeitos judicialmente negativos para muitos deputados”.

"Acabou. Sacrificaram-nos"

A troca de recados entre os partidos independentistas, enquanto Madrid mantém a intransigência relativamente à investidura de Puigdemont, aguardando, talvez, pela convocação de novas eleições na Catalunha, começou a ganhar forma no passado domingo, quando o deputado Joan Tardà, da ERC, admitiu que os independentistas poderiam vir a “sacrificar Puigdemont”, mas não se ficou por aqui.

Esta hipótese foi rapidamente rejeitada por todos os partidos separatistas, que voltaram a garantir não ter outro candidato em vista que não Puigdemont, mas o mal já estava feito e os dias que se seguiram foram alimentando mais polémicas.

A maior, talvez de todo o complexo processo independentista, deu-se na passada quarta-feira. O canal televisivo Telecinco divulgou uma troca de mensagens de telemóvel (enviadas por Puigdemont e que, na verdade, não obtiveram resposta) entre o líder do Juntos pela Catalunha e Antoni Comín, ex-conselheiro da Generalitat e membro da ERC, que também está exilado em Bruxelas.

Nas mensagens divulgadas, Puigdemont dá-se por vencido e admite que o processo independentista chegou ao fim. “Os nossos sacrificaram-nos, pelo menos a mim. Vocês serão conselheiros (espero e desejo), mas eu já estou sacrificado tal como sugeria o Tardà”, escreveu Puigdemont, que depois confirmou a autenticidade das mensagens. O líder do Juntos pela Catalunha disse ainda que pretendia limpar a sua honra e “reputação”, esperando que os ex-conselheiros detidos possam sair em liberdade, “porque se não for assim o ridículo é histórico”.

Como as mensagens chegaram à comunicação social permanece uma incógnita. Teorias da conspiração não faltam e há quem acredite que terá sido o próprio Puigdemont a divulgá-las, para obter ganhos políticos com a situação, numa altura em que a ERC está cada vez mais virada para continuar o processo independentista sem “consequências penais”, como sugeriu Marta Rovira.

Novo candidato ou novas eleições? 

O tempo continua a passar e a verdade é que os separatistas catalães, vencedores nas urnas, começam a perder força e as divergências entre os três partidos começam a vir ao de cima, em particular na ERC, que parece empenhada em seguir um rumo um pouco diferente, apesar de não admitir, pelo menos para já, abdicar de Puigdemont.

Manuel Loff acredita que a prioridade do futuro governo catalão será “recuperar a autonomia” e Puigdemont, considera o historiador, ainda é a pessoa escolhida para que tal aconteça uma vez que o Juntos pela Catalunha foi o partido mais votado e que “o acordo feito [entre os partidos independentistas] é que o Juntos pela Catalunha indica o candidato à liderança do governo e o segundo fica com a presidência do parlamento".

Roger Torrent, da ERC, que já assumiu o seu cargo como presidente do parlamento, ao adiar a sessão de investidura para data incerta, mantendo Puigdemont como candidato à liderença da Generalitat, ganha tempo “para perceber se Carles Puigdemont desiste e se o Juntos pelo Catalunha apresenta um candidato alternativo". A grande questão que se coloca depois é: quem será esse candidato? "A possibilidade é, dentro do partido mais votado dos independentistas, o Juntos pela Catalunha, encontrar uma outra alternativa que consagre como prioridade recuperar a autonomia”, sendo que tal escolha poderá passar por Jordi Sánchez, número dois do partido. O problema? "Sánchez seria outra alternativa, mas repete-se a mesma situação, está preso”, sentencia o professor da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Nesse sentido, analisa ainda Manuel Loff, os independentistas têm duas hipóteses: "ou mantêm o impasse e simbolicamente demonstram ao mundo que o governo espanhol não reconhece o resultado das eleições e não permite que Puigdemont seja reeleito presidente do governo, esgotando os prazos e precipitando novas eleições, ou arranjam uma solução, que é desistirem da candidatura de Carles Puigdemont e apresentarem de um deputado que nem esteja preso nem exilado".

Da forma como a situação tem evoluído nos últimos dias, em que ninguém parece querer abdicar de Puigdemont apesar de irem colocando essa opção nas entrelinhas, o cenário de novas eleições pode começar a ganhar força, uma solução que, diz Manuel Loff, seria mais do agrado de Mariano Rajoy do que de Oriol Junqueras (líder da ERC, preso em Espanha), uma vez que “favoreceria o campo constitucionalista, nomeadamente o Cidadãos”.

"A repetição de eleições pode voltar a ameaçar a unidade do campo independentista, que tem tido muitos altos e baixos mas tudo somado tem continuado a ganhar a batalha política" e, além disso, continua o historiador, "poderia nem tanto aumentar o número de votos à Direita, mas sim desmobilizar eleitores à Esquerda no campo independentista".

Leia mais sobre todo o processo: De um outubro histórico a uma Catalunha sem presidente (ponto por ponto)

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