ONG sem mãos a medir em Lampedusa tal o fluxo de chegadas

As organizações não-governamentais (ONG) humanitárias que operam na ilha italiana de Lampedusa, em terra e no mar, têm trabalhado 24 sobre 24 horas este verão, tal o fluxo de chegadas de migrantes, instalados num centro a 'rebentar pelas costuras'.

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© Ximena Borrazas/SOPA Images/LightRocket via Getty Images

Lusa
01/07/2023 08:14 ‧ 01/07/2023 por Lusa

Mundo

Migrações

De acordo com dados do ministério do Interior italiano, até ao final de junho já chegaram às costas italianas mais de 60 mil migrantes, mais do dobro do número registado no mesmo período do ano passado, e o «centro de acolhimento» ('hotspot') de Lampedusa, o principal destino das embarcações que saem da Líbia e da Tunísia, acolhia no final da passada semana mais de 3.000 pessoas, oito vezes a sua capacidade.

Laurence Bondard, da SOS Mediterranee, uma rede europeia composta por associações de vários países europeus que apoiam operações de salvamento no mar e ações de testemunho e sensibilização, admite à Lusa que esta altura do ano é particularmente delicada.

"As partidas ocorrem ao longo de todo o ano, desde que as condições climatéricas o permitam, a partir das costas. Mas as condições no inverno são extremamente perigosas, pois o mar Mediterrâneo pode mudar e enfurecer-se numa questão de horas, sem aviso prévio. A época de verão é extremamente preocupante, pois podemos esperar mares calmos prolongados e numerosas partidas de embarcações sem condições de navegabilidade e sobrelotadas", diz à Lusa.

Desde 2016, a SOS Mediterranee já resgatou mais de 37 mil pessoas, primeiro com o navio Aquarius e, desde julho de 2019, com o Ocean Viking.

"Os barcos que resgatamos no Mediterrâneo com o Ocean Viking estão gravemente sobrecarregados e não estão em condições de navegabilidade", descreve, apontando que "as pessoas a bordo regra geral não têm coletes de salvação, estão expostas a todos os elementos, e muitas vezes nem sequer têm comida suficiente".

Enquanto a missão de organizações como a SOS Mediterranee é essencialmente o resgate de pessoas em perigo no mar, outras, como a Mediterranean Hope, foca os seus esforços no apoio aos migrantes que desembarcam em Lampedusa, onde criou o Observatório Permanente das Migrações, em 2013, na sequência do trágico naufrágio de outubro desse ano que resultou na morte de 368 pessoas, com a missão de recolher dados e testemunhos, analisar e comunicar as mudanças nos processos migratórios ao largo da ilha e em todo o Mediterrâneo.

Emma pede desculpa à reportagem da Lusa por não encontrar ao longo de dois dias um breve período para ser entrevistada. "Infelizmente, entre ontem e hoje chegaram a Lampedusa quase duas mil pessoas", diz a jovem, que, tal como os seus colegas, passou a noite em branco a processar informação e sabe que terá mais um dia extremamente ocupado.

O fluxo de chegadas a Lampedusa -- há dias em que chegam à costa meia centena de embarcações -- leva a que o 'hotspot' esteja constantemente sobrelotado, mesmo que diariamente sejam processadas centenas de transferências para outros centros de acolhimento, na Sicília.

O eurodeputado italiano Pietro Bartolo, médico natural de Lampedusa que em 2019 trocou a medicina pela política para tentar salvar ainda mais vidas, visitou recentemente o centro de acolhimento, durante uma visita de uma delegação da comissão de Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu, que integrou.

"O centro foi recentemente colocado sob a gestão da Cruz Vermelha italiana e foram realizados trabalhos para melhorar as instalações. O problema é que se temos 800, 1.000 ou 1.500 pessoas a viver juntas numa estrutura construída para acolher 390 pessoas, as condições em que os homens, as mulheres e as crianças são recebidos não podem ser dignas", diz à Lusa.

"A sobrelotação significa não só falta de espaço mínimo para estas pessoas viverem, mas também falta de quartos, camas, comida e pessoal para as ajudar. Isto significa que temos de funcionar numa base de emergência, independentemente de quem está a gerir o serviço", acrescenta.

Ainda assim, conta Laurence Bondard à Lusa, as pessoas que conseguem sobreviver à travessia do Mediterrâneo Central, atualmente a rota migratória mais perigosa do mundo, e alcançar Lampedusa não se arrependem de todo.

"As pessoas que salvamos dizem-nos repetidamente que preferem morrer no mar a ficar na Líbia. Relatam um ciclo de violências tão angustiante, que incluem rapto, tortura, exploração, trabalho forçado, violências sexuais.... Experiências tão violentas, que tenho pudor de relatar em pormenor o que ouvi", afirma.

Esta responsável da SOS Mediterranee adverte que são necessários mais meios marítimos e aéreos equipados e treinados para a busca e salvamento de embarcações em perigo, que podem naufragar a qualquer momento em pleno alto mar, onde por vezes "os ventos e ondas podem ser aterradores", caso contrário as tragédias continuarão a ocorrer nas águas do Mediterrâneo.

"O mar Mediterrâneo precisa de ambulâncias. A União Europeia (UE) tem de restabelecer serviços eficientes de coordenação de busca e salvamento, em conformidade com o direito internacional, e destacar meios específicos para o Mediterrâneo Central. Esta parte do mar tornou-se uma vala comum", aponta.

Defende que "é um espaço humanitário que necessita de uma resposta humanitária europeia", numa altura em que os Estados-membros da UE prosseguem as 'eternas' discussões sobre a reforma das regras de migração e asilo, desde hoje sob a presidência de Espanha, outro país particularmente afetado pela pressão migratória irregular e que reclama a solidariedade dos seus parceiros europeus.

Leia Também: Cerca de 565 migrantes e refugiados chegaram a Lampedusa desde as 00h00

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