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Hugo Falcão: o 'menino' de Almada que quer levar o Piedade a altos voos

Tornou-se o mais jovem treinador das ligas profissionais (27 anos), causou impacto ao afastar o Portimonense da Taça e dá-se agora a conhecer numa entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto.

Hugo Falcão: o 'menino' de Almada que quer levar o Piedade a altos voos
Notícias ao Minuto

07:27 - 25/10/18 por Fábio Aguiar

Desporto Exclusivo

Chama-se Hugo Falcão, tem 27 anos e está a causar sensação no futebol português. Depois de se tornar o mais jovem treinador das ligas profissionais, superando Luís Freire (Estoril), que tem 32, o novo homem do leme do Cova da Piedade conduziu o clube da Segunda Liga a uma das surpresas da 3.ª eliminatória da Taça de Portugal, ao afastar o Portimonense (2-1) da prova. 

Foi o quarto teste do jovem no comando da equipa, após os empates a zero com o Penafiel e o Benfica B, no campeonato, e do triunfo (2-1) sobre o Gondomar na anterior ronda da prova rainha.

Um registo invicto de um treinador com "ambição moderada" e que não tem "medo de desafios". Aliás, foi com essa coragem que abraçou o projeto, depois de ter começado a época como adjunto do antigo técnico Eurico Gomes. 

Sem qualquer tipo de reservas, Falcão dá-se a conhecer numa entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto e revela a sua história que inicia agora um... novo 'voo'.

Notícias ao MinutoHugo Falcão iniciou a época como adjunto de Eurico Gomes, mas acabou por assumir o comando da equipa do Cova da Piedade após a saída do técnico.© Fábio Aguiar

Passaram-se alguns dias depois do Cova da Piedade ter 'feito' Taça, ao eliminar o Portimonense. Ainda se sente o clima de festa?

Não... O que eu disse aos meus jogadores foi para desfrutarem do momento. Eu também o fiz com a minha equipa técnica e com os meus pais, pois foram as pessoas que mais me apoiaram. Mas depois daquele dia senti um crescendo do mediatismo. No dia seguinte fui ver os jornais e todos falavam do Cova. E isso é muito bom. Já disse que o Cova da Piedade foi o meu primeiro clube e acaba por ser benéfico começar aqui como jogador e como treinador. Não quero que todos os dias falem do Cova, mas que quando falarem seja graças a aspetos positivos.

Em que momento do jogo pensaste que, de facto, a vitória poderia cair para o vosso lado?

(pensa) Aos 90', se calhar... Eles alteraram um pouco a forma de jogar. Na primeira parte procuraram muito o jogo interior e isso era o que nós queríamos. Conseguimos anulá-lo muito eficazmente - depois explico-te a forma (risos) - e na segunda parte colocaram mais uma referência na frente, optaram mais por um jogo exterior com cruzamento para situação de finalização e nós acabámos por ter mais dificuldades. Recuámos o Mané, que é o nosso médio-defensivo, para juntos dos centrais, para termos ali um jogo de pares dentro da área, e ficámos só com quatro homens no meio. Isso acabou por retirar alguma capacidade na segunda bola, não atacámos com tanto critério, mas isso também foi muito mérito do Portimonense. Aos 90' e pouco que senti que podia cair para nós.

Próximo adversário na Taça? Eu prefiro chegar mais longe e se puder ter uma equipa do nosso campeonato ou mais a baixo, acho que era fantástico.

O que é te passou pela cabeça quando saiu o Portimonense no sorteio? Que seria o teu teste de fogo?

Bem... Eu acho que o primeiro teste de fogo foi em Penafiel, uma equipa que é sempre candidata a subir e nós empatámos a zero. Esse resultado foi extremamente importante porque eu agarrei-me, os jogadores agarraram-se e tu tens que ter a capacidade de perceber que são os desfechos semanais que vão construindo aquilo que são os teus números. Hoje tenho uns bons números, tanto na Segunda Liga como na Taça de Portugal, mas na altura que saiu o Portimonense pensei: 'É uma equipa da Primeira Liga, nós fomos os primeiros a sair da Segunda e pode ser que isto seja um sinal. Vamos a isso!' Mas foi especial porque eu já tinha jogado contra o super-Portimonense do Vítor Oliveira na primeira época que estive aqui, na Segunda Liga, como adjunto, e empatámos a um golo. E também já os tinha defrontado na primeira temporada no Campeonato de Portugal, numa eliminatória da Taça em que vencemos nos penáltis. Por isso, pensei: 'Bem, não posso perder!' Portanto, quando saiu o Portimonense tentei focar-me muito naquilo que poderíamos controlar. Acabou por resultar porque eles também deixaram dois jogadores muito importantes de fora, o Paulinho e o Nakajima, que em termos ofensivos estão muito à frente da capacidade dos jogadores da Segunda Liga.

Foram menos duas dores de cabeça...

Sim, nós jogámos muito com isso. Eu procuro potenciar muito a individualidade porque em alto rendimento faz toda a diferença. Vou-te dar um exemplo: Toda a gente já criticou e já defendeu a saída do Ronaldo do Real Madrid e eu acho que não devia ter acontecido, pois em termos de números basta comparar a equipa com ele e sem ele.

 Já conseguiram o pior registo de sempre do Real Madrid no que a seca de golos diz respeito...

Exato! Agora há que perceber e gerir a individualidade dentro do coletivo. A individualidade não se sobrepõe ao coletivo, mas é determinante dentro do coletivo. E é um pouco dentro disso que nós procuramos aqui. O Portimonense acabou por não estar bem individualmente em certos momentos e nós aproveitámos.

Só para finalizar o capítulo da Taça, tens preferência pelo próximo adversário?

Eu prefiro chegar mais longe e se puder ter uma equipa do nosso campeonato ou mais a baixo, acho que era fantástico. Aí, as possibilidades equilibram ou aumentam se tivermos o fator casa. Receber um 'grande' tem algumas vantagens em termos económicos, mas em termos desportivos não podemos comparar. Era muito bom passarmos mais uma eliminatória e igualarmos o registo do ano passado.

Notícias ao MinutoClube de Almada ainda não perdeu desde que o jovem assumiu o comando da equipa.© Global Imagens

Alguma vez te imaginaste a comandar uma equipa profissional aos 27 anos?

Tinha um objetivo quando cheguei a este clube (2011). Na altura estava num papel secundário, como adjunto, e, sendo o meu clube de coração, tinha o objetivo de o levar aos campeonatos profissionais. Ainda me rio desse momento, pois, passados cinco anos, recordar o trajeto desde os distritais até à Segunda Liga é fantástico. Mas se me perguntares se imaginava estar a treinar uma equipa profissional aos 27 anos, é claro que não. Ainda tenho muito para aprender, é verdade, mas as coisas foram acontecendo e acredito que estava na fase certa com a oportunidade certa. Talvez pensassem que haveria algum medo da minha parte, em virtude da gestão da carreira, mas isso para mim não existe. A gestão de carreira faz-se diariamente e não a pensar no futuro. O que importa é que as pessoas acreditaram em mim e eu consegui acreditar que podia ser a pessoa certa para a função naquele momento. Podem pensar que foi precoce, vão estar a avaliar-me semanalmente, não deixando que as coisas se desenrolem, mas eu vivo semana a semana, adversário a adversário e até agora tem estado a correr bem.

As pessoas dizem que é uma profissão fantástica e eu digo: 'Epa, então nunca viste um treinador trabalhar.'

Mas afinal, quem é o Hugo Falcão?

(risos) O Falcão é um jovem, com 25 anos... Ai... 27 (risos). Com uma ambição moderada, pois quem é demasiado ambicioso perde o discernimento do que é a realidade envolvente, e acabo por ser um treinador que gosta muito de números, mas que gosta mais de controlar aquilo que pode. E há coisas que nós, treinadores, não somos capazes de controlar. A partir daí tenho as minhas ideias e a minha filosofia. Como vês, estou rouco.. Eu gosto que a equipa esteja 100% focada em tudo o que temos que fazer. Tudo o que fazemos dentro de campo é muito estudado, muito definido e até justificado. O trabalho do treinador não é só dar treino! É gerir tudo o que está à volta, desde elementos da equipa técnica a jogadores e ter a capacidade para olhar e puxar valores. Não é só ao fim de semana ir para o banco e sentares-te. Há coisas que podes corrigir diariamente. Hoje em dia o treinador trabalha de 10 a 12 horas. As pessoas dizem que é uma profissão fantástica e eu digo: 'Epa, então nunca viste um treinador trabalhar.' Há coisas do dia a dia que tu podes aproveitar para o dia de competição e eu vivo muito assim. Quero crescer devagar e ter a minha ambição moderada.

Saber quando arriscar, é isso?

Sim, em Penafiel, o jogo poderia cair para qualquer lado e eu, aos 82', pensei o que seria melhor para a equipa. 'É não perder!' A partir daí comecei a pensar muito mais no empate do que na vitória. E isso é controlar a ambição. É estares a ganhar ao Portimonense 2-0 e ao intervalo ires para o balneário e dizeres aos teus jogadores: 'Parabéns. Do outro lado está uma equipa que não é mais profissional que nós, é igual, mas tem individualidades que já provaram mais no futebol. Há que manter a mesma imagem, sabendo que eles vão criar muitas dificuldades. O meu dia a dia é muito mais de prevenção para que no dia que algo aconteça estarmos preparados.

Falavas há pouco da importância das individualidades. No dia a dia é muito comum ouvirmos os treinadores dizer que não gostam de individualizar. Já que percebi que não és assim...

Não, nada! Sempre fui assim e não tenho qualquer tipo de problemas em ter conversas individuais com jogadores, em gerir expetativas individuais ou em permitir ao jogador que ele conheça as suas possibilidades de intervenção na equipa. Porque ele tem que estar a espera do que tu possas dizer ou da forma como vais reagir. Caso contrário, se for surpreendido, pode ter interpretações que tu não queres. Quando tenho que falar, falo sem qualquer problema. Quando tenho que brincar no início de um treino, faço-o sem problema. Mas quando é para trabalhar e focar, é mesmo para isso mesmo. A individualidade faz a diferença, quer seja o central que consegue anular o melhor marcador da equipa adversária, quer seja o avançado que não faz golos há meses e de um momento para o outro marca. Isso é trabalho! Há que ter a capacidade de perceber a melhor forma de retirar rendimento do jogador, em vez de um jogador dar 60%, dar 70 ou 80%. Outra coisa: Eu vou muito pelo adversário. Procuro as individualidades do outro lado, o que podem ou não fazer e que influencia o jogo.

O Firmino era um jogador que se há três anos me perguntasses se o queria na equipa eu dizia que não. (...) Hoje é um dos capitães!

Montas a estratégia com base nessas 'armas' do adversário? 

Sim, vejo os pontos fortes e fracos e a partir daí temos uma complexidade de aspetos que olhamos mais do que outros. E isso adquire-se com a experiência e com o contexto onde se está. Os números são importantes, mas não definem tudo. Tu podes ter dados quantitativos, mas os qualitativos podem fazer mais a diferença. Só para teres uma ideia, na quinta-feira observei muito o jogo do Sporting com o Portimonense e reparei que o Sporting acelerou pouco, ou seja, sempre que tentou uma transição ofensiva, fê-lo de forma segura, e quando o conseguiu era com pouca objetividade. E nós queríamos o contrário no jogo com o Portimonense, de forma a lhe colocarmos algum medo ou insegurança. Sabíamos que o Portimonense conseguia explorar bem o corredor esquerdo, com muita mobilidade, e colocámos o jogador mais rápido da nossa equipa, o Ballack, nesse corredor, a fazer transições nos primeiros 15 minutos, para que o Manafá, neste caso, acalmasse o seu jogo ofensivo. E acabámos por conseguir, logo aos 9' minutos, numa transição rápida, fazer o golo. É para tu veres que muito mais do que ser coletivo, tens que lidar com pessoas e descobrir o momento em que elas estão. Por exemplo, eu sou muito exigente com o treino. Não sou treinador de fazer uma sessão de 120 minutos. Foco-me entre os 65 e os 90 em função do dia da semana, do tempo, do que quero trabalhar... Enfim, um conjunto de aspetos.

Quantas pessoas não desejam que eu seja um 'flop', que achem que não sou digno de estar no lugar em que estou ou que tudo isto não passou de uma coincidência? E é isso que me dá mais motivação,

Depreendo que, para ti, é totalmente normal definir a ideia de jogo de uma equipa a partir de um determinado jogador que, por um ou outro motivo, faça maior diferença. Estou certo?

Sim! Não tenho problemas em olhar para as individualidades e montar uma ideia de jogo à volta delas... Porque no fundo tu tens que gerir o grupo todo e só o consegues se gerires as individualidades. Eu vou dar-te um exemplo daquele que foi até agora o caso mais importante. O Firmino era um jogador que se há três anos me perguntasses se o queria na equipa eu dizia que não. Pela imagem que ele tinha no U. Madeira! Era um jogador conflituoso, que em 10 jogos somava 5 ou 4, que fazia a diferença em termos individuais, mas em termos de equipa ou alguém não o compreendia ou ele estava menos comprometido, por uma ou outra razão. Olhando apenas para os números, sem saber o contexto, reparávamos que não eram muito favoráveis. Hoje é um dos capitães! Quando eu cheguei este ano tinha uma ideia do Firmino e quando assumi a equipa tinha a fórmula precisa para ele. O que lhe disse foi que era um sortudo por jogar ao pé de casa, porque ele é de Almada, era o único jogador que morava aqui, a outra pessoa que era de cá era eu, e que ambos tínhamos um passado ligado a clubes locais. Por isso, além de capitão, que foi nomeado no início da época, teria que demonstrar como o ser e a forma de lidar com os colegas tinha que moldar um pouco. Não tinha que virar ao contrário, mas mudar. E a minha forma de gerir com ele foi muito simples. Ele tinha que sentir que era dos principais jogadores a encaminhar o Cova da Piedade para o bom caminho e ter consciência que todas as suas reações teriam consequências no grupo. Por isso, perceber o jogador que tens à frente é fundamental. A partilha de ideias é determinante.

Notícias ao MinutoTreinador assumiu a equipa, causou impacto e já renovou contrato até 2020.© Facebook

Como se faz essa gestão com o jogadores com carreiras que dispensam apresentações, como Moreira, Pereirinha, Evaldo, Miguel Rosa...?

A primeira coisa que tens que fazer é definir é o teu papel no grupo. És treinador, és líder. E és durante o processo de treino e de competição. Nos outros podes ser nuns momentos e noutros podes ter uma relação de proximidade. E é isso que tens que saber gerir. Quando aceitei o cargo, uma das coisas que lhes disse foi que não ia mudar a minha forma de ser. Sou assim, sempre fui! Sou divertido, para não usar outro termo (risos), e quem me conhece sabe que é assim. Decidi ser parte integrante da solução e quando assim é e se mostra competência, empenho, organização, entreajuda e resultados, acaba por se ter as pessoas do nosso lado. Quantas pessoas não desejam que eu seja um 'flop', que achem que não sou digno de estar no lugar em que estou ou que tudo isto não passou de uma coincidência? E é isso que me dá mais motivação: Trabalhar todos os dias, perdendo, ganhando ou empatando, numa equipa da Primeira Liga, Segunda ou Campeonato de Portugal. De uma coisa não me podem acusar: É de não ser profissional. Sou-o e bastante e não minto. Sou verdadeiro.

Isso é meio caminho andado para o sucesso...

Lembro-me de um episódio na segunda semana de trabalho. Eu falo muito rápido e alto, por vezes, porque não gosto que haja paragens no treino. O Ballack, um dos nossos melhores jogadores, percebeu mal um feedback meu e eu deixei rolar durante alguns minutos. Depois acabou, toda a gente foi beber água e eu chamei-o. Ele tinha pensado que não tinha sido falta e que eu deixei rolar porque não tinha sido falta. Mas não! Foi falta e eu deixei continuar para acabar a jogada, porque às vezes os árbitros não marcam. Quando ele vinha a chegar ao pé de mim disse: 'Peço desculpa! Sei que errei e ainda bem que me deste aquele tempo para eu perceber porque eu não percebi.' E assim foi... Se fosse outro treinador, talvez tivesse arranjado ali um problema com uma das referências da equipa. É necessário ter algum cuidado... Às vezes, há problemas que têm que ser resolvidos de forma individual.

É na adversidade que se vê o homem e eu, posso dizer-te, estou à espera da primeira derrota. Não quero que aconteça, mas estou à espera para chegar aqui e ver como as pessoas reagem, ver a cara delas.

 Foi fácil aceitar o convite para passares de adjunto para treinador principal?

(pausa) Pelo momento em que a equipa estava e pelo que se tinha passado, eu tive algum receio. Mas passadas algumas horas e depois de falar com algumas pessoas, percebi que estavam a acreditar em mim, que poderia ser uma oportunidade única e que tinha que me esforçar, pois, se queria ser um dia treinador de uma equipa profissional, esta poderia ser a entrada. Claro que houve pessoas que não acharam correto e que entretanto já saíram, como o professor Mariano Barreto. O que eu tenho a dizer é que poderei vir a ser ou não um grande treinador. Como já te disse, há coisas de que nunca me vão acusar: Falta de profissionalismo, de organização ou de compromisso com o clube ou com a entidade para a qual estou a trabalhar. A partir daí, as pessoas podem tirar as suas próprias ilações. Quem sabe se um dia eu não estarei certo e ele errado.

O que é que as pessoas podem esperar do 'teu' Cova da Piedade?

Acho que demos uma boa imagem com o Portimonense. Com o Penafiel e com o Benfica B tivemos uma preocupação de não sofrer golos, de estabilizar a equipa em casa, que tinha perdido duas vezes, uma por 4-2 e outra por 4-0, e acabámos por não sofrer golos, o que foi importante. Ainda não marcámos no campeonato, mas vamos marcar. Acredito que vamos manter um registo sólido em termos defensivos, mas, acima de tudo, agora vivemos de resultados. É bom apresentarmos um bom futebol e uma ideia coerente de jogo, mas não é fácil quando não existiu um período preparatório. As pessoas ficaram muito entusiasmadas no último sábado, mas eu quero que voltem ao estado normal, que é no que eu estou. Jogámos bem, ótimo, mas, se calhar, irão haver jogos onde o terreno nos obrigará a jogar de forma mais direta ou adversários mais fortes que nos farão tentar aproveitar os erros que eventualmente possam cometer. Portanto, é um pouco permitir que a ideia de jogo possa fluir ao longo do tempo, com a consciência de que o mais importante são os resultados. São eles que nos vão ditar o caminho que temos a percorrer dentro do clube. As pessoas têm que dar tempo ao tempo. Quando a equipa não estiver bem, serei o primeiro a assumir. Quando a equipa estiver bem, o mérito é dos jogadores, porque são eles que são tudo. É para eles que treinadores, posto médico, roupeiros, dirigentes, administradores, entre outros, trabalhamos, para lhes dar as melhores condições. É na adversidade que se vê o homem e eu, posso dizer-te, estou à espera da primeira derrota. Não quero que aconteça, mas estou à espera para chegar aqui e ver como as pessoas reagem, ver a cara delas. Porque eu vejo-as sempre e sinto-as todos os dias!

Um dia saí do treino do Oriental e pensei: 'Pah, não vou aceitar as possibilidades que tenho para continuar a jogar. Quero ser treinador.' Não me perguntes porque pensei isto nem como porque também não sei.

E sentiste alguma desconfiança das pessoas, especialmente devido à idade?

Sim, sim... Duas das coisas que aprendi com os meus pais foram valores e princípios que eu guardo e se há coisa que nunca serei é falso. Quando cheguei as pessoas nos corredores diziam que eu tinha três jogos até à próxima paragem para mostrar o meu valor. E isso só me deu mais motivação. A desconfiança que muitas pessoas apresentaram existe porque não me conhecem. Quem me conhece verdadeiramente, perceberá, daqui a algum tempo, se as coisas correrem bem, que eu fui a escolha certa. As que desconfiavam de mim, se calhar, hoje dão-me os parabéns, mas eu continuo igual, a querer ser melhor todos os dias, a acordar com uma paixão enorme pelo que faço, a estar sempre a sorrir e a chegar ao fim do dia e dizer: 'Pah, fiz tudo o que estava previsto, melhorei aqui e ali e amanhã vou tentar fechar este e aquele ponto.' As pessoas que andam no futebol têm tendência para não dar espaço a quem é mais novo e eu penso que o treinador mais jovem é aquele que estará mais preparado no futuro. Quem procura o conhecimento e a experiência vai estar mais preparado para assumir contextos profissionais.

É a tal mentalidade desconfiada...

Sim... Não chega eu agarrar o balneário ou atualizar-me num seminário. Interessa é ganhar experiência em variados contextos e lidar com diferentes pessoas. E eu penso que falta às pessoas que andam no futebol olharem para os jovens de outra forma. O conhecimento está ao alcance de quem o procura e o conhecimento válido é ciência. Há muita gente que esquece a ciência. A experiência dá-nos a leitura de jogo, a identificação de alguns estímulos dentro do próprio jogo e a próriia coordenação que o jogo estabelece, mas há outros que têm a ver com a ciência, nomeadamente o porquê de se mudar de uma defesa individual para defesa à zona, o porquê de colocares um jogador numa determinada posição num canto defensivo, etc. O futebol é muito mais complexo do que aquilo que as pessoas pensam.

Fui tirar desporto, na vertente de treino desportivo e a minha principal prioridade era que o investimento dos meus pais não saísse nulo. Aí, o Falcão que as pessoas conheciam deixou de existir. 

Notícias ao MinutoJovem treinador privilegia a relação frontal e sincera com os jogadores do plantel© Instagram Hugo Falcão

Como é que decidiste que era a carreira de treinador que querias seguir?

Eu tive um passado desportivo nada benéfico em termos de lesões e acabei por chegar aos júniores, no V. Setúbal - tinha passado pelo Cova da Piedade e pelo Benfica -, e pesar que queria desistir. Mas depois acabei por ir à experiência para o Oriental, que na altura era treinado pelo Carlos Manuel. Ofereceram-me 100 ou 150 €, não me lembro bem, e eu na altura pensei: 'O que é que eu estou aqui a fazer? Será que vale a pena?' Não tinha sido um aluno de mérito do 7.º ao 12.º ano, pois era aquele miúdo que tinha o seu grupo de amigos, não era muito de sair à noite, mas passava tardes com eles e com elas... (risos) Sempre com algo ligado ao desporto. E um dia saí do treino do Oriental e pensei: 'Pah, não vou aceitar as possibilidades que tenho para continuar a jogar. Quero ser treinador.' Não me perguntes porque pensei isto nem como porque também não sei. Só sei que queria ter uma profissão e honrar o que os meus pais estavam a fazer. Permitiram-me ir para a faculdade e disseram para eu escolher o que era melhor para mim. Fui tirar desporto, na vertente de treino desportivo e a minha principal prioridade era que o investimento dos meus pais não saísse nulo. Aí, o Falcão que as pessoas conheciam deixou de existir. Fugi um bocado à vida boémia e abdiquei de algumas coisas. Hoje não me arrependo de nada. Tive alguma sorte, conheci pessoas que me ajudaram no meu caminho e sempre tive as oportunidades certas. Tive sempre boas aprendizagens e cresci com todas elas.

Paulo Fonseca é um dos exemplo em que eu me posso focar e caracterizar.

Há algum tempo, li uma declaração curiosa do presidente do Fabril, equipa que treinaste na última época, em que dizia que tinhas "potencial para ser melhor do que Mourinho". Como é que recebes um elogio destes?

Eu lido bem com as críticas e gosto que as pessoas que estão à minha volta tenham outra opinião. Dos elogios gosto, principalmente vindos das pessoas que privam comigo. Não gosto dos elogios das pessoas que não me conhecem porque só veem o que está ali à frente de todos e não todo o trabalho que está por detrás. Já as críticas de quem não me conhece... Nem ligo. É o normal no futebol.

Tens alguma meta de idade para alcançar a Primeira Liga?

Não, não tenho nada traçado. Se chegar da forma tão exponencial como até agora, será mais um desafio e vou tentar cumprir. Mas não tenho essa questão de querer tudo já, até porque, como já disse, tenho uma ambição moderada. Hoje trabalho assim, amanhã vou tentar trabalhar melhor e assim sucessivamente. Depois, as pessoas vão, ou não, querer apostar em mim para patamares mais altos, em função dos resultados. Sinto que se tiver que ficar na Segunda Liga ou aceitar um projeto mais a baixo, que irei fazê-lo, se tiver condições que eu considere que sejam de sucesso, onde as pessoas estão envolvidas para o mesmo objetivo. Aí, qualquer projeto credível será analisado. Mas não tenho aquela vontade de chegar o mais depressa possível.

Notícias ao MinutoFalcão começou a carreira de jogador e de treinador no Cova da Piedade, o seu clube do coração.© Instagram Hugo Falcão

Quais são as tuas maiores referências?

Tenho algumas... Conheci o Paulo Fonseca no Pinhalnovense, na Segunda Divisão B, na altura. Eu era junior e falavam muito bem da equipa dele. Depois, quando foi para o P. Ferreira, pensei: 'Uau, grande salto!' No P. Ferreira acabou por fazer um trabalho bom e depois teve a ascenção que teve. Ele, se calhar, é um dos exemplo em que eu me posso focar e caracterizar. É um dos que mais nome dá aos treinadores portugueses lá fora, tal como Mourinho, que está a passar uma fase menos boa, é verdade, mas que, na minha opinião, se deve mais ao Man. United e não tanto ao próprio Mourinho. Além destes dois, há o Vítor Pereira, que está na China e que já passou pela Alemanha, o Villas Boas, que já passou por clubes de renome... Por isso, é um pouco aproveitarmos as oportunidades que são dadas e aprendermos com os melhores. 

Para terminar, onde te vês daqui a 10 anos?

Olha, vejo-me pai, vejo-me a ir aos jogos do meu filho... Bem, ou filha, porque se for filha também pode querer a bola. Vejo-me a continuar a ser treinador. Tenho o desejo de um dia mais trade treinar no estrangeiro. Não é a questão de querer sair de Portugal, mas sim querer experimentar outras culturas e outras realidades, pois são esse tipo de experiências que ficam para a nossa vida toda. Se um dia surgir, vou ter medo de ir? Se tiver condições, penso que não... Mas neste momento estou focado aqui e em provar que todas as pessoas que trabalham comigo, e eu incluído, temos valor e temos que ser reconhecidos por isso.

A continuar assim...

(risos)

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