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"CDU aberta ao diálogo. Mas não abdica de princípios em troca de lugares"

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o candidato da CDU à autarquia de Lisboa, João Ferreira, não afasta um cenário de acordo pós-eleitoral caso a coligação de Esquerda liderada por Alexandra Leitão saia vencedora. Porém, deixa claro, "a CDU está a disputar todas as responsabilidades, incluindo a presidência da Câmara Municipal de Lisboa."

"CDU aberta ao diálogo. Mas não abdica de princípios em troca de lugares"

© Artur Machado/Global Imagens

Carolina Pereira Soares
07/10/2025 09:55 ‧ há 11 horas por Carolina Pereira Soares

O candidato da CDU (coligação entre o Partido Comunista Português e os Verdes) à Câmara Municipal de Lisboa, João Ferreira, não põe de parte um possível acordo com a coligação de Esquerda, encabeçada pela socialista Alexandra Leitão, no pós-eleições autárquicas. O comunista admite ponderar "as várias opções que se colocam à cidade", deixando claro, no entanto, que o partido não abdica de objetivos por assentos municipais.

 

Entre as diversas medidas, que explica numa entrevista ao Notícias ao Minuto, João Ferreira, propõe-se a colocar cinco mil casas no mercado imobiliário ao longo dos próximos quatro anos de mandato. Para isso, pretende requalificar habitações devolutas, agravar o IMI às 48 mil casas de privados abandonadas em Lisboa (fazendo, assim, pressão para que regressem ao mercado), e implementar uma medida que obrigue novas construções privadas a ceder parte dos fogos para arrendamento acessível.

Na higiene urbana, a grande solução apresentada pela CDU é a recentralização dos serviços na autarquia, permitindo que atue ao nível de cidade e, assim, elimine os problemas de desarticulação com as juntas de freguesia; na segurança, propõe a abertura de mais esquadras, para aumentar o policiamento de proximidade; e na mobilidade defende um alargamento da rede metropolitana, assim como, duplicar o investimento médio anual da autarquia na Carris.

Começo pela estratégia que a CDU adotou nestas eleições, no caso de Lisboa, de não entrar na coligação encabeçada por Alexandra Leitão. Porque é que foi feita esta escolha? 

O projeto e a visão que a CDU tem para Lisboa define-se por oposição a quase tudo aquilo que foi feito ao longo destes últimos quatro anos, mas também por oposição a aspetos importantes do que foram os 14 anos de gestão do PS em Lisboa. Período durante o qual o desenvolvimento da cidade foi deixado nas mãos do especulador imobiliário, onde o urbanismo vigente levou a exclusões várias na fruição da cidade, onde se agravaram problemas ao nível da mobilidade, onde se degradaram serviços públicos essenciais à boa qualidade de vida na cidade (como é o caso da higiene e limpeza urbana), onde se degradaram as condições de gestão de equipamentos municipais, como equipamentos desportivos e culturais. 

Não era possível a Carlos Moedas, nem que o quisesse, ter tomado sozinho decisões que marcaram negativamente a vida na cidade. Tudo isto foi assegurado pelo PS

Portanto, foram diferenças ideológicas que causaram esta divisão? 

Foram não - são diferenças relativamente aos 14 anos de gestão do PS em Lisboa. Relativamente aos quais o PS não fez até hoje nenhum exercício autocrítico, de onde será de supor que tudo o que fez foi bem feito e que continuaria se tivesse oportunidade disso. Nós entendemos que não. Que há opções que foram erradas durante esse período, mas sobretudo, que essa posição do PS se prolongou no mandato atual de Carlos Moedas, ou seja, ao longo dos últimos quatro anos.

No essencial, o PS viabilizou alguns dos piores aspetos da ação governativa de Carlos Moedas. Quando nós olhamos para situações como a viabilização sem condições dos orçamentos municipais, a viabilização de todas as alterações orçamentais, a viabilização de todas as decisões em matéria de impostos, de licenciamentos urbanísticos... Não era possível a Carlos Moedas, nem que o quisesse, ter tomado sozinho decisões que marcaram negativamente a vida na cidade. Tudo isto foi assegurado pelo PS.

Alexandra Leitão já disse que, no final das eleições, perante os resultados, tem abertura para falar com a CDU. A CDU tem abertura também para esse diálogo?

A CDU tem sempre abertura para o diálogo. Ao longo deste mandato nós dialogámos com todas as forças, inclusivamente com a atual gestão. Fomos uma oposição, em primeiro lugar, crítica, que nunca abdicou de denunciar aquilo que estava mal. Fomos também uma oposição construtiva, sempre propusemos, porque é esse o papel da oposição, tal como nós o entendemos. Nós não entendemos a oposição como alguém que deve cruzar os braços durante quatro anos e aprovar de cruz tudo o que quem tem a gestão da cidade nas mãos lhe submete. Aliás, como fez o PS em grande medida, pelas opções relativamente a orçamentos, alterações orçamentais, decisões em matérias de impostos, licenciamentos urbanísticos - foi tudo de cruz. Ora, nós não temos essa visão da oposição e porque não temos, ao longo desses anos, tivemos sempre um papel propositivo que nos levou a falar com todos, a falar com as outras forças que estavam na oposição, a falar também com quem tem o governo da cidade nas mãos.

Já demos provas de não estar dispostos a abdicar de objetivos para nós essenciais ou de princípios em troca de lugares. Os lugares só serão importantes na medida em que nos possibilitem concretizar objetivos que temos para a cidade

Caso os resultados agora destas eleições confirmem o empate técnico, que temos visto muitas vezes nas sondagens, e os votos na CDU sejam decisivos, por exemplo, para a coligação de Alexandra Leitão conseguir a autarquia, a CDU aceita um acordo?  

Os resultados das eleições não estão decididos e a CDU neste momento está a bater-se, está a disputar todas as responsabilidades, incluindo a presidência da Câmara Municipal de Lisboa. A CDU tem vindo em crescendo. Outros têm tido a evolução contrária, do ponto de vista do reconhecimento e do apoio popular. Ora, não vamos ser nós a limitar o ponto até onde podemos chegar. Pelo contrário, nesta altura, nós o que temos a dizer é que estamos preparados e dispostos a ir tão longe quanto os lisboetas queiram. Sentimos que temos condições que outras candidaturas não reúnem para assumir a gestão da cidade. Portanto, é nisso que estamos concentrados. Depois das eleições, teremos de avaliar o quadro que resulta dessas eleições. Sendo certo que há uma postura da CDU de princípio que é de valorizar as características do poder local. Os executivos municipais são plurais. Há quem não queira que assim seja. Há quem já tenha dito que acha mal que assim seja. Por exemplo, o Partido Socialista tinha o entendimento de que os executivos municipais deviam ser só de uma cor. Não é o nosso entendimento. Consoante o quadro que resulte das eleições e tendo sempre presente, que nós vamos eleger não um presidente, mas um presidente e 16 vereadores (17 membros no executivo municipal) é olhando para o que resulte desse quadro, que depois vamos ver quais são as opções que se colocam à cidade. E, naturalmente, ponderaremos as várias opções que se colocam à cidade - não deixaremos de o ponderar. Acho que já demos provas de não estar dispostos a abdicar de objetivos para nós essenciais ou de princípios em troca de lugares. Os lugares só serão importantes na medida em que nos possibilitem concretizar objetivos que temos para a cidade.

Passando agora, então, para o programa eleitoral em concreto da CDU para a cidade de Lisboa, começo por perguntar sobre a habitação na capital. No programa eleitoral da CDU consta uma medida que fala de uma “via verde urbanística para habitação não especulativa”. O que é que isto quer dizer exatamente? 

Isso significa criar nos serviços municipais capacidade não só de incentivar algumas dessas soluções, de as dinamizar, mas no sentido também de as aprovar e despachar com a rapidez possível.

A Câmara, na sua Carta Municipal de Habitação, prevê construir, no prazo de uma década, cerca de 10 mil casas em 10 anos. Ora, nós estamos a falar de 48 mil que estão disponíveis já hoje e que estão vazias 

Soluções... está a falar de construção de casas efetivas? 

De construção e de reabilitação, essencialmente. Construção de habitação nova, seja promoção direta pela Câmara Municipal de Lisboa, seja em articulação com cooperativas ou com soluções do tipo parcerias. É uma das soluções que nós defendemos, seguindo exemplos que têm vindo de outros países, em que a câmara entra em parceria com organizações da comunidade, no sentido de produzir habitação em terrenos municipais. Não através da autarquia, mas por essa outra parte, na qual se retire da equação da formação do preço final das casas o fator solo (o valor especulativo do solo), isso permite-nos fazer aproximar o preço final das casas ao preço de custo das casas.

Algo semelhante àquilo que já acontece em construção de cooperativas. 

De certa forma, sim. É uma solução que se aproxima daquilo que acontece com as cooperativas. Ora, nós temos de garantir nos serviços de urbanismo essa tal 'via verde', ou seja, assegurar não apenas o apoio a todos aqueles que se mobilizem para estas soluções, mas garantir a aprovação rápida dos projetos que apareçam. Garantir colaboração na elaboração dos projetos e uma aprovação rápida desses projetos. É isto o sentido de uma "via verde urbanística para habitação não-especulativa". 

No vosso programa falam também em 48 mil casas vazias em Lisboa. Qual é que é o plano para estas casas, sendo que pertencem a privados?

Essas casas são privadas, portanto a Câmara não pode dispor desse património. O que pode é usar de instrumentos que a lei, neste momento, põe ao seu alcance para incentivar a colocação dessas casas no mercado. Conseguindo com isso um efeito na redução dos preços. 48 mil casas é um número muito significativo de casas. Para termos uma ideia,  a Câmara, na sua Carta Municipal de Habitação, prevê construir, no prazo de uma década, cerca de 10 mil casas em 10 anos. Ora, nós estamos a falar de 48 mil que estão disponíveis já hoje e que estão vazias. 

Mas como é que é a Câmara pode fazer isso? 

A Câmara não pode dispor delas porque, como digo, são casas privadas. Mas a Câmara tem instrumentos na sua mão que pode utilizar para incentivar a sua colocação no mercado. Um desses instrumentos é o agravamento do IMI. Ou seja, as casas que estão devolutas há mais de X anos, que não pagam sequer faturas de água, e há várias casas dessas 48 mil - mais de 30 mil estão nestas condições. 

Neste momento, dessas 48 mil casas, os números de que dispomos dizem que 30 mil teriam condições para ver o IMI agravado, e só 6 a 7 mil têm

Mas muitas delas não serão também casas que não estão próprias para habitação?

Essa é uma avaliação que a Câmara terá de fazer. Muitas estão. Outras eventualmente não estarão. E aí é que a Câmara pode entrar de forma articulada com os proprietários a partir de programas municipais já existentes. Por exemplo, a Câmara tem neste momento um programa - que foi criado em 2018, por iniciativa da CDU - que é o Programa de Arrendamento a Custos Acessíveis, o PACA, que prevê, entre outros aspetos, uma interação com proprietários que querem colocar património seu numa bolsa de fogos para arrendamento a custos acessíveis. Ora, a Câmara pode entrar em articulação com esses proprietários no sentido de garantir a possibilidade - mediante incentivos adequados - de eles integrarem essa bolsa de arrendamento a custos acessíveis. 

Portanto, a Câmara iria agir como um intermediário entre o proprietário e a pessoa que arrenda a propriedade.

Exatamente. Portanto, no fundo, esta mobilização dos devolutos pode ocorrer a partir de instrumentos de incentivo e a partir de instrumentos que penalizem a manutenção das casas na situação de devolutas. E aqui é que entra o agravamento do IMI. Neste momento, dessas 48 mil casas, os números de que dispomos dizem que 30 mil teriam condições para ver o IMI agravado, e só 6 a 7 mil têm. E, portanto, há aqui uma enorme margem para usar este instrumento no sentido de incentivar a colocação no mercado de arrendamento ou venda dessas casas, conseguindo com isso um efeito também de contenção nos preços do arrendamento e da venda. 

Tendo em conta as contas que o partido terá feito, quantas casas exatamente é que a CDU acha que consegue pôr no mercado nos próximos quatro anos? 

Nós propomo-nos a seguir aquilo que no fundo está previsto na Carta Municipal de Habitação. A Carta Municipal de Habitação aponta para 10/11 mil casas, à volta disso, no horizonte de uma década. Nós entendemos que seria adequado neste primeiro mandato apontar à mobilização de cerca de 5 mil casas.

Contando com devolutos e casas novas?

Contando com as várias soluções. Ou seja, não será tudo promoção direta pela Câmara Municipal de Lisboa, uma parte será promoção direta pela Câmara, construção ou reabilitação de património seu que não esteja em condições de ser habitado, e depois entram as outras soluções de que falei: parcerias público-comunitário e público-público, soluções cooperativas e também uma outra coisa que é o chamado zonamento inclusivo. Ou seja,  a inserção de uma obrigação de cedência nas novas operações urbanísticas de construção de habitação que condicione os promotores imobiliários à cedência de uma parte das habitações construídas para afetação a um regime de renda acessível.

Mas isso já não é uma medida nova. Está já prevista no documento Grandes Opções do Plano 2019-2022. 

Mas que ainda não foi efetivada, na verdade. Ela está prevista na Carta Municipal de Habitação, mas ainda não foi efetivada, ainda não andou para a frente. 

Passando agora a outro tema, a segurança, que também tem sido um tema muito falado pelos portugueses nos últimos meses. A CDU tem 10 medidas para a segurança no programa eleitoral. Passa muito pela reabertura de esquadras, e, neste sentido, pergunto-lhe: onde é que estão os profissionais para estas esquadras, sendo que sabemos que há uma crise de recursos humanos no que toca à polícia? 

Sim, eles têm de ser formados. Têm de ser formados e para que sejam formados têm de ser garantidas as devidas condições. Nós sabemos que existe essa falta de recursos humanos, mesmo os cursos que têm sido abertos para a formação de novas polícias têm ficado com vagas por preencher. Ora aqui não há volta a dar, só melhorando a condição social desta profissão é que nós podemos atrair gente nova à profissão, mas essa é uma responsabilidade do Governo, não é uma responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa. 

A política das super-esquadras, que levou ao encerramento de esquadras de proximidade, de esquadras de bairro, foi uma opção errada. Portanto aquilo que defendemos é reverter esse caminho

Mas até que ponto é que a medida da CDU para a reabertura de mais esquadras não é um tiro no escuro, sendo que haveria mais esquadras e não haveria esses profissionais?

Nós não podemos aceitar que esses profissionais não existam. Esses profissionais têm de existir. Esses profissionais terão de ser formados, terão de existir. Nós estamos com uma situação de défice de profissionais, é uma evidência que esse défice tem de ser colmatado. Por outro lado, na distribuição do dispositivo existente, ao longo dos anos houve uma tendência para concentrar o número de efetivos em grandes esquadras, em grandes concentrações. Nós achamos que isso foi uma opção errada. A política das super-esquadras, que levou ao encerramento de esquadras de proximidade, de esquadras de bairro, foi uma opção errada. Portanto aquilo que defendemos é reverter esse caminho, ou seja, haver uma organização do dispositivo que privilegie uma presença de proximidade, uma presença de bairro, uma presença nas freguesias. E daí a reabertura de esquadras. Evidentemente não queremos esquadras vazias, queremos esquadras com efetivos. Aquilo que acontece é que quando as esquadras encerraram, a grande justificação, que ouvimos, tanto da parte responsável do PS como do PSD, era: "Nós encerrámos as esquadras porque precisamos dos polícias na rua, não é nas esquadras". Ora, as esquadras encerraram e hoje não temos polícias nem nas esquadras nem na rua. Este é o problema. Nós achamos que deve haver uma abordagem preventiva em primeiro lugar ao problema da segurança, requer várias coisas, entre elas um policiamento de proximidade. Um policiamento que fomente a criação de laços de vizinhança com as comunidades residentes, que leva a que as comunidades e as forças de segurança se conheçam mutuamente. Isso facilita a criação de um clima de segurança.  

Nós temos de encarar o problema da segurança numa perspetiva ampla, nas intervenções que se fazem também no espaço público, nas condições de iluminação pública que são garantidas

E também combate o sentimento de insegurança que a população sente.

E combate o sentimento de insegurança. Nós temos exemplos de esquadras que encerraram - esquadras desse tipo, de bairro, de proximidade - que a partir do momento em que encerraram,  levaram a um aumento do sentimento de insegurança das populações. Um aumento que se suporta, na ocorrência, de alguma pequena criminalidade, que até ao momento em que a esquadra funcionava, não ocorria,  ou se ocorria era em muito menor grau. O exemplo da esquadra de Carnide é paradigmático desse ponto de vista. O encerramento da esquadra de Carnide, que encerrou com o pretexto de que não tinha condições para funcionar onde estava a funcionar. Curiosamente era uma esquadra que funcionava em instalações municipais.

Não se percebe como é que até hoje, se a esquadra encerrou com essa desculpa de que não tinha condições, a câmara não garantiu - e era obrigação da câmara garantir as obras necessárias para que não pudesse ser esse o argumento para encerrar a esquadra. Não o fez e não o fez durante o mandato do PS e não o fez durante o mandato de Carlos Moedas. Ora, é um exemplo de uma esquadra que assegurava uma função dissuasora da criminalidade, que se inseria numa abordagem preventiva de que a população beneficiava. A existência desses laços de proximidade, de vizinhança entre forças de segurança e as comunidades é favorável na criação desse clima de segurança. Claro, depois há todo um trabalho, ainda dentro desta abordagem preventiva, no campo social que também não tem sido feito. Por exemplo, nós sabemos que há uma parte da criminalidade hoje que está associada ao tráfico e ao consumo de estupefacientes. Nós temos de criar condições para atacar esse problema e isso não tem sido feito. Nós precisamos trazer essas pessoas ao Serviço Nacional de Saúde, a caminhos de reabilitação e de reinserção social, com isso também ajudando a combater alguma criminalidade, que está normalmente associada também a esse tipo de situações.

Nós temos de encarar o problema da segurança numa perspetiva ampla, nas intervenções que se fazem também no espaço público, nas condições de iluminação pública que são garantidas, uma rua com condições para ser usufruída pela população é uma rua mais segura. Para isso são necessárias soluções urbanísticas de qualidade, mobiliário urbano de qualidade, iluminação pública: tudo isto faz parte dessa abordagem preventiva ao problema da segurança. 

A lavagem de ruas é uma daquelas competências que nós entendemos que deve ser reassumida pela Câmara Municipal de Lisboa, que deve intervir à escala de cidade, numa perspectiva integrada, recuperando a capacidade que já teve e que perdeu

Pegando também nessa parte das soluções urbanísticas, um outro problema que deixa os lisboetas muito preocupados é o da higiene urbana e a requalificação do espaço urbano. A grande medida que a CDU tem para esta situação é a recentralização do serviço de higiene urbana de volta na Câmara Municipal de Lisboa. Isto vai resolver o problema? 

Por si só, não. Porque não podemos dizer que tudo estivesse perfeito quando a câmara tinha capacidade de intervir em toda a cidade. Nós achamos que isso é parte da solução, ou seja, a câmara deve voltar a recuperar algumas das tarefas que já teve, mas deve recuperar também capacidade para exercer essas tarefas. Isso implica adotar a câmara dos meios, materiais e humanos, para levar a cabo, de uma forma integrada à escala de cidade, um conjunto de ações que são essenciais à limpeza e higiene urbana. A recolha do lixo é uma delas, mas não é a única. Mas hoje é a única que a câmara assegura. A lavagem de ruas é outra, que a câmara deixou de assegurar. A lavagem de ruas é uma daquelas competências que nós entendemos que deve ser reassumida pela Câmara Municipal de Lisboa, que deve intervir à escala de cidade, numa perspectiva integrada, recuperando a capacidade que já teve e que perdeu. Não excluímos que as juntas possam ter também um papel - devem ter um papel na higiene e limpeza urbana. Isso deve ser feito preferencialmente por via de uma delegação de competências e não de forma obrigatória, atirando para as juntas de freguesia competências que elas, ao longo destes anos, mostraram não ter os meios para poder assegurar. Aliás, não é por acaso que anualmente a câmara despeja nas juntas de freguesia milhões de euros para que elas possam exercer capazmente uma competência que é a sua. Ora, isto não tem sentido. Porque se a competência é das juntas, elas têm que ter ‘per si’ os meios para as exercer. Não podem estar dependentes de transferências financeiras da câmara. Porque um dia a câmara pode chegar e dizer: "Não transferimos o dinheiro", e a junta fica sem poder exercer as competências. Isto não faz qualquer sentido. Mas isto demonstra que quando se atiraram competências para cima das juntas no domínio da higiene e limpeza urbana, não lhe foram dados os meios suficientes para isso. E daí muitos dos problemas que nós hoje temos, que também têm que ver com a desarticulação: há problemas de falta de articulação, de falta de coordenação, de ineficiência na ação das juntas. Nós temos uma higiene de limpeza urbana que não obstante ser mais cara, produz resultados piores. A capacidade da câmara intervir à escala de cidade de uma forma integrada, faz com que tenhamos economias de escala, nomeadamente no uso dos equipamentos de limpeza, que se perderam quando tivemos que multiplicar esses meios por 25 freguesias. 

Nós precisamos de retirar muita gente do transporte individual. O meio primordial para isso é aumentar significativamente a qualidade e a quantidade dos transportes públicos

Um último tema: o da mobilidade. No programa da CDU há várias propostas para melhorar o transporte público, contudo não há propostas específicas para o desagravamento do trânsito que é um dos flagelos dos lisboetas e de quem vai trabalhar para Lisboa. Como é que pretendem resolver esta situação? 

A melhoria do transporte público é o meio primordial para nós captarmos os muitos utilizadores usam o transporte individual para o transporte público. Nós precisamos de retirar muita gente do transporte individual,  diminuir a quota modal do transporte individual, do automóvel, e aumentar a quota modal do transporte público. O meio primordial para isso é aumentar significativamente a qualidade e a quantidade dos transportes públicos. É a principal medida, eu diria.

Mas o aumento da linha do metro, por exemplo, não vai ajudar quem já vive em Lisboa? Quem vem de fora, que é a grande maioria das pessoas que vêm para Lisboa todos os dias, não vai usufruir dessa mesma forma, da linha do metropolitano, e, portanto, mantém-se o problema do trânsito.

Sim e não. Ou seja, sim, porque o metro, de facto, está maioritariamente no concelho de Lisboa, mas o próprio nome dele ‘metropolitano’ pressupõe um desenvolvimento à escala da área metropolitana. O metro hoje chega a Odivelas. Não chega a Loures, embora há muito tempo que esteja prevista essa ligação e há muito tempo que já devia ter sido feita. Ela foi adiada porque se preferiu gastar dinheiro a fazer uma linha circular na zona central da cidade, que é um erro gigantesco do ponto de vista da mobilidade na cidade. Tem riscos tremendos. Mas já podia ter chegado a Loures. Nós já temos o metro no concelho da Amadora também. Poderíamos levar o metro e devíamos para a zona ocidental da cidade de Lisboa até à proximidade, ou mesmo entrando, no concelho de Oeiras também. A zona ocidental é não apenas Alcântara, mas Ajuda, Belém; portanto, até à fronteira com o concelho de Oeiras. É necessário não perder de vista o desenvolvimento da rede do metropolitano. Mas há uma questão: é que no desenvolvimento da rede do metropolitano, a câmara tem uma palavra a dizer nisso, mas não é a câmara que determina por si só as opções de desenvolvimento da rede. A câmara deve ter uma palavra, deve defender o desenvolvimento da rede. No imediato, por exemplo,  levar a Linha Amarela até ao concelho de Loures, prolongar a Linha Vermelha para a zona ocidental de Lisboa; ligar, na coroa periférica norte da cidade, a Linha Verde à Linha Azul, prolongando o troço que hoje acaba em Telheiras; levando o outro lado da Linha Vermelha à Alta de Lisboa… São opções que estão estudadas há muito tempo e que têm que ser concretizadas. Mas, é verdade, isso continua a não assegurar por si só as necessidades de mobilidade, seja na cidade, seja sobretudo ao nível metropolitano. É aí que precisamos de outros instrumentos. 

Quais?

Há vários desde logo. Um, que está nas mãos da Câmara Municipal de Lisboa: a Carris. A Carris, do nosso ponto de vista, tem que ter um aumento substancial do investimento. Neste mandato que nos propomos é duplicar o investimento médio anual executado na Carris. Desde a municipalização esse investimento anda na casa dos 27 milhões de euros por ano, e portanto, nós propomos, em quatro anos,  duplicar esse investimento médio anual executado. Ou seja, passar para algo em torno dos 54 milhões de euros de investimento executados. Porquê? Porque só assim podemos ter mais percursos,  mais autocarros, mais carreiras, mais horários. Devemos aliás fazer uma reformulação geral da rede da Carris, que não acontece há mais de 18 anos. Nós defendemos essa reformulação geral da rede da Carris. A cidade não é hoje a mesma que tínhamos há 18 anos e, portanto, temos de prever uma organização da rede que sirva melhor as necessidades de mobilidade da população. Para isso precisamos de mais investimento. É por isso que dizemos que a prioridade para nós é aumentar a quantidade e a qualidade da oferta mais do que prosseguir reduções do preço tendentes, no imediato, à gratuitidade. 

Outra proposta que temos no nosso programa é a de que precisamos de mais corredores BUS

Não vai acontecer o mesmo que já acontece tantas vezes hoje em dia que é: até há autocarros, mas ficam presos no trânsito e atrasam-se, às vezes, horas?  

Não há número de autocarros suficientes, mas, não obstante, esse problema existe porque não há vias desimpedidas suficientes de circulação exclusiva a transportes públicos na cidade. Outra proposta que temos no nosso programa é a de que precisamos de mais corredores BUS.

Como é que iriam fazer isso? Isso implica mudar a planificação das estradas?

Implica reservar mais corredores BUS em várias das estradas em que isso é possível e fiscalizar esses corredores para garantir uma maior velocidade comercial de circulação dos autocarros. Um dos problemas que temos hoje é que a velocidade de circulação dos autocarros se tornou muito baixa - a velocidade média. Como é que podemos aumentar essa velocidade? Desde logo, garantindo mais corredores BUS e corredores que estejam desimpedidos, que não sejam utilizados indevidamente. Nem alguns casos é possível também proceder a uma adaptação da frota. Os autocarros não têm que ser todos da mesma dimensão em todas as zonas da cidade. Em algumas teremos vantagem em ter autocarros mais pequenos, que possam mais rapidamente fazer determinado tipo de percurso. Mas estou ainda e só a falar da Carris. Num plano metropolitano, nós temos que ter em conta outras coisas: a Carris Metropolitana. A Carris Metropolitana pertence a uma empresa que é a Transportes Metropolitanos de Lisboa. A Câmara de Lisboa é parte dessa empresa, assim como as outras câmaras da Área Metropolitana de Lisboa. A Carris Metropolitana tem vindo a dar passos no sentido de melhorar o seu funcionamento. Aquilo que dizia, as pessoas que vêm de concelhos de fora de Lisboa, que todos os dias têm que entrar em Lisboa para trabalhar e que saem ao final do dia: há, pelo menos, 400 mil dessas pessoas que o fazem de carro. Como é que nós podemos impedir isso? Só conseguimos tendo melhores transportes também à escala metropolitana e isso exige que a Carris Metropolitana aprofunde um caminho que tem vindo a fazer de alguma forma de melhoria do seu serviço, mas que é ainda muito insuficiente. O investimento do transporte público é crucial para desviar pessoas do automóvel.

Há outras medidas? Pode haver. Por exemplo, nas deslocações metropolitanas, criando parques de dissuasores, junto a interfaces de transporte público, gratuitos, seguros, para que as pessoas, antes de entrar na cidade, possam levar até a interface de transporte público mais próximo o seu automóvel e depois poder usar o transporte público - desejavelmente com uma oferta melhorada, como eu dizia. Dentro da cidade, desincentivando os usos de curta distância: há muita utilização do carro para deslocações inferiores a cinco quilómetros dentro de Lisboa. Por exemplo,  nós temos na cidade um grande número de parques de estacionamento subterrâneos que foram concessionados a empresas privadas e que estão subutilizados. Têm um grande número de lugares vazios, não estão devidamente aproveitados. Eu não estou a dizer construir novos parques, são parques já existentes e que estão subaproveitados. Ora, uma das propostas que nós fizemos, no mandato que agora está a terminar, foi que a câmara reavaliasse essas concessões na perspetiva de poder resgatar algumas delas, voltar a trazer à gestão da câmara algumas dessas concessões. E gerindo a câmara esses parques,  fazê-lo de forma a incentivar um estacionamento de longa duração, em detrimento do estacionamento rotativo. Para quê? Para garantir que as pessoas tenham onde deixar o carro de forma segura durante o maior tempo possível, usando em alternativa ou o transporte público ou meios de mobilidade suave.

Para finalizar é a outra componente que faltava aqui nisto tudo. Nós temos conseguido que a mobilidade suave cresça na cidade, sobretudo as bicicletas, a mobilidade pedonal. Há hoje mais predisposição de uma parte crescente da população para usar esses meios de transporte. Eu diria que a disponibilidade que existe não é acompanhada por medidas da gestão municipal no sentido de assegurar uma oferta capaz de responder a essa vontade e essa apetência. É por isso que temos um sistema de bicicletas partilhadas GIRA, que podia ser gratuito para todos aqueles que vivem e trabalham em Lisboa e que têm um passe social, mas temos um sistema que não responde,  porque tem um número insuficiente de estações, um número insuficiente de bicicletas avarias recorrentes, problemas com a gestão do sistema, nomeadamente com a aplicação informática que faz a gestão do sistema. Portanto, há muito por fazer também no que toca à mobilidade suave. E é uma componente quanto a nós - não é componente central, essa será o transporte público - mas é uma componente importante no sistema de mobilidade sustentável.

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