Manuel Pizarro é uma figura indissociável da cidade do Porto, onde construiu a sua carreira médica e política. Após uma passagem pelo Parlamento Europeu e pelo Governo, como ministro da Saúde, o socialista regressa agora ao palco autárquico com foco na cidade pela qual tem "um amor incondicional".
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o candidato do Partido Socialista (PS) à Câmara Municipal do Porto, nas eleições autárquicas de domingo, 12 de outubro, falou das questões que estão no centro da sua agenda e do debate público na Invicta: a habitação, a segurança e a mobilidade, sem esquecer a saúde, tema sobre o qual tem um conhecimento profundo e espera vir a ter uma "intervenção muito generosa".
O facto de ser um veterano na corrida autárquica não deixa Manuel Pizarro demasiado confortável. As sondagens apontam que está taco-a-taco com o principal opositor, Pedro Duarte, do PSD.
Porém, acredita que a experiência como vereador tenha vantagens e que à terceira seja mesmo de vez. Que os portuenses lhe dêem nestas eleições a "oportunidade de servir o Porto como presidente da Câmara".
Renda moderada é um T1 a 400 euros, um T2 a 550 euros, um T3 a 700 euros. Isto é renda moderada. Nem sequer é renda barata. É renda moderada. É renda que as pessoas da classe média, é renda que os jovens podem aspirar a poder pagar
A habitação tem sido um dos temas que mais debate tem originado nas últimas eleições, principalmente, no Porto e em Lisboa, onde os moradores lidam com muitas dificuldades tanto para comprar como para arrendar casa. Uma das principais bandeiras da sua campanha está, precisamente, relacionada com esta problemática. Se for eleito presidente da Câmara Municipal do Porto qual será a primeira medida que promete tomar nesta área?
Logo no dia imediatamente a seguir vou promover na Câmara uma reunião com todos os parceiros do setor. Aqueles que me ajudaram a construir o meu programa de habitação, o programa 'Habitar no Porto'. Porque acho que o meu programa é inovador. Eu não nego nada do que as outras pessoas têm dito. Sim, o turismo pressionou o acesso à habitação. Sim, há 20 mil fogos devolutos no Porto. Mas tudo isso não identifica o essencial do problema. O essencial é que há um problema de oferta. E é a falta de oferta que originou o sobreaquecimento dos preços. Em quatro/cinco anos, entre 2020 e 2024, arrendar casa no Porto aumentou 72%.
Ora, se o problema é a oferta, eu tenho de promover um choque na oferta. O choque na oferta é o 'Habitar no Porto'. Usar os terrenos da Câmara e os terrenos do Estado, organizar parcerias com os privados e com as cooperativas e disponibilizar 5 mil casas de renda moderada.
Quando eu apresentei isto no dia 10 de julho, ainda a renda moderada era um conceito decente. Depois, o Governo, agora, na semana passada, apresentou um programa de renda moderada que diz que renda moderada vai até 2.300 euros e transformou o conceito de renda moderada numa coisa miserável. Por isso, sinto-me obrigado a dizer o que é que é a renda moderada. Renda moderada é um T1 a 400 euros, um T2 a 550 euros, um T3 a 700 euros. Isto é renda moderada. Nem sequer é renda barata. É renda moderada. É renda que as pessoas da classe média, é renda que os jovens podem aspirar a poder pagar.
E como é que pretende equilibrar o desenvolvimento turístico com a qualidade de vida dos residentes? É que nos últimos anos o Porto também se tem tornado uma cidade atrativa para o turismo...
Numa cidade que tem mais de 20 mil fogos devultos, é difícil dizer que é o turismo que perturbou o acesso à habitação. Não estou a dizer que isso não possa ter acontecido pontualmente. E não estou, evidentemente, a negar que o turismo não tenha contribuído para o sobreaquecimento dos preços, mas temos de ser mais engenhosos a perceber que o tema não está aí.
O tema está mesmo na oferta. E é por isso que uma parte importante do meu programa é aumentar a oferta. Cinco mil casas, a renda moderada, construídas por privados ou por cooperativas para que os jovens e a classe média de Porto tenham acesso à habitação.
E qual a sua posição quanto ao projeto urbanístico da Avenida Nun' Álvares, envolvido em polémica devido à construção de três torres com 25 pisos?
Se dependesse de mim, aquilo não tinha sido licenciado daquela forma. Acho que há um risco de que a solução urbanística encontrada seja muito agressiva para aquilo que é a imagem do Porto, incluindo a imagem da Foz do Porto. Isto dito, espero que agora se vejam no estudo de impacto ambiental quais são, efetivamente, os impactos mensuráveis daquele projeto. E que seja assegurado por parte da Câmara, que é quem aprovou este projeto, qual é o espaço livre, o espaço de uso público, de jardins, que vai ser libertado com essa ideia inusitada de torres de 25 andares ou mais, e qual é o espaço do canal de mobilidade. Isto é, dá mesmo para aquilo tudo? Duas faixas de trânsito em cada sentido, mais uma pista ciclável em cada sentido, mais um passeio de quatro metros em cada sentido? Eu gostava de ouvir garantias sobre isso.
Nós não podemos fazer com que as pessoas escolham os autocarros, porque proibimos os carros. Isso não vai resultar. Mas é porque as pessoas se convencem que o autocarro é boa a alternativa
A rede de transportes públicos do Porto também tem sido alvo de discussão. Que medidas em concreto propõe para a melhorar e tornar mais eficiente?
Dar prioridade efetiva ao transporte público. Uma coisa é proclamar a prioridade, outra coisa é dar-lhe prioridade efetiva. O que é que eu quero dizer com isto? Aumentar os corredores bus, neste momento são 15 quilómetros e eu vou aumentar para 25 quilómetros. Segundo, fazer com que os autocarros tenham prioridade de facto. Ou seja, quando o autocarro se aproxima do semáforo - já existe sistema tecnológico para isto - este tem que ser capaz de mudar o sinal para o verde. O autocarro tem de andar a horas, não é dispensável isso. Se toda a tecnologia já o permite, só falta a decisão política. Essa é a minha parte, eu tenho de fazer isso.
Depois, é preciso melhorar o conforto de quem viaja no autocarro. O conforto é o autocarro chegar a tempo e horas. É saber a que horas chega. Portanto, é preciso implementar um sistema que permita que no meu telemóvel eu saiba não a que horas devia chegar, mas sim o tempo real, a que horas prevê que chegue.
Finalmente, a grande maioria dos autocarros pode e deve ser de dois andares. O que é que se muda? O número de lugares num autocarro grande de um andar ou de um autocarro de dois andares é mais ou menos igual. Só que no de dois andares, os lugares foram quase todos sentados.
Isso melhora o conforto. E já agora, para quem vai no andar de cima, melhora a experiência urbana. Nós não podemos fazer com que as pessoas escolham os autocarros, porque proibimos os carros. Isso não vai resultar. Mas é porque as pessoas se convencem que o autocarro é boa a alternativa.
Quanto ao Metrobus, disse recentemente que o avanço destas obras [entretanto, suspensas após a realização da entrevista] é uma "provocação" à cidade do Porto e o Ministério das Infraestruturas devia travá-las. Porque é que devia ser o Ministério das Infraestruturas a parar com as obras do Metrobus e, na sua opinião, qual a melhor solução para o projeto?
Por partes. A fase 1, rotunda da Boa Vista, Praça do Império, pela Marchal Gomes da Costa, está concluída. Tenho dúvidas sobre o que ali foi feito. Mas depois se há feito, mais vale pôr aquilo em funcionamento. Não vejo outro sentido. Ponhamos aquilo em funcionamento e avaliemos o resultado dessa operação. Ao fim de seis meses, ao fim de um ano, saberemos se essa operação resulta, não resulta, veremos.
Segunda fase. Digamos, que vai da Marchal Gomes da Costa pela Avenida da Boa Vista até Matosinhos. Acho que não devia ter começado agora. Acho que é uma provocação.
Porquê que deve ser o ministro a pará-la? Porque a empresa da Metro do Porto tem mais de 99% de capital do Estado. Quem é que manda na empresa? O Estado. Quem representa o Estado? O ministro. Tudo isto é um bocado ridículo. Quem manda no Estado está a fingir que depende de outros para decidir esta obra. Acho que isso é ridículo. Acho lamentável que se tenha abatido árvores na avenida quando se sabe que há questionamento público sobre a utilidade daquela obra e daquela forma de fazer a obra.
Não podemos ter uma atitude de reprimir a criminalidade. Mas isso não pode ser o top da nossa agenda. O topo da nossa agenda tem que ser prevenir a criminalidade
Ainda sobre mobilidade, destaca a importância de efetuar várias alterações na VCI (Via de Cintura Interna). Qual a que gostaria de destacar e porquê?
A VCI precisa de uma nova leitura estratégica. De médio, longo prazo. A VCI tem de ser transformada numa alameda urbana. Em vez de uma autoestrada, de uma espécie de autoestrada que tão mal tem funcionado. Ora, isso é realizável rapidamente? Não. As medidas têm que ser paulatinas, porque se não forem tomadas de forma cuidadosa, o trânsito na VCI pode ainda piorar. A primeira medida deve ser diminuir o acesso automóvel, o acesso de tráfego. O que é que é preciso? Desviar os pesados para a CREP. Para isso, eliminar as portagens na CREP para que os pesados vão pela CREP sem pagar. Estou a falar dos caminhões que usam a VCI como ponto de passagem. Vão de Braga para Aveiro, vão do Norte para Sul, do Sul para Norte e não precisam do Porto. Esses devem ser desviados para a CREP e a gratuitidade na CREP garantirá isso. Isso diminui 3% o tráfego da VCI.
Depois, é preciso eliminar as portagens circulares à volta do Porto. Nas 10 principais circulações pendulares para o Porto, ou à volta do porto, está sempre o Porto. É de Matosinhos para o Porto, é de Gaia para o Porto, é de Gondomar para o Porto ou vice-versa. Há uma exceção. A circulação pendular Matosinhos-Maia está nas 10 de maior dimensão. Essa circulação não é feita diretamente porque um automobilista que saia de Matosinhos, venha à VCI e volte para a Maia, não paga portagem. Se for direto, paga a portagem e vice-versa.
Isto é simplesmente estúpido. É preciso acabar com essa portagem circular para que as pessoas não sejam encorajadas, empurradas, a vir à VCI para ir de Matosinhos para a Maia. E isso é apenas um exemplo. Só esta medida reduz 10% o tráfego da VCI.
Quando obtivemos essa redução de tráfego, temos que tomar outras medidas, entre as quais a volta, que a velocidade máxima da VCI seja de 50 km/h. A VCI está dentro do Porto. Ora, se está dentro de uma cidade, porquê que a velocidade deve ser diferente da velocidade da cidade? Com menor velocidade máxima, vamos andar mais rápido. A VCI tem 500 acidentes por ano no seu troço situado no Porto. Se reduzirmos a sinistralidade rodoviária, vamos andar mais rápido. E temos que fazer essa mudança. E depois daí virá, com a redução da velocidade máxima, vamos poder encurtar as vias de tráfego que estão desenhadas para a autoestrada. Não estão desenhadas para uma avenida urbana. Assim como podemos ganhar espaço para que se introduza circulação pedonal e ciclável na VCI. E depois há um tema de cobertura da VCI nas zonas onde ela está enterrada na cidade. Mas o que é preciso é tomar medidas que, paulatinamente, transformem uma doença dramática, crónica, quase mortal para o Porto, numa solução de mobilidade.
No que respeita à segurança na Invicta, qual é na sua opinião o maior problema e que medidas gostaria de ver tomadas para o resolver?
O maior problema, não tenho nenhuma dúvida, é o tráfico e o consumo de drogas. É isso que origina uma grande parte da criminalidade que perturba o sossego dos presentes. É uma criminalidade de baixa intensidade, mas que é uma criminalidade que conduz a uma enorme intranquilidade. E há quatro medidas principais para a combater. Primeiro, é preciso otimizar o policiamento visível de proximidade. Por isso, temos que pôr a Polícia Municipal, a PSP, a colaborar entre elas e organizar um sistema de policiamento visível nas ruas. O policiamento nas ruas desencoraja a criminalidade. É muito importante. Não podemos ter uma atitude de reprimir a criminalidade. Mas isso não pode ser o top da nossa agenda. O topo da nossa agenda tem que ser prevenir a criminalidade. E é que vamos ganhar a sociedade para isto.
Segundo elemento, que também faz parte desta agenda, melhorar muito, aumentar muito a videovigilância. A videovigilância muda a criminalidade porque desencoraja. Nós queremos desencorajar a criminalidade. Portanto, temos que melhorar a videovigilância na via pública e anunciá-la para que saibam que ela existe. É preciso tratar disto sem vergonha, sem pudor. Todas as modernas sociedades da Europa têm sistemas robustos de videovigilância. Por isso, não temos que ter vergonha.
Terceira medida, o melhor arranjo do espaço público. Mais limpeza, mais iluminação também contribuem para menos criminalidade e toda a gente sabe isso. Finalmente, sendo o maior problema o tráfico e o consumo de droga, tem que haver um braço forte na repressão ao tráfico, mas um braço igualmente forte na proteção social e de saúde aos dependentes. Nós temos que diminuir a procura. Se nós continuarmos a ter tanta gente à procura de droga nas ruas do Porto, claro que isto não vai diminuir. Nós temos que ajudar a que uma grande parte destes consumidores tratem da sua doença, da sua adição, ou que pelo menos assumam com uma forma menos intrusiva da sua vida e do espaço público. Eu acho que isso é possível. Isso já foi possível no Porto. Portanto, se foi possível no passado, também tem que ser possível no futuro. Se nós nos empenharmos num programa de apoio social e de saúde aos dependentes.
Eu conheço de facto com detalhe, com pormenor, a minha cidade. Sei bem o que é que é preciso fazer para que as soluções sejam não apenas positivas do ponto de vista conceptual, mas sejam exequíveis do ponto de vista prático
E é precisamente sobre Saúde a próxima pergunta. De que forma é que ter sido ministro desta pasta pode ajudar a melhorar a vida dos portuenses, sabendo à partida que o Serviço Nacional da Saúde (SNS) é da responsabilidade do Governo Central?
Neste braço da dependência, de forma evidente, eu sei bem o que é necessário fazer para que nós possamos reduzi-lo. Não vamos eliminar esse problema. Nunca ninguém o conseguiu. Mas vamos reduzir muito o impacto desse problema na vida pública. O problema das dependências e da presença de dependentes, de toxicodependentes na vida pública. Mas há muito mais a fazer. Nós, quando tratamos do sistema de saúde, estamos sobretudo a falar, se vir bem, do sistema para tratar a doença. Ora, nós precisamos fazer mais do que isso. Um sistema para promover a saúde, para prevenir a doença. A cidade é o local próprio para isso.
A cidade como um espaço que induz comportamentos que melhoram a nossa saúde pessoal e coletiva, individual e coletiva. Que induz melhor alimentação, a começar pelas escolas. A Câmara do Porto é responsável pela alimentação escolar das crianças e dos jovens do Porto. Podemos melhorar a alimentação e melhorar a literacia dos jovens sobre a alimentação. Aumentar o exercício físico. Nós precisamos todos fazer mais atividade física.
Melhorar a nossa saúde mental. Uma parte disso é convivermos uns com os outros. Coisa que fazemos menos do que o que devíamos. É preciso criar espaços de comunidade, de interação humanitária, que promovam o convívio. Tudo isto vai ajudar a diminuir a incidência de doenças crónicas que são as mais graves para os portugueses. Diabetes, hipertensão arterial, tabagismo.
É isso mais abala a qualidade de vida e a saúde dos portuenses. E eu acredito que a Câmara pode ter um enorme papel nisto porque o espaço comunitário é o espaço dos comportamentos. Uma grande parte das doenças que afetam os cidadãos do mundo moderno, do mundo em que vivemos, resultam do comportamento. E eu acho que nós podemos ter aqui uma intervenção muito generosa.
E é pela terceira vez candidato à Câmara Municipal do Porto… Até agora, só conquistou o cargo de vereador. Acredita que à terceira é de vez? E que trunfos é que a prestação como vereador lhe deu para um mandato como presidente?
Fui vereador com o pelouro entre 2013 e 2017. Nessa altura já comecei a experimentar muitas soluções às quais eu quero dar grande escala no futuro. Olhe, fizemos o bairro Rainha Dona Leonor, na encosta do Douro, como um exemplo de uma parceria entre a Câmara e os privados que resulta em benefício para as pessoas. É preciso fazer dessas experiências, fazer isso numa escala muito maior. Eu conheço de facto com detalhe, com pormenor, a minha cidade. Sei bem o que é que é preciso fazer para que as soluções sejam não apenas positivas do ponto de vista conceptual, mas sejam exequíveis do ponto de vista prático.
Já esteve à frente nas sondagens, neste momento as sondagens dão um empate técnico entre si e Pedro Duarte. Como vê estes resultados?
Olhe, até ao dia das eleições, eu considero-me empatado a 0%, porque a única coisa que conta é o voto das pessoas. Para ser franco, eu prefiro o que as sondagens me ponham à frente, não sou hipócrita. Mas devo dizer que no Porto já há muitos exemplos em que as sondagens contam o que contam. O que verdadeiramente faz diferença é o voto das portuenses e dos portuenses. E é nisso que eu confio. Com esperança, expectativa e também com humildade. E as pessoas vão fazer um julgamento. Acham que eu sou o mais bem preparado? Votarão em mim. Se não acharem, olhe, não votam e eu respeitarei isto de qualquer maneira, porque eu não me deixarei de ser portuense. Eu não sou um portuense de ocasião. Eu sou um portuense convicto de todos os dias. Logo veremos.
Não sou um portuense de ocasião. Eu tenho um amor incondicional pelo Porto. Quando eu digo Porto, é o Porto das ruas, dos edifícios, das vistas. Mas é sobretudo o Porto das pessoas
A última pergunta é precisamente sobre isso. Qual a principal motivação que o leva a candidatar-se novamente à Câmara do Porto?
Bem, é isso mesmo. Eu não sou um portuense de ocasião. Eu tenho um amor incondicional pelo Porto. Quando eu digo Porto, é o Porto das ruas, dos edifícios, das vistas. Mas é sobretudo o Porto das pessoas. As pessoas da minha cidade são uma grande parte da minha razão de existir. Vou continuar assim e espero ter uma oportunidade de servir o Porto como presidente da Câmara. É isso que eu peço às pessoas. E é por isso que acho que tenho razões para confiar que as pessoas vão confiar a mim.
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