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"Acabou a saga do sangue, começa o tempo da igualdade"

Um artigo de opinião assinado por Miguel Costa Matos, secretário-geral da Juventude Socialista.

"Acabou a saga do sangue, começa o tempo da igualdade"
Notícias ao Minuto

12:00 - 24/03/21 por Notícias ao Minuto

Política Artigo de opinião

"Na passada sexta-feira, a Direcção-Geral da Saúde reviu a Norma 9/2016, pondo fim à discriminação de homens que fazem sexo com homens na dádiva de sangue. Apesar de tantos progressos nos direitos das pessoas LGBT nas últimas décadas, foi preciso chegarmos a 2021 para que não pedíssemos aos homens gay para serem sexualmente abstinentes para poderem dar sangue. A partir de sexta, aplica-se um critério de avaliação individual de risco, sem consideração do género de parceiros sexuais.

Para um país que gosta de se ver como pioneiro em termos de direitos sociais, este avanço chegou tarde a Portugal. Segundo um estudo comparativo do governo britânico, a análise individual de risco não-discriminatória é praticada em vários países e há muitos anos, entre as quais a Itália, desde 2001, a Espanha, desde 2005, a Argentina, desde 2015, e o Reino Unido e a Hungria, desde 2020. A evolução acelerada e positiva do paradigma internacional acompanha um progresso em igual sentido no consenso científico, abandonando a atitude de outros tempos que consideravam os homossexuais como grupos de risco, onde o preconceito foi agravado pela epidemia do VIH.

É importante dizer que esta alteração não significa que qualquer um possa dar sangue mas que não faz sentido, em termos de segurança das dádivas, discriminar homens que fazem sexo com homens. A Norma 9/2016 continua a prever um rastreio de comportamentos de risco, tal como consumo de drogas, prática sexual como novos parceiros ou parceiros múltiplos, aplicando-se a estes últimos uma suspensão temporária por três meses. Estas novas regras não se basearam apenas na prática internacional mas num estudo do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) sobre 'Comportamentos de risco com impacte na segurança do sangue e na gestão de dadores: critérios de inclusão e exclusão de dadores por comportamento sexual'.

Se é certo que a saúde tem de ser um direito para todos, devemos todos refletir sobre os motivos de termos barrado a uma grande parte da população não o direito à saúde, mas o próprio direito a salvar vidasPara a comunidade LGBT e para o espaço político progressista, o fim da 'saga do sangue' representa uma grande conquista após uma batalha longa e difícil. A 8 abril de 2010, a Assembleia da República aprovou sem votos contra o que viria a ser publicado como a Resolução da Assembleia da República n.º 39/2010, que recomenda ao Governo a adoção de medidas que visem combater a atual discriminação dos homossexuais e bissexuais nos serviços de recolha de sangue. No seguimento desta Resolução, em 2010, deixou de constar do questionário preenchido por cada candidato a dador de sangue a pergunta “sendo homem teve contacto sexual com outro homem”.

Apesar disso e apesar da aprovação em 2012 do Estatuto do Dador de Sangue, só em 2016, com o PS no Governo e Adalberto Campos Fernandes no Ministério da Saúde, terminou a suspensão definitiva – leia-se, a proibição – dos homens que fazem sexo com homens em dar sangue. Esse passo foi entendido por alguns como uma suspensão temporária de 1 ano e, pelo Ministério da Saúde, como o fim da discriminação. Todavia, perante a ambiguidade, reinava a impunidade e o preconceito. A atualização da norma vem tornar muito claro que, também quanto à dádiva de sangue, é para se cumprir o artigo 13.º da Constituição, que proíbe a discriminação em razão de orientação sexual.

Ultrapassado o obstáculo técnico, importa agora rever o Estatuto do Dador de Sangue para que não seja possível recuar neste passo em frente. A Juventude Socialista já entregou ao Grupo Parlamentar do Partido Socialista um projeto de lei para o efeito. Mas não nos ficaremos por aí.

Há ainda muito por onde lutar para promover direitos iguais para as pessoas LGBT. 10 anos depois da lei da autodeterminação de género, devemos reconhecer que nem todos cabemos nas caixas de homem ou mulher e consagrar um terceiro género. As chamadas 'terapias de conversão' devem ser proibidas e criminalizadas. Temos de melhorar o acesso à profilaxia pré-exposição, a terapias hormonais e a procedimentos de redesignação de género. Estas são apenas algumas das causas pelas quais a JS vai lutar.

Não deixa de ser um paradoxo que a primeira vitória pelos direitos LGBT+ em 2021 seja esta. Se é certo que a saúde tem de ser um direito para todos, devemos todos refletir sobre os motivos de termos barrado a uma grande parte da população não o direito à saúde, mas o próprio direito a salvar vidas. Com novos horizontes para a nossa luta, podemos com o fim da saga do sangue dar início a um novo tempo de igualdade."

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