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Pastéis de Belém? Fomos falar com quem lhes sabe o gosto e... o segredo

Miguel Clarinha, gerente da empresa dos famosos Pastéis de Belém, recebeu o Notícias ao Minuto no seu escritório, por cima da fábrica e da loja que desde da sua tia-avó fazem parte da família.

Pastéis de Belém? Fomos falar com quem lhes sabe o gosto e... o segredo
Notícias ao Minuto

08:30 - 13/02/18 por Sara Gouveia

País Miguel Clarinha

Foi em 1837 que os pastéis de Belém ocuparam uma pequena loja naquela zona da capital. Começaram por ser apenas um dos produtos vendidos entre muitos outros e rapidamente passaram a ser a escolha predileta.

Acredita-se que terá sido um monge do Mosteiro dos Jerónimos a inventar a receita dos verdadeiros 'crème de la crème' lisboeta e que, entretanto, a terá passado a um empresário de seu nome Domingos Rafael Alves, que com olho para o negócio terá aproveitado as instalações de refinação de açúcar que ali existiam para aumentar a produção de pastéis. 

Da pequena loja de comércio variado de outrora, ficou apenas a memória e o local. No seu lugar está hoje um balcão que serve todos os dias entre quatro a cinco mil pessoas vindas de todos os cantos do mundo. Muita coisa mudou, a casa cresceu bastante, a única coisa que se manteve inalterada foi a receita (secreta) e a forma como os famosos bolinhos são fabricados. 

Quem o garante é Miguel Clarinha, o gerente da empresa, que recebeu o Notícias ao Minuto no seu escritório, por cima da fábrica e da loja que desde da sua tia-avó fazem parte da família. 

Notícias ao Minuto© Blas Manuel/Notícias ao Minuto

“Continuamos a apostar em fabrico artesanal, com várias etapas a serem feitas à mão. Antes enchíamos os pastéis um a um com um funil, hoje em dia temos uma máquina distribuidora, mas que em nada afeta a questão da produção e da qualidade do produto. O corte da massa, o esticar, o moldar nas formas, aí nunca quisemos avançar para uma mecanização, porque achamos que, por um lado, tem muito a ver com a história, com a origem e com a tradição de como são feitos, por outro sabemos que assim conseguimos assegurar um produto final com qualidade superior. É sempre preciso uma sensibilidade humana”, conta-nos. 

Depois de Domingos Rafael Alves passar a empresa para outras mãos, de quem não se sabe a história, uma tia-avó, casada com um senhor que fazia parte da família inicialmente proprietária do negócio, acabou por ficar com os pastéis a seu cargo e por passar a confeitaria para o pai de Miguel, que por sua vez o passou também para este e para a sua prima. “Eles não tiveram filhos, de modo que ficou para a minha tia-avó, depois passou para o meu pai e agora, além do meu pai, estamos a minha prima Penélope e eu à frente da empresa”. 

Um segredo guardado num cofre há 180 anos

O segredo da receita, esse, manteve-se ao longo dos mais de 180 anos, está guardado em cofre e só seis pessoas neste momento o sabem, “a família e os três mestres do segredo”. No entanto, mesmo que alguém o descobrisse, na opinião de Miguel, “só o que está escrito não é suficiente para alguém, que nunca tenha feito, consiga reproduzir exatamente a receita. É preciso prática e aprender com os antigos mestres”, admitindo até, que apesar de saber a receita, se tivesse de os fazer “seguramente não saía um pastel como deve ser. Igual jamais e dificilmente próximo do que são os standards de qualidade”. 

Miguel está ligado à empresa da família há 12 anos, mas não foi só desde 2006 que começou a sua aventura pelos corredores da pastelaria. “Claro que já de pequenino vinha cá muita vez, nessa altura não para trabalhar, mas para comer pastéis”, recorda. Apesar de estar à frente da empresa nunca ter sido “um sonho que não pudesse esperar”, explica que sempre “quis conhecer as pessoas, perceber o negócio”. Porque, segundo o próprio, “quando se cresce num negócio de família, há uma grande proximidade com a marca e com a história da casa. Acaba por fazer parte da nossa história de vida”.  

Quando finalmente chegou o dia em que soube o segredo da receita dos pastéis que comia desde criança, confessa que havia expectativa, mas que também foi um momento engraçado. “Marcámos um dia e falámos com os Mestres para cá estarem todos. Fomos os três lá abaixo [à Fábrica], para que a minha prima Penélope e eu pudéssemos ver como é que se faziam os pastéis. Claro que é um momento solene, mas rimo-nos todos bastante e aprendemos várias coisas, algumas foram surpreendentes, outras já imaginávamos que seriam assim. Porque quando se convive de perto, vai-se tendo uma ideia de como as coisas funcionam. Mas foi bom, sobretudo por se desvendar esse mistério”, revelou. 

Notícias ao Minuto© Blas Manuel/Notícias ao Minuto

A próxima pessoa a saber a receita secreta vai ser escolhida em breve, porque um dos mestres se aproxima da idade da reforma, mas é um processo que, segundo Miguel, demora tempo. "Tem sido sempre nossa política quando escolhemos alguém para o segredo que seja alguém que já cá trabalha há muitos anos e que com base nessa experiência nos seja possível avaliar o caráter da pessoa e sentirmos que é uma pessoa que veste a camisola e que nos merece total confiança. Também tem de ter a ambição e a capacidade para assumir uma posição tão importante como é ser mestre do segredo, é a alma desta empresa".

A produção tem aumentado ligeiramente desde 2016, em que vendiam 20 mil pastéis por dia, para cerca de 21 mil. “Beneficiámos muito deste aumento do turismo que tem havido em Lisboa e isso reflete-se no volume de vendas”. E depois há dias e dias... “os de maratona são sempre dos mais fortes”, mas houve um em que Belém encheu, há cerca de três ou quatro anos e bateram o recorde de pastéis produzidos num dia, perto de 55 mil. 

Não, os pastéis não estão mais pequenos

A quem os acusa de terem diminuído de tamanho, Miguel atira em tom de brincadeira que “se calhar as pessoas quando eram pequeninas os pastéis lhes pareciam maiores”, mas, num tom mais sério, garante: “Não mudámos de formas, são exatamente as mesmas que eram antes, o processo é o mesmo, a massa e o creme são iguais, não há nem houve nenhuma alteração em relação à forma como os pastéis eram feitos anteriormente”. 

Sobre alguns dos mitos põe tudo em pratos... como ficam minutos depois de os pastéis virem para a mesa... limpos. Explica que a razão de os mestres que sabem o segredo não poderem viajar juntos, não é porque tenham de proteger a receita, mas sim por uma questão logística. “Nunca fechamos, todos os dias têm de ser feitos pastéis e tem de estar cá sempre pelo menos um”. No caso da família o mesmo se passa, “não tem a ver com a produção, mas sim com o facto de a empresa ter de ser gerida. Não é habitual que pelo menos um de nós não esteja presente”. Já sobre um suposto túnel secreto, usado agora por Marcelo Rebelo de Sousa, e que existirá entre o Palácio de Belém e a Oficina do Segredo, não é tão assertivo em negar. “Nunca vi esse túnel, mas é possível, não sei. Ele de facto vem cá bastantes vezes e gosta muito de pastéis. Por isso não sei, nunca se sabe.” 

Notícias ao Minuto© Blas Manuel/Notícias ao Minuto

Além de uma empresa de família, os pastéis de Belém são também uma empresa de famílias. Das 180 pessoas que ali trabalham atualmente entre todas as secções, muitas delas já estão "há 30 ou 40 anos e são casais que trabalham cá - marido e mulher-, em que os filhos já cá trabalham também e que, entretanto, já casaram com pessoas que cá trabalham também”. 

Sobre a velha questão de qual a diferença entre um pastel de Belém e um pastel de nata, Miguel esclarece que “a receita do pastel de Belém é única enquanto do pastel de nata há inúmeras receitas e inúmeras variações”. Vai mais longe até para fazer o tira-teimas e cita um antigo empregado da casa que dizia que "do pastel de natal se comia um e que do pastel de Belém se comia pelo menos meia dúzia”. 

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