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"Tablets são as novas chupetas" da geração que está sempre ligada

O seu filho passa muito tempo online e não consegue ajudá-lo a controlar esse vício? Não está sozinho. Este é um problema que afeta muitas famílias. A pensar neste tema tão atual e urgente, nas vantagens mas também nos riscos e perigos da internet e das tecnologias, a psicóloga Ivone Patrão lançou, recentemente, um “guião” que quer ajudar a sociedade a tornar “as crianças mais felizes”.

Notícias ao Minuto

07:05 - 15/04/17 por Ana Lemos

País Geração

Chegou de ‘fininho’ e pedindo permissão. Hoje já não conseguimos viver sem ela e está ao alcance de todos em qualquer lugar do mundo. Falamos da internet e dos seus ‘filiados’ gagdets, redes sociais e aplicações, que depressa se renovam e adaptam a todos os gostos e necessidades.

Facilitam? Sim, é um facto, mas também escondem riscos para os quais só agora (e também através deles) começamos a conhecer. Acresce a este fenómeno a preponderância que se impõe de transmiti-los aos mais novos, à ‘Geração Cordão’, aquela que “está sempre ligada por um cordão invisível, porque já há wi-fi”.

O objetivo da psicóloga clínica e terapeuta familiar Ivone Patrão, com o seu novo livro ‘#Geração Cordão – A geração que não desliga’, é precisamente “ajudar” não só pais, jovens, e professores, mas “a comunidade em geral”, através de “um guião – sem formato de guião”, a fazer um consumo “saudável” da internet. Nele não encontrará uma tomada de posição contra a internet (ou contra as novas tecnologias) mas antes ‘dicas’ para voltar a captar a atenção de todos à mesma mesa, sem recorrer às “novas chupetas: os tablets”, e afins. 

Porque se impõe refletir em conjunto sobre as vantagens e riscos da internet e das novas tecnologias, o Notícias ao Minuto sentou-se à conversa com a autora Ivone Patrão e com o pediatra Mário Cordeiro, que assina o prefácio, para falar sobre esta “temática tão emergente” na nossa sociedade e que não vai desaparecer: veio para ficar.

Que objetivo pretende alcançar com este livro? Ajudar os pais a não verem a tecnologia como um inimigo?

Ivone Patrão (IP): Este livro não é sobre a dependência da internet, é exatamente antes de isso tudo acontecer. O que os pais podem fazer para ao longo do desenvolvimento dos filhos fazerem, uma gestão saudável da tecnologia. Estamos no início da emergência desta temática. Se quisermos fazer uma fotografia, não está nada feito. O que existe é a tecnologia e as pessoas começaram a usá-la. Os pais de hoje em dia começaram a ter acesso à internet, de acordo com os estudos que tenho realizado, a partir dos 24 anos, em média. Portanto, não são pais que tenham experiência de usá-la com 3, 4 ou 5 anos. Então como é que a introduzimos às crianças, aos adolescentes? Este livro é exatamente para isso, para ajudar as pessoas a refletir. ‘Não há nada a fazer: a internet existe, os computadores, tablets, smartphones existem, só temos é de utilizá-los e não podemos fazer mais nada’? Não. Também existe a alimentação e sabemos que temos de fazer uma gestão saudável. Também existe o andar na rua e conduzir, e também sabemos que temos de ter aqui uma gestão de prevenção. [No caso da internet] não há consciência de que pode tornar-se um problema.

Porquê 'Geração Cordão'?

IP: Trata-se de uma metáfora que simboliza esta questão de termos de ter cuidado com os jovens, e alguns jovens adultos, por estarem sempre ligados e não terem outras atividades além da tecnologia. Não é aqui, de todo, a questão da tecnologia que deve ser um ‘bicho papão’. [Os] jovens deixaram de fazer desporto, deixaram de fazer muitas atividades, porque assim ficam mais horas ligados. Também me vou apercebendo de que vão ficando muito dependentes do cordão umbilical das famílias e não prosseguem o seu projeto de vida, vão ficando por casa. Temos jovens que não acabaram a formação, não têm emprego e que ou estão a jogar ou estão sempre online… em casa dos pais.

Toda a tecnologia à volta da internet é mais aliciante e prazerosa, porque dá sempre resposta

Há aqui alguma comparação que se possa fazer com a geração da televisão? O perigo é semelhante?

IP: Do ponto de vista de utilização de ecrã pode fazer-se essa comparação. Pelo número de horas [focados], de estimulação, alteração dos ritmos de sono e até da própria alimentação. Mas do ponto de vista da interatividade não têm nada a ver. Um computador ou tablet permitem ir investigar, explorar e interagir com a máquina. O que a televisão não permite e torna toda a tecnologia à volta da internet mais aliciante e prazerosa, porque dá sempre resposta. Isto tem de fazer redobrar a preocupação dos pais.

Mas enquanto mãe/pai como se controla esse acesso à internet?

IP: Neste momento, os pré-adolescentes e adolescentes estão muito em risco pelo consumo e pelo comportamento que têm online, se não tiverem em casa uma educação para o uso da tecnologia. Porque é, efetivamente, a fase da vida onde se quer testar os limites e experimentar tudo. Hoje em dia, basta estar dentro de casa para contactar com 20 ou 30 pedófilos, e nem sabem com quem é que estão [na realidade] a falar.

Os pais não são só modelos presenciais mas também virtuais. Muitos, porém, não têm essa noção

Mas todos os amigos têm conta em várias redes sociais. Devem os pais proibir? Ou apenas controlar?

IP: A educação parental tem de ter uma preocupação semelhante à que tem com a alimentação. Se come sopa, legumes. Logo desde pequenos temos de conversar com eles e introduzir-lhes a tecnologia, alertando à medida de cada idade para quais são os perigos e mediante cada perigo que possa vir a surgir. Enquanto eles ainda não sabem ler, solicitam mais ajuda e é mais fácil de controlar o que eles estão a usar. Agora quando começam a ler, temos de ter outro tipo de controlo e não é com o controlo parental no computador porque eles sabem como anulá-lo. Se já o tivermos feito antes [da pré-adolescência], eles já incutiram que há alguns perigos e vão estar mais atentos. Mesmo assim não os conseguimos colocar livres de todos os perigos. [O mesmo acontece] quanto à alimentação. Vão sempre comer chocolates, gelados e 40 mil gomas nas festas. 

O exemplo dos pais também é importante.

IP: É e tem de se distinguir e alertar para esta questão: os pais não são só modelos presenciais mas também virtuais. Muitos, porém, não têm essa noção. E muitas vezes os filhos seguem esse modelo virtual. Isto não exclui que os pais tenham de explicar que há exceções à regra. Porque, às vezes, temos de enviar um email, temos de estar no computador à noite. É da sua profissão e isso tem de ser explicado. 

Confirma-se que pais sem tempo facilitam o acesso às tecnologias por serem as ditas ‘novas chupetas’?

Mário Cordeiro (MC): Há uma coisa que as pessoas têm de interiorizar: uma das coisas que acompanha a liberdade das pessoas é a escolha. É evidente que se a curto prazo quiser ter ali um momento sossegado e der um pouco o tablet ao miúdo, a ‘chupeta’, tudo bem. Agora se realmente a pessoa prefere investir na educação e ensino, é uma escolha. Mas aí está, são escolhas.

IP: Não sei se a maior parte dos pais estará preocupada com essa escolha que faz ou consciente dos riscos que ela pode ter ao longo dos tempo.

MC: Os próprios pais perderam a noção de certas coisas. A memória é curta e há certas coisas que algumas pessoas nem põem em equação porque perderam o gozo de apreciá-las. E aí se se quer ser rápido, não há duvida de que a internet é ‘plim’ e já está.

IP: E eles ficam sossegados com a ‘nova chupeta’.

Não são só os pais os grandes mauzões. A escola também tem uma responsabilidade enorme e que não está, muitas vezes, a cumprir

E é fácil as crianças gostarem de outras atividades?

MC: Sim, moldam-se facilmente. Os adolescentes são extremamente sensoriais, aliás precisam, até nas relações interpessoais, de se tocar, de sentir o outro, curiosamente, também a sociedade não promove muito esse tipo de atividade. Não digo por isso que sejam só os pais os grandes mauzões. A escola também tem uma responsabilidade enorme e que não está muitas vezes a cumprir. Além disso, a sociedade em geral não está a fazer esse papel pedagógico que devia fazer.

Ainda não se dá importância ao papel da internet no ensino?

IP: Não temos tido um caminho muito regular. As TIC (Tecnologias de Informação) deviam ser [uma disciplina] básica para a literacia digital, para aprenderem coisas que sozinhos aprendem mal. E apercebo-me, até ao contactar com alguns professores. Muitos lecionaram anos e anos sem um computador e agora que se introduzem as tecnologias, às vezes, as crianças sabem mais do que o próprio professor. Aqui a escola já está em dificuldades.

MP: Ia um bocadinho para lá desse ensino das coisas boas e dos cuidados a ter. O ensino devia ser uma coisa universalizada. Um ensino que é de uma hora e meia, ali a debitar matéria, obviamente que depois de sete/oito minutos, nenhum santo aguenta. Isto é um problema e a escola devia ser mais ensino cruzado. Professores de disciplinas diferentes davam uma aula sobre os Descobrimentos, em que um cita a ‘Mensagem’ de Fernando Pessoa, outro mostra a geografia e outro os factos históricos.

Mas já existe internet há tanto tempo, como é que a escola ainda não se adaptou?

MC: Com turmas cada vez maiores, é evidente que um professor não consegue ter uma dinâmica de grupo. E em muitas, o velho projetor está estragado. Fazem trabalhos e o computador não lê porque a escola não consegue ter o último Windows. Até nessa parte, eles olham para a escola como uma coisa paleolítica. E tem de se questionar porquê. Não são avultados os investimentos a fazer. Mas, repare-se, hoje nota-se diferença neste país que era tão burocrático. Por isso acredito que as escolas também conseguirião fazê-lo.

IP: Estamos mesmo no início da sensibilização de pais, professores, e escolas. Mas, sem dúvida, que a tecnologia até podia ser uma forma de cativar.

Temos assistido com frequência a vídeos violentos de agressões entre jovens, filmados por outros. Como se explica este fenómeno? Fazem-no por prazer? Ou é só uma questão de visibilidade?

MC: Narcismo, falta de empatia. Pensar que não sei quantas pessoas vão ver. Antes, alguém que batesse em alguém e tirasse uma fotografia mostrava a quem? Aos amigos da rua ou da escola? Agora não. E mais. Até quem critica, partilha. Porém, acho que a par desse exibicionismo, não têm consciência de que aquilo é realidade. É como se estivessem a ver um filme de terror. Perdeu-se a noção de que quem está ali são pessoas.

IP: Mas isto não quer dizer que antes não acontecesse. Agora temos é uma ferramenta que põe online e projeta. Além disso, têm mais likes e passam a ser os ‘líderes do grupo’.

Com isso, existe o risco de esse mundo virtual dominar o real?

IP: Para alguns isso poderá ser uma consequência, mas creio que a tendência é que isto seja cíclico e que as pessoas vão abandonar.

MC: Mas até pormos travão ou fazermos marcha atrás, os estragos vão ser muito grandes. A verdade é que também não podemos abolir a internet.

Não é um livro contra a tecnologia, longe disso, ela deve ser inserida, deve ser utilizada por toda a gente, e desde pequenos, mas deve ser contextualizada e adequada às necessidades

Que pais vão ser os jovens da ‘Geração Cordão’?

IP: Vão ser pais completamente digitais. Mas provavelmente, com a experiência destes anos e com alguns riscos que vão correndo pelo caminho, vai haver o renovar do ciclo e creio que depois vão perceber que temos de regrar.

MC: Creio que sim. Não podemos de repente largar a internet, e dizer abaixo a internet. Até porque ela é preciosa por todas as razões, é incontornável. Mas acredito que daqui a uns anos, as pessoas vão-se fartar. Quanto às crianças há uma coisa determinante que pode já, e não daqui a 100 anos, fazer a diferença: apresentar opções. Aí os próprios pais perderam a noção do que é fazer uma coisa diferente, porque eles próprios estão agarrados à internet e a comentar comentários de comentários. Creio que se houver opções, se uma criança tiver outras coisas para fazer, largará facilmente o ecrã. 

Feita a análise da sociedade atual, dominada pela internet, o que esperam alcançar com este livro?

IP: É um guião - sem sê-lo -, que cada pessoa, cada família ajusta às suas necessidades, aos seus contextos. Se temos uma criança de cinco anos e que uma parte da sua família vive noutro ponto do mundo é normal que utilize mais o Skype e se familiarize com essa ferramenta. Isso não é patológico, tem a ver com o contexto. Por isso, cada família vai ter o seu guião e a sua forma de se organizar em volta da tecnologia. Não é um livro contra a tecnologia, longe disso, ela deve ser inserida, deve ser utilizada por toda a gente, e desde pequenos, mas deve ser contextualizada e adequada às necessidades. Queremos que os pais tomem consciência de que é tempo de começarmos a conversar, de combinarmos regras e limites. Não é para anular a internet e as tecnologias na vida das pessoas, mas para as saborearem de forma inclusiva com outras atividades. Para que ela [a internet] não venha substituir as conversas à mesa em família.

MC: É um livro que não pretende diabolizar nada, até porque seria um retrocesso civilizacional. Um adolescente pode lê-lo sem sentir que está uma ‘cota a dar-lhe um sermão’, e os próprios pais podem ter um outro enfoque mas tirar muitos ensinamentos. E, se algo mudar, já cumpriu a sua função: melhorar a vida das pessoas. Ninguém ficará órfão da internet, ela espera.

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