Autonomia estratégica? "Não podemos tê-la regressando ao protecionismo"
O ex-primeiro-ministro advertiu hoje que é impossível à União Europeia assumir-se como ator mundial geopolítico, com autonomia estratégica, se adotar um caminho de regresso ao protecionismo, e lamentou as resistências a um acordo com o Mercosul.
© PATRICIA DE MELO MOREIRA/AFP via Getty Images
País António Costa
António Costa falava no Fórum de La Toja, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, num painel de debate em que também participaram os antigos primeiros-ministros Felipe Gonzalez, Francisco Pinto Balsemão e Mariano Rajoy, que foi moderado pela jornalista Teresa de Sousa.
Depois de Francisco Pinto Balsemão ter defendido um caminho para o federalismo na União Europeia e de Mariano Rajoy ter considerado urgente que os Estados-membros falem no mundo a uma só voz face a desafios colocados pela Rússia e China -- além do crescimento de populismos a nível interno" -, o anterior primeiro-ministro português classificou como "desafiante o atual quadro europeu".
A grande questão europeia, de acordo com António Costa, é a seguinte: "Se queremos ter autonomia estratégica, não podemos tê-la regressando ao protecionismo".
"A autonomia estratégica da Europa implica uma abertura inteligente ao mundo. Isso significa termos acordos comerciais inteligentes com outros países do mundo, desde logo com a América Latina, que é extensão da Europa do outro lado do Atlântico. Se com eles não conseguimos fazer um acordo, com quem nós vamos conseguir fazê-lo? Vai ser com a China?", questionou.
Sem falar especificamente na França, e tendo no seu painel o antigo chefe do Governo espanhol Felipe Gonzalez, António Costa referiu-se às resistências para um acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
"As mesmas resistências que alguns tiveram para a adesão da Espanha à Comunidade Económica Europeia [na primeira metade da década de 80] verificam-se agora para bloquear o acordo com o Mercosul. Mas há uma questão essencial que temos de colocar na Europa: Queremos ser um ator geopolítico relevante, ou queremos ser um mercado interno?", perguntou.
Ora, de acordo com o anterior líder do executivo, se a opção foi por um mercado interno, a prioridade é a proteção da produção interna "custe o que custar na relação com países terceiros".
"Mas se queremos ser relevantes no plano geopolítico, então precisamos de mais aliados, mais amigos do que precisámos no passado. Vamos discutir o custo da importação da carne da Argentina e do Brasil, ou vamos compreender que precisamos do Brasil e da Argentina como aliados fundamentais se não queremos ser esmagados entre uma enorme China, uns Estados Unidos que vão resistindo no ocidente e a Europa que vai encolhendo?".
Para o ex-primeiro-ministro, há dificuldades no caminho para a adoção de uma política externa e de defesa comum na União Europeia.
"Todos estão de acordo que é necessária, mas o problema é que a visão do mundo de cada um dos 27 [Estados-membros] é marcada necessariamente pela sua própria experiência histórica. E não é por acaso que Portugal e Espanha são países tradicionalmente fomentadores do consenso no quadro europeu, porque não apresentam interesses relevantes que os dividam face a outros países e porque possuem uma visão bastante distanciada de conflitos que marcaram a Europa central e de leste", alegou.
Neste contexto, apontou o exemplo da Polónia, defensora do apoio militar à Ucrânia, mas que, ao mesmo tempo, quer fechar as fronteiras aos ovos, galinhas e cereais provenientes da Ucrânia.
"Para um português ou para um espanhol isto é incompreensível. Mas eles acham tão essencial ganhar a guerra [na Ucrânia], como proibir essas importações. Esta é uma pequena ilustração do exercício prático da dificuldade", referiu.
António Costa traçou em seguida diferenças estruturais de vivência histórica entre os dois países ibéricos e Estados-membros do leste europeu.
Portugueses e espanhóis "já andaram pelo mundo como descobridores, como colonizadores e como emigrantes. Temos uma forma de olhar para o mundo muito distinta", sustentou, antes de avançar com um novo exemplo, desta vez citando um líder político polaco.
Em Portugal e na Espanha, ser ou não católico é uma questão de fé, "mas na Polónia é uma questão de identidade, porque é por sermos católicos que nos distinguimos dos alemães que são protestantes, dos russos que são ortodoxos e dos turcos que são muçulmanos".
Na perspetiva do ex-primeiro-ministro, portugueses e espanhóis andam pelo mundo há vários séculos.
"Estamos mais habituados a fazer um esforço para compreender os outros que têm estado fechados e enclausurados entre vários impérios que os tentam esmagar. Temos de compreender a História", acrescentou.
Leia Também: Costa: Eleições em "circunstâncias estranhas" tiraram "tração" a PS e PSD
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com