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Semana dura culminará na declaração de independência. O que virá depois?

O governo espanhol e a Generalitat estão de costas voltadas há muito tempo. O resultado do referendo de domingo deu força a Carles Puigdemont, que deverá declarar unilateralmente a independência da Catalunha nos próximos dias. Numa semana marcada por duras trocas de palavras e com as primeiras alterações a sucederem na economia catalã, o futuro é incerto.

Semana dura culminará na declaração de independência. O que virá depois?
Notícias ao Minuto

08:25 - 07/10/17 por Pedro Bastos Reis

Mundo Catalunha

O fosso que separa Madrid e Barcelona continua a aumentar e a expectativa em torno da cada vez mais inevitável declaração unilateral de independência da Catalunha faz aumentar a tensão, bem como as questões relativamente ao futuro da região. 

Na passada terça-feira, no mesmo dia em que o rei Felipe VI falou ao país, o chefe do governo da Catalunha (Generalitat), Carles Puigdemont, anunciou a intenção de proclamar a independência da região “nos próximos dias”. A data prevista para que tal acontecesse começou a ser avançada para a próxima segunda-feira, dia 9 de outubro, mas, antecipando-se, o Tribunal Constitucional espanhol suspendeu a sessão do parlamento catalão marcada para esse dia, isto depois de Puigdemont manifestar a intenção de comparecer na sessão plenária para legitimar os resultados do referendo do passado domingo.

Posto isto, e tendo em conta que ainda não é certo se a sessão de segunda-feira vai ou não acontecer, é pouco provável que a declaração de independência ocorra nesse dia. Nesse sentido, o chefe da Generalitat agendou a sua presença no parlamento catalão para o dia seguinte, 10 de outubro, com o intuito de “informar sobre a situação política atual”.

Não referindo diretamente a intenção de utilizar a sessão parlamentar para proclamar independência, Puigdemont defende-se de nova investida do Tribunal Constitucional. Mesmo sem estar oficialmente na agenda, a proclamação pode acontecer, uma vez que a ordem de trabalhos pode ser alterada.

Seja hoje, segunda-feira ou terça-feira, a proclamação unilateral de independência da Catalunha parece inevitável e um recuo da Generalitat não é opção. Do lado de Madrid, a situação é semelhante. Desde o início do processo que o governo de Mariano Rajoy não demonstrou qualquer vontade de dialogar ou sequer de ter em conta as reivindicações catalãs. A violência policial de domingo passado, as diversas detenções e a intransigência geral deram ainda mais força aos independentistas. Ao decidir ir contra tudo isto e levar a cabo o referendo, a Generalitat deu um passo de gigante, sem retorno, e os resultados expressados nas urnas, com 90% dos 42% de catalães que foram votar a ambicionarem a independência, ‘obrigam’ as autoridades catalães a continuarem a luta.

Semana marcada por duras trocas de palavras

Perante a repressão policial no dia do referendo, que causou mais de 800 feridos, vários sindicatos marcaram uma greve geral que decorreu na passada terça-feira, considerada já como uma das maiores, se não mesmo a maior, alguma vez feita na região. Nesse mesmo dia, o rei Felipe VI decidiu falar ao país, mas se a sua intenção era unir espanhóis e catalães, na realidade o seu discurso mais não fez do que aumentar ainda mais as divisões.

Colocando-se marcadamente ao lado do executivo de Mariano Rajoy, que rejeita um processo de mediação e não manifesta qualquer intenção de diálogo, Felipe VI criticou as autoridades catalãs, acusando-as de “deslealdade” e realçou, mais do que uma vez, a inconstitucionalidade do referendo. Relativamente à violência policial, nem uma palavra. Partido Popular (PP), Ciudadanos e PSOE (que sublinhou, diga-se, a necessidade de diálogo), colocaram-se ao lado do rei. Podemos e autoridades catalãs denunciaram um “discurso irresponsável”.

Precisamente 24 horas depois, foi a vez de Carles Puigdemont fazer uma declaração, também transmitida pelas televisões, não só aos catalães, como a todos os espanhóis. A utilização das duas línguas no discurso não terá sido por acaso, aproveitando para deixar uma palavra de força ao povo catalão e uma de agradecimento aos espanhóis que se juntaram às suas reivindicações. Na sua declaração, o chefe da Generalitat atacou Felipe VI por alinhar ao lado de Rajoy, cujas políticas, diz, “foram catastróficas para a Catalunha”. Apelou à necessidade de mediação no processo, mas nunca arredou pé da intenção de proclamar a independência da Catalunha.

Como referido acima, a declaração unilateral de independência estava prevista para segunda-feira, mas a decisão do Tribunal Constitucional baralhou um pouco as contas, podendo a mesma ser adiada para terça-feira. Num dia ou noutro, certo é que é para avançar. Em declarações à BBC, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Catalunha reiterou precisamente isso, garantindo que o parlamento “vai reunir-se para discutir”. “Todas as tentativas do governo espanhol em impedir que as coisas acontecessem foram não só inúteis como contraproducentes”, afirmou Raul Romeva.

Da parte de Madrid, o primeiro-ministro voltou a insistir na ilegalidade do referendo e pediu um recuo à Generalitat. “Se há uma solução? Há. E a melhor é um regresso à legalidade e uma confirmação, o mais rapidamente possível, que não vai haver uma declaração unilateral de independência, porque assim poder-se-ia evitar um dano maior”, afirmou Mariano Rajoy à agência Efe.

Semelhante posição foi reiterada pelo porta-voz do governo espanhol, que afirmou na sexta-feira que “para haver diálogo, é preciso voltar à legalidade”. Já o delegado do governo espanhol na Catalunha, Enric Millo, foi o primeiro político do executivo a pedir desculpas pela violência do passado domingo. No entanto, coloca parte da responsabilidade da mesma na Generalitat. “Quando vejo aquelas imagens, sabendo que pessoas foram atingidas, empurradas e até levadas para o hospital, tudo o que posso fazer é pedir desculpa em nome dos agentes envolvidos”, disse Millo numa entrevista à TV3.

Enquanto continua a dura troca de palavras de um lado e do outro, começam a surgir movimentações que vão afetar a economia da Catalunha. O governo espanhol aprovou um decreto-lei que facilita a saída de empresas que queiram mudar a sua sede social da Catalunha para outras regiões do país. As autoridades catalãs acusam Madrid de quererem “castigar” a economia da região.

Entretanto, o banco Sabadell decidiu mudar a sua sede social para Alicante. O CaixaBank, que controla o BPI, seguiu o mesmo caminho e vai mudar-se para Valência. Mesmo assim, a Generalitat não parece querer recuar, e considera que tais mudanças podem ter um pacto mínimo na economia. Convém realçar que é da Catalunha que vem um quinto da riqueza anual de Espanha, sendo que o PIB da região é, por exemplo, superior ao de Portugal.

O que acontece depois da declaração unilateral de independência?

As ambições independentistas da Catalunha não são de agora. No século XVI, a região passou a fazer parte de Espanha, após o casamento de Fernando II de Aragão com Isabel I de Castela. A sua soberania foi abolida em 1714, e a sua autonomia foi conquistada em 1931. Mas, durante a ditadura franquista, a repressão sobre a Catalunha foi imensa, impedindo quaisquer ambições de maior soberania.

Situada no nordeste de Espanha, é uma das 17 comunidades autónomas de Espanha, com um governo e um parlamento regional, bem como polícia própria, os Mossos d´Esquadra. Para lá disso, tem a sua própria língua e uma cultura muito singular.

Nos últimos anos, o movimento independentista ganhou força, culminando, em 2014, com um referendo consultivo, em que 80% dos votantes manifestou vontade de ver a Catalunha independente de Espanha. No passado domingo, foram mais de 90% a demonstrar essa intenção, mesmo contra a repressão policial que os tentou impedir. O que irá acontecer agora?

São mais as questões do que as respostas. À luz da constituição espanhola, o referendo foi ilegal pelo que não tem caráter vinculativo. Segundo a mesma, “a constituição [espanhola] é baseada na unidade indissolúvel da nação espanhola, pátria indivisível de todos os espanhóis”. Além disso, “garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões que a compõem, bem como a solidariedade entre eles”.

Apesar de ilegal, perante a intransigência de Madrid em aceitar a possibilidade de referendar o futuro da Catalunha, Carles Puigdemont decidiu avançar. No entanto, apenas 42% dos catalães votaram, apesar de esta participação ter sido influenciada pelos constrangimentos impostos pelas autoridades espanholas – recorde-se que mais de quatro mil membros da Guarda Civil foram destacados para a Catalunha com a missão de fechar assembleias de voto e apreender urnas. Certamente que a posição dos independentistas sairia reforçada com um referendo com maior participação, e é expectável que o “sim” saísse sempre vencedor.

Chegamos a um ponto em que, se nada de extraordinário acontecer, será uma questão de dias até ser proclamada unilateralmente a independência. Quando tal acontecer, é incerto o que Madrid fará a seguir, mas invocar o artigo 155 da constituição é um dos cenários em cima da mesa. Segundo este artigo, “se uma comunidade autónoma não cumprir as obrigações da constituição ou outras leis que se imponham, ou atuar de forma que ameace gravemente o interesse geral de Espanha, o governo (…) poderá adotar as medidas necessárias para obrigar esta ao cumprimento forçado das ditas obrigações”. Resta saber em que podem consistir, concretamente, essas “medidas necessárias”.

Depois da forma como a polícia espanhola agiu no referendo de domingo, teme-se o pior. Certo é que Espanha e a Europa não serão as mesmas depois de Carles Puigdemont dar voz ao desejo de milhões de catalães que ambicionam a independência, mesmo que para isso tenham de enfrentar os bastões da polícia e a intransigência do rei e do primeiro-ministro.

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