Num comunicado, a família de Jose Antonio Primo de Rivera anunciou que pediu as autorizações necessárias para exumar os restos mortais do fundador da Falange, que até 2019 tiveram ao lado os do ditador Francisco Franco, para os levar "para um cemitério sagrado".
A família de Primo de Rivera, filho de Miguel Primo de Rivera, líder da ditadura espanhola de 1923 a 1930, justifica a decisão com nova Lei de Memória Democrática, aprovada pelo Senado de Espanha em 05 de outubro, que vai mudar o estatuto jurídico e a gestão do Vale dos Caídos, um recinto visto como de culto de Franco e do fascismo.
A nova Lei da Memória Democrática, além de proibir no local "atos de natureza política ou de exaltação da Guerra [Civil], dos seus protagonistas ou da ditadura", estabelece que "as criptas adjacentes à Basílica e os túmulos existentes na mesma têm o caráter de cemitério civil".
Ao abrigo da nova legislação, o Vale dos Caídos passará a chamar-se Vale de Cuelgamuros e será extinta a Fundação de Santa Cruz do Vale dos Caídos, que administrava o monumento, sendo o objetivo transformar o recinto num local de memória democrática.
O Vale dos Caídos é um memorial franquista monumental do qual faz parte uma basílica construída entre 1940 e 1958, a cerca de 40 quilómetros de Madrid, e foi esculpido na encosta de uma montanha, tendo sido utilizados condenados na sua construção, incluindo presos políticos na época de Franco.
A família de Primo de Rivera invocou hoje que o fundador da Falange deixou escrito no seu testamento o desejo de "ser enterrado conforme o rito" católico e pede para o processo de exumação ser feito "dentro da estrita intimidade familiar", sem se converter "numa exibição pública propensa a confrontações de qualquer tipo entre espanhóis".
Em 2019, foram retirados do Vale dos Caídos os restos mortais de Francisco Franco e entregues à família do ditador, por decisão do Governo e do parlamento espanhóis.
Recentemente, o ministro com a tutela da Memória Democrática, Felix Bolaños, havia afirmado que uma vez em vigor a nova legislação seriam iniciados os procedimentos para retirar também do local os restos mortais de Primo de Rivera e outros protagonistas do franquismo.
"Jose Antonio continuará a manter o lugar proeminente que lhe corresponde na memória de muitos espanhóis e não poderá ser objeto de mais humilhações", escreveu a família de Primo de Rivera no comunicado hoje divulgado.
A família de Jose Antonio Primo de Rivera, fuzilado no início da guerra civil espanhola, critica a nova Lei de Memória Democrática por também retirar aos aristocratas títulos concedidos por Franco, o que vai abranger alguns familiares do fundador da Falange.
A Lei de Memória Democrática pretende alargar a reparação das vítimas da guerra civil (1936-1939) e da ditadura franquista que se seguiu (1939-1975).
A lei foi proposta pelo Governo espanhol, formado por uma coligação que junta o partido socialista (PSOE) e a plataforma de esquerda Unidas Podemos e foi aprovada pelo Senado com 128 votos a favor, 113 contra e 18 abstenções.
Votaram contra os partidos de direita (Partido Popular, Cidadãos e União do Povo Navarro) e da extrema-direita (Vox), que invocaram que a legislação vai "reabrir feridas" na sociedade espanhola, que as vítimas e os crimes do grupo terrorista ETA não merecem a mesma atenção por parte do Estado espanhol, que a lei abrange alegados crimes e processos que vão além do período da ditadura e que se tratou de uma concessão a partidos nacionalistas do País Basco, que apoiam o executivo espanhol no parlamento.
Já a porta-voz do PSOE no Senado, Eva Granados, sublinhou que a lei foi concebida "para a verdade e contra o esquecimento" e que está em causa "abrir valas para fechar feridas".
A nova lei, que substitui outra de 2007, aprovada durante o governo socialista de José Rodríguez Zapatero, reforça o compromisso de Espanha na procura de desaparecidos durante a guerra civil e o franquismo e abre a porta à investigação de possíveis violações de Direitos Humanos durante o período que se seguiu à aprovação da Constituição, entre 1978 e 1983.
Em paralelo, amplia a definição de vítimas, que passa a incluir pessoas LGBTI (lésbicas, 'gays', bissexuais, transgénero, intersexuais), crianças adotadas sem consentimento dos progenitores e as línguas e culturas basca, catalã e galega, entre outros casos.
Mais de 500.000 pessoas morreram na guerra civil entre as forças nacionalistas rebeldes lideradas por Franco e os defensores de uma República espanhola.
Franco declarou-se vencedor em 01 de abril de 1939 e há mais de 110.000 vítimas mortais da guerra e da ditadura que ficaram por identificar.
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