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2020: Valor da vida dos negros gritado em todo mundo

Em 25 de maio, com o mundo a viver a pandemia de covid-19, um homem foi assassinado depois de detido pela polícia de Minneapolis, suspeito de tentar pagar a conta do supermercado com uma nota falsa de 20 dólares.

2020: Valor da vida dos negros gritado em todo mundo
Notícias ao Minuto

10:05 - 23/12/20 por Lusa

Mundo Black Lives Matter

Chamava-se George Floyd, tinha 46 anos, e era um perfeito desconhecido nesse dia, mas tornou-se uma figura central que entra para a História quando no futuro se abordar um dos maiores movimentos de protesto da vida dos Estados Unidos.

A morte foi filmada em vídeo por transeuntes, divulgada nas redes sociais, e não deixou ninguém indiferente. George Floyd foi retirado do carro onde seguia e não resistiu à polícia.

Um polícia colocou o joelho no pescoço de Floyd e pressionou-o durante quase nove minutos. No vídeo é possível ouvir-se Floyd a dizer ao polícia que não consegue respirar e a sua morte torna-se inevitável pouco depois.

Desde a morte de George Floyd, houve nos Estados Unidos pelo menos 7.750 manifestações associadas ao movimento 'Black Lives Matter' (As vidas dos negros interessam') em 2.000 localidades dos 50 Estados do país, segundo uma contagem da Universidade de Princeton e do Armed Conflict Location and Event Data Project, organização que pesquisa protestos em todo o mundo.

Os Estados Unidos entraram numa fase diferente da sua história. O apoio público ao movimento, fundado há sete anos, reuniu mais de dois terços da população e, em ano de eleições presidenciais, tornou-se uma questão incontornável.

As respostas dos candidatos foram muito diferentes, embora ainda esteja por concluir que peso tiveram nos resultados da votação de 03 de novembro.

Do lado dos democratas, a opção foi aproveitar a onda. Joe Biden defendeu mais afro-americanos em empregos de destaque e escolheu Kamala Harris, uma afro-americana, como sua vice-Presidente, e Lloyd Austin como o homem que se tornará o primeiro afro-americano a liderar o Pentágono.

Já o republicano Donald Trump, Presidente dos EUA, chamou "bandidos, incendiários e criminosos" aos envolvidos nos protestos de Minneapolis e ameaçou disparar se começassem a verificar-se pilhagens, o que lhe valeu uma acusação, feita pela sua rede social preferida, o Twitter, de estar a fazer apologia da violência.

Cinco dias depois da morte de George Floyd, com os protestos já generalizados, o Pentágono tomou a rara decisão de ordenar ao Exército que colocasse unidades da polícia militar em alerta, prontas para agir em Minneapolis, enquanto Trump criticava manifestantes que se juntaram em frente à Casa Branca, acusando-os de só quererem "causar problemas".

Além disso, decidiu ridicularizar alguns governadores estaduais, chamando-lhes "fracos" e exigindo-lhes que tomassem medidas duras contra os manifestantes, enquanto negava ter sido escoltado para um 'bunker' da Casa Branca durante os protestos em Washington, alegando lá ter ido apenas para inspecionar o espaço.

Os protestos antirracistas aumentaram e alargaram-se, não só para o resto do mundo, mas para outras conotações. Grupos de extrema-direita foram acusados de tentarem infiltrar-se nas manifestações, juntando membros e organizando planos através das redes sociais.

Em junho, o Facebook removeu várias contas com ligações a grupos de extrema-direita e movimentos supremacistas brancos como os "Proud Boys" e os "American Guard", enquanto o Presidente assinava um decreto para limitar atos de violência policial, como o estrangulamento como forma de detenção -- o procedimento que provocou a morte de George Floyd e que foi alvo de fortes críticas.

Nos Estados Unidos, os protestos mudaram a postura, a vida e até a legislação, mas o chamado "efeito borboleta" funcionou e, em poucos dias, desencadeou-se uma onda de indignação internacional.

Milhares de manifestantes foram para as ruas de cidades da Europa, Austrália, Coreia do Sul ou Japão para exigir o fim da brutalidade policial.

Em Londres, milhares de manifestantes encheram a praça do parlamento gritando "Abaixo a polícia racista", em Berlim, a Alexanderplatz foi o palco das concentrações, enquanto em Paris, as autoridades tentavam afastar milhares de pessoas da Torre Eiffel. Em Seul, dezenas de ativistas usaram máscaras onde se lia "Can't Breath" ("Não consigo respirar" em inglês), as últimas palavras de Floyd, e em Brisbane, na Austrália, a polícia contou 10 mil pessoas que participaram num protesto vestidas com símbolos aborígenes.

Em comum o 'slogan' 'Black Lives Matter'.

Criado em 2013 como uma 'hashtag', depois de um vigilante de bairro ter sido inocentado pela morte a tiro de um adolescente negro, o movimento foi concebido por três mulheres negras: Alicia Garza, Patrisse Cullors e Opal Tometi.

A ideia era ter "uma rede global com intervenção ideológica e política num mundo onde as vidas negras são sistematicamente marcadas para morrer", explicaram.

No ano seguinte, o movimento ganhou relevância nacional nos protestos pelas mortes de Eric Garner, em Nova York, e de Michael Brown, no Missouri, às mãos da polícia.

Em 2020, tornou-se um instrumento de mudança e uma voz sobre o racismo nos Estados Unidos e, por arrasto, em todo o mundo.

Depois da morte de George Floyd, houve uma inédita onda de doações para lutar pela justiça racial, o que redesenhou, numa questão de semanas, o mapa do ativismo.

A fundação Black Lives Matter Global Network criou um fundo de 6,5 milhões de dólares (cerca de 5,3 milhões de euros), que colocou à disposição das organizações locais filiadas, para financiar trabalho de base.

Em muitas cidades, o movimento obteve mudanças em políticas concretas e aumentou a sensibilidade mediática à morte de negros por polícias, conseguindo uma evolução significativa da opinião pública.

O empenho do Presidente Trump em falar de "caos" e "terrorismo doméstico" teve o inesperado efeito de ajudar a fortalecer o movimento, que colocou a questão do racismo no centro dos assuntos da campanha para as eleições presidenciais de novembro. Mas não só das presidenciais norte-americanas.

As três letras do movimento (BLM) podem ser vistas em cartazes fincados nos jardins de casas espalhadas pelos Estados Unidos, pintadas em tamanho gigantesco numa rua junto à Casa Branca, nas manchetes da imprensa de todo o mundo, nas montras das lojas, nos anúncios das grandes marcas, em fotos de perfis das redes sociais de cidadãos comuns e de personalidades famosas do desporto, da cultura e da política.

Graças aos donativos, passou a ser um dos principais investidores de 'lobbies' municipais, grupos de direitos civis e outras demandas. Em poucos meses juntou cerca de 10 mil milhões em donativos, de acordo com a Fundação Tides, que supervisiona as contas do movimento, e as contribuições continuam.

Agora, os líderes do BLM querem fazer campanha por mais financiamento para o Serviço Postal, um grande empregador de afro-americanos de classe média nos EUA e, no início do próximo ano, espera lançar um banco para direcionar capital para empresas detidas por negros e grupos sem fins lucrativos.

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