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"Antes de morrer quero fazer o meu museu pedagógico do sexo"

Do consultório para uma linha telefónica de apoio ao sexo, passando pela televisão e, quem sabe, por um museu. Marta Crawford conversou com o Vozes ao Minuto sobre a sua carreia e os planos para um futuro próximo.

"Antes de morrer quero fazer o meu museu pedagógico do sexo"
Notícias ao Minuto

16:00 - 24/07/17 por Daniela Costa Teixeira

Lifestyle Marta Crawford

Uma mensagem de Júlia Pinheiro e tudo mudou. "Marta, vamos fazer um programa, gostava de falar consigo. Se estiver interessada ligue-me, se não dê-me um pontapé no cu". E houve, de facto, um pontapé, mas foi um pontapé de saída para o sexo na televisão.

À data já havia um programa, mas Marta Crawford veio revolucionar a forma como se fala do sexo em Portugal e como os portugueses passaram a olhar para as questões sexuais. O tabu mantém-se, mas o muro vai sendo cada vez mais pequeno.

Em conversa com o Vozes ao Minuto, a sexóloga lembrou os tempos em que atendia chamadas sobre dificuldades sexuais e como o programa de televisão ajudou a falar de temas que em consulta nem sempre eram abordados. Para o futuro - que espera próximo - está nos planos regressar à televisão e criar aquele que será o primeiro museu pedagógico do sexo em Portugal.

Há uns anos, pertenceu à equipa de aconselhamento e encaminhamento telefónico da linha SOS Dificuldades Sexuais. As dúvidas da altura diferem muito das atuais?

Como essa linha era confidencial e estava a ser publicitada em todos os centros de saúde e hospitais, na altura fiquei com uma perceção a nível nacional que não tinha, porque só conhecia a realidade de Lisboa. As dúvidas na altura acabam por ser, muitas delas, semelhantes às de hoje, é sempre o mesmo, tem a ver com as relações, com as vivências, com as dificuldades em comunicar, com os vários tipos de disfunções sexuais.

Há 15 anos não havia internet como há agora, por isso havia mais dificuldade e mais pudor. Uma linha agora já não tinha o mesmo impacto porque já há maior abertura e mais informação sobre os temas. Para mim, foi muito útil para perceber as questões dos sofrimentos que as pessoas tinham durante tanto tempo e aquilo era uma oportunidade, porque era difícil ir a uma consulta de sexologia, por pudor ou pelo preço, porque na altura, aqui há 15 ou 20 anos, ainda havia serviços específicos de sexologia, mas nem todas as pessoas tinham o acesso às consultas. Nessa altura era uma oportunidade para as pessoas terem ali um espaço confidencial onde podiam colocar as questões que deixavam uma vida inteira em suspenso.

Lembra-se de alguma chamada em particular?

A mais emblemática nessa altura foi com um senhor do Norte que tinha um problema muito simples, mas que para ele tinha sido um grande problema. Tinha uma fimose, que acontece quando a pele do prepúcio aperta o pénis e, portanto, a glande não consegue ficar solta e provoca um aperto e nele devia ser um aperto bastante forte, fazia garrote e quanto tinha o pénis ereto ficava muito torto, pela descrição dele parecia que tinha uma anormalidade.

O senhor sempre ficou muito envergonhado com aquela situação e renunciou à hipótese de ter relações com uma mulher, que era a orientação dele, gostava de ter casado e ter filhos, porque achava que tinha um defeito genital e foi ficando com uma autoestima muito fragilizada, foi-se afastando e tinha 70 e tal anos quando fez o telefonema e explica-me, pela primeira vez com coragem, o que tinha. E é um momento muito difícil, porque eu sei que, a ser verdade o que ele me explicava, era um problema muito fácil de resolver e foi uma vida quase 'perdida'. Podia ter-lhe dito 'ó homem, isso é fazer uma banha e está a andar', mas tive de me conter, é um homem com 70 e tal anos, no fim da vida, e só naquele momento teve coragem para contar o problema que era facilmente resolúvel, mas tive de me conter para não parecer que era uma coisa assim tão simples, se não podia criar ali um outro problema, em que ele percebia que tinha sido uma vida em vão levada pelo medo. Essa situação deixou-me estupefacta, ele ter posto a vida 'no prego' por vergonha, por pudor de procurar ajuda.

No programa era uma mulher jovem e a falar das coisas pelo nome, foi um pouco revolucionário na época

Isso não lhe deu ainda mais vontade de falar de sexo para fazer passar essa e outras mensagens a todas as pessoas?

Eu já tinha vontade e, posteriormente, o programa AB Sexo veio trazer isso. O programa teve na altura uma imensa popularidade e audiência, logo no primeiro programa.

Era algo inédito por cá.

Era inédito, era uma novidade, era uma mulher a falar de sexo, até à data era o Júlio Machado Vaz, mas num estilo mais académico, mais reservado. No programa era uma mulher jovem e a falar das coisas pelo nome, foi um pouco revolucionário na época.

Como se deu esse salto para o pequeno ecrã?

Estava no consultório e tenho uma mensagem da Júlia Pinheiro a dizer 'Marta, vamos fazer um programa, gostava de falar consigo. Se estiver interessada ligue-me, se não dê-me um pontapé no cu'. Nunca mais me esqueço disso. Depois fui à TVI e disseram-me que era para fazer uma adaptação de um programa que havia em Espanha, com o mesmo nome, mas quando vi o programa em espanhol pensei que não seria capaz de fazer isto, mas Júlia deu-me umas cassetes VHS e vi a primeira, a segunda e a terceira e percebi que não era assim o fim do mundo, afinal dominava os temas, não que as pessoas viessem ao consultório especificamente para saber como se faz sexo oral ou sexo anal, as pessoas não faziam e não fazem ainda esse tipo de perguntas, mas ia ser a primeira vez que ia dizer como se lambe ali e como se é lambido.

De repente, havia muita gente a achar que eu falava de uma forma que não era grosseira, que era direta, simpática, pedagógica e era essa a vertente que eu queria darCom a popularidade do programa passou a ser abordada na rua?

As pessoas abordavam, mas com muita cerimónia. Houve uma ou outra que me quis fazer perguntas, aproveitar para fazer uma consultazinha, mas as pessoas olhavam para mim com um certo respeito, no sentido de 'é a Marta, da coisa', era algo entre o respeito e o medo de lhes fazer um perfil sexual.

Foi fácil falar de sexo e saber que do outro lado estavam milhares e milhares de pessoas a ver?

Quando decidi que era capaz de fazer o programa, tinha a certeza que ia correr bem, mas também me acautelei, disse que tudo o que era falado eu é que decidia, o conteúdo era meu e a partir do momento em que a TVI tentasse atropelar os meus conteúdos, saía do programa, aquilo era em direto, por isso saía no próximo e não fazia mais. Criei ali uma forma de poder estar à vontade para fazer o programa, era uma hora e meia de programa, era com a TVI... era uma fauna complexa.

Tive mesmo de ser um bocado agressiva no início e também foi isso que me pôs ali numa posição favorável e as pessoas depois também começaram a falar, primeiro muito receosas, mas de repente todas começaram a falar. E depois não eram só a comunicação social, não eram só os jornalistas, eram colegas, eram escolas, eram os miúdos das universidades a quererem que fosse lá, era a igreja, eram as freiras, eram empresas e, de repente, havia muita gente a achar que eu falava de uma forma que não era grosseira, que era direta, que era simpática, pedagógica e era essa a vertente que eu queria dar, posso estar a falar de sexo e a fazer pedagogia a determinada coisa, estou a explicar.

Foi um ânimo a aceitação do programa e a forma como eu falava. As pessoas olhavam para mim, eu sou um pouco mais reservada e às vezes andava de óculos escuros, não era para fugir, era para manter um pouco de privacidade. Aliás, não havia revista cor de rosa que não quisesse fazer reportagens sobre a minha vida íntima e não havia fotógrafo que não tivesse sempre uma cama para me deitar para tirar umas fotografias, coisa que nunca aconteceu. Mas bem, foi uma admiração por eu falar de determinada forma, simplificar coisas difíceis, de uma forma alegre, bem disposta, sem culpa, sem castração religiosa e acho que essa é que foi a equação vencedora.

E faz parte dos planos voltar a levar o sexo à televisão?

Faz, faz. Não posso falar ainda sobre o assunto, mas sim, faz parte.

Para quando o museu do sexo?

O meu projeto do museu pedagógico do sexo, que teve aqui várias vertentes, passou de um museu com espaço em Lisboa a um museu virtual exatamente pela dificuldade que tinha em ter o espaço físico e com todo o investimento, enfim, tinha um projeto megalómano para o museu do sexo, que é museu pedagógico e que não tem nada a ver com os museus que há pelo mundo, que para mim são galerias da sex-shops da antiguidade até aos dias de hoje, sem curadoria, sem nada, sem questões pedagógicas. Não são museus com os quais me identifique e eu quero criar um museu para crianças, jovens e adultos, com uma intervenção que apanha as pessoas nas várias fases da vida, com um lado também terapêutico, com arte.

Na altura, quando idealizei isto, uma parte da coleção Berardo ia estar representada, mas isto tudo com muito investimento e muita massa, mas depois não se conseguiu, portanto, fui tentado encontrar investidores ao longo do tempo, mas não consegui. Estavam sempre todos muito interessados, mas depois não houve o investimento necessário, também porque eu estava a pôr a coisa numa plataforma demasiado megalómana, digamos assim, e entretanto tentei ir para o Porto, mas a pessoa que lá estava interessada no projeto acabou por morrer, enfim. Houve várias peripécias até que decidi fazer uma espécie de plataforma online, que era uma espécie de museu pedagógico e interativo, em que as exposições eram todas feitas de uma forma inovadora, mas que também era muito megalómano... Resumindo e concluindo, com o tempo, a maturidade e a perceção de que um museu totalmente online não era muito fácil para os patrocinadores ou investidores, transformei a ideia num museu mais pop-up e espero conseguir concretizar para o ano, se todas as estrelinhas estiverem finalmente alinhadas.

Espero conseguir nos próximos tempos concretizar esse meu sonho, o meu museu pedagógico do sexo, é fundamental, até mesmo para as pessoas perceberem que o sexo não é essa coisa banalEntão a ideia é mesmo levar o museu de Norte a Sul...

Sim, vai ser uma exposição, mas não dez em simultâneo, é interativo, é uma exposição que traz a novidade e que, quando termina, pode aparecer noutro sítio ou até já estar a montar uma nova. Não terá um sítio quase fixo. É um conceito que me parece mais viável nos tempos que correm e espero conseguir nos próximos tempos concretizar esse meu sonho, que é um sonho e continua a ser, aliás, antes de morrer quero fazer o meu museu pedagógico do sexo, é fundamental, até mesmo para as pessoas perceberem que o sexo não é essa coisa banal, essa coisa óbvia. Há muitas aprendizagens que as pessoas ainda têm que fazer e aparecem aqui pessoas ainda muito novinhas com dúvidas que eram do tempo da minha avó. O museu terá um espaço de diálogo, com coisas para miúdos e adaptadas às idades dos mais novos, dos adolescentes, dos mais velhos, e não só quinquilharia velha, ou chicotes, ou uma zona com fumo que é tudo mais do mesmo. Quero dar uma ideia inovadora sobre o sexo.

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui

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