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Divórcio. Um capítulo na infância que nem sempre deixa virar a página

O divórcio é um dos momentos mais marcantes na vida de uma criança. Tanto pode trazer boas memórias no futuro, como ser uma verdadeira mancha na infância, interferindo negativamente com a vida adulta. O Lifestyle ao Minuto contactou a psicóloga educacional Joana Collaço para perceber qual o verdadeiro impacto de uma separação nas crianças.

Divórcio. Um capítulo na infância que nem sempre deixa virar a página
Notícias ao Minuto

07:01 - 18/02/17 por Daniela Costa Teixeira

Lifestyle Joana Collaço

Assistir ao divórcio dos pais, seja este amigável ou não, é sempre um momento marcante para a criança. Na maioria das vezes, ver os pais seguirem caminhos diferentes e não saber em qual se deve encaixar pode trazer confusão, tristeza e até mesmo um sentimento de perda possivelmente irreparável.

A ciência tem-se dedicado a esta questão e são vários os estudos recentes que apontam para a maior tendência do impacto negativo na vida das crianças, contudo, os efeitos a longo prazo podem não ser tão fáceis de decifrar, pois tudo depende da própria criança e da atuação dos pais durante o processo do divórcio e nos meses e anos que se seguem.

Um estudo britânico publicado há cinco anos revela que as marcas do divórcio podem ficar adormecidas e voltar mais tarde, durante os primeiros anos da vida adulta. Já um estudo da Universidade da Virginia, nos Estados Unidos, sugere, por exemplo, que o divórcio traz sentimentos negativos às crianças, mas que esses tendem a desaparecer no segundo ano após os pais estarem separados.

Mais recentemente, um estudo da Universidade de Stanford volta a colocar o dedo na ferida e a revelar que todos os divórcios têm um impacto psicológico na criança, seja mais ou menos acentuado.

Tal como indica o psicólogo Carl E. Pickhardt, "o divórcio introduz sempre uma mudança massiva na criança do menino ou da menina e não importa a idade".Esta ideia é também defendida por Michael Lamb, professor de Psicologia na Universidade de Cambridge, que diz que o divórcio é sempre um marco para os filhos, porém, salienta que o impacto negativo ou positivo da separação apenas depende dos pais, uma vez que a boa relação entre ambos e da criança com os dois ajuda a atenuar os efeitos negativos do divórcio.

Para tentar perceber qual o verdadeiro impacto do divórcio na vida de uma criança e/ou jovem, o Lifestyle ao Minuto foi procurar respostas junto da psicóloga educacional Joana Collaço

Qual o verdadeiro impacto a nível mental, emocional e até de desenvolvimento de uma separação nas crianças?

Atualmente, assiste-se a um aumento considerável do número de separações e divórcios em Portugal, provocando mudanças significativas, de caráter psicológico e ambiental, na vida das crianças/adolescentes. Aquando do processo de separação as crianças, frequentemente, sentem a sensação de perda e o medo de abandono. As reações das crianças podem ser as mais diversas: pena, tristeza, medo de abandono, recusa da realidade (negação), culpabilidade, insegurança, cólera, fantasia de reconciliação dos pais, humilhação, etc. A forma como cada criança lida com estes sentimentos e elabora o processo de luto relativo à separação dos pais (influenciada obviamente pelo meio), é que condiciona o aparecimento ou não de quadros patológicos. Muitas crianças elaboraram a separação dos pais de forma natural, podendo não desenvolver patologias. Outras, por sua vez, apresentam mais dificuldades e podem vir a desenvolver quadros patológicos de: ansiedade, insegurança, tristeza/depressão, entre outros. Naturalmente, toda esta instabilidade emocional poderá ter repercussões a nível académico (por exemplo, desmotivação, dificuldades de manutenção da atenção e baixo rendimento académico) e social (por exemplo, isolamento social, comportamentos de oposição e desafio), podendo provocar, consequentemente, um comprometimento do desenvolvimento sócio-emocional da criança/adolescente.

O impacto da separação é diferente quando se trata de um divórcio amigável, em que os pais mantêm a amizade?

Sim. A separação, inevitavelmente, provoca mudanças no núcleo familiar, implicando por parte dos pais a capacidade de reajustar e reconfigurar a sua própria relação e a nova realidade familiar. Contudo, muitas das vezes isso não acontece, gerando-se conflitos e discussões que, direta ou indiretamente, envolvem a criança e têm repercussões negativas no seu desenvolvimento socioemocional, potenciando sentimentos de culpa, abandono, tristeza ou, ainda, raiva pela perceção de que têm de escolher um dos pais.

Por outro lado, se se desenvolver um relacionamento estável entre os pais, a criança pode ver nos pais uma fonte de apoio, sentindo-se mais à vontade para expor os seus medos e receios, existindo uma maior probabilidade da criança/adolescente se ajustar melhor à situação, minimizando os efeitos negativos da separação. A qualidade da relação dos pais é assim, extremamente importante para o bem-estar dos filhos, podendo ajudar a criança a lidar com as dificuldades na transição da estrutura familiar.

Naturalmente, toda esta instabilidade emocional poderá ter repercussões a nível académico (por exemplo, desmotivação, dificuldades de manutenção da atenção e baixo rendimento académico) e social (por exemplo, isolamento social, comportamentos de oposição e desafio).

Quem sofre mais, as crianças mais novas ou os adolescentes?

Essa é uma questão frequente, no entanto difícil de responder, na medida em que um processo de divórcio ou separação, por si só, é uma situação desagradável, que muito provavelmente provocará sofrimento na criança/adolescente independentemente da faixa etária em que se encontre.

Existe muito a conceção social de que as crianças mais pequenas não entendem o que se passa à sua volta e, por isso, não sofrem tanto com o processo de separação dos pais. No entanto, isso não corresponde de todo à realidade. A infância é a fase inicial do desenvolvimento psíquico e fisiológico da criança, havendo a necessidade da criação de um ambiente de segurança. A criança encontra-se dependente das regras impostas, do afeto, da segurança e do investimento contínuo dos pais. Quanto mais pequena, menos mecanismos de defesa estruturados tem, apresentando muitas dificuldades em colocar-se no lugar do outro, dificuldades em entender e simbolizar a separação dos pais, absorvendo tudo de forma muito intensa. Nesta fase do desenvolvimento, as crianças mais novas apresentam então uma maior propensão para o desenvolvimento de sentimentos de culpa, abandono entre outros, e, consequentemente uma maior probabilidade de desenvolver algum quadro patológico.

Contudo, como referi no início desta questão, as consequências e o impacto da separação, na criança ou no adolescente, dependem muito de criança para criança, podendo ser igualmente desestruturante, independentemente da idade.

Existe muito a conceção social de que as crianças mais pequenas não entendem o que se passa à sua volta e, por isso, não sofrem tanto com o processo de separação dos pais. No entanto, isso não corresponde de todo à realidade.

O que é que os pais devem fazer para atenuar as consequências que uma separação tem nas crianças?

Ao longo dos anos têm vindo a ser alvo de investigações e análise toda uma panóplia de comportamentos que visam minimizar o impacto que a separação tem nas crianças. Neste sentido, existe um primeiro momento crucial que é quando se efetiva a separação para a criança, por norma, corresponde ao momento em que os pais contam aos filhos que se vão separar ou aquando da saída de casa de uma das figuras parentais. Neste momento, é importante que sejam os dois (pai e mãe) a falar com a criança; que seja fornecida uma explicação reduzida e simplificada sobre o motivo da separação, sem muitos pormenores; que seja explicitamente referido à criança que ela não é a culpada pela situação; que a criança precisa de saber que a separação é definitiva e que os pais já não vão voltar mais a estar juntos enquanto casal; que a criança sente necessidade de ouvir, que apesar dos pais se irem separar um do outro, não se vão separar de dela e que continuam a amá-la da mesma forma; que é necessário esclarecer como vai ser a vida da criança daí para frente: o que vai mudar?; quanto tempo vai passar com o pai?; como vão ser as férias e os aniversários?; e, por último, deve ser demonstrada e verbalizada a disponibilidade dos pais para esclarecer qualquer dúvida da criança/adolescente.

Após este primeiro momento, a criança/adolescente começa a vivenciar efetivamente a separação dos pais. Depois da separação é então importante que os pais: Evitem verbalizar pensamentos negativos que tenham sobre o outro à frente da criança, uma vez que é essencial que as crianças construam uma imagem positiva dos dois; quando verbalizarem algo de negativo sobre outro, com alguém ou ao telefone, tentem assegurar que a criança/adolescente realmente não está presente ou não consegue ouvir; evitem tornar a criança/adolescente num ‘espião’ da vida do outro, e por isso, é importante absterem-se de perguntas detalhadas sobre o que fizeram em casa de cada um; tudo o que está relacionado com questões económicas, evitar expor à criança/adolescente, sobretudo, se a criança for pequena. Quanto mais pequena, menor a necessidade da criança saber se o pai ou mãe pagam o que devem; evitem transferir a vossa tristeza para a criança. A criança deve vivenciar a sua própria tristeza; e, por fim, quando existir outra pessoa – namorada(o), antes de apresentarem à criança/adolescente, tentem assegurar que há uma forte possibilidade de haver um futuro.

E qual o papel dos novos companheiros dos pais? O que podem fazer pela criança?

Após a separação, os pais deparam-se com a oportunidade de reconstruírem a sua vida e construírem novas relações de intimidade com outras pessoas. Assistimos assim, ao aparecimento de novas famílias ou famílias reconstruídas. Nesta fase, redefinir o sentido de família e os papéis de todos os elementos pode tornar-se um processo complexo e difícil para muitos pais que se encontram ainda imersos no impacto da desintegração familiar provocado pela separação. Do ponto de vista dos novos companheiros dos pais, a dificuldade de conseguir discernir os papéis de pai/mãe e ‘padrasto/madrasta’ pode gerar um sentimento de insegurança, resultante da necessidade de ajudar na educação da criança e o medo de se imiscuir demais naquilo que é o papel do pai/mãe.

Do lado das crianças, muitas vezes, ainda submersas na fantasia de reconciliação dos pais, um(a) novo(a) companheiro(a) representa a dissolução dessa ideia. O novo membro é visto como alguém que chegou para ocupar o lugar perdido do seu pai ou mãe. As dificuldades de aceitação do papel desta nova pessoa na família podem ser resultado da atenção que perdem ao compartilhar o seu pai/mãe com o novo membro ou, ainda, de sentimentos de culpa caso comecem a gostar desta nova figura, sentimentos estes decorrentes da sensação que estão a trair a outra figura parental.

Neste sentido, é importante que os novos companheiros transmitam à criança a ideia de que não estão ali para ocupar o lugar da mãe ou do pai, desenvolvam uma relação afetiva com a criança, de apoio e segurança, fazendo com que ela se sinta à vontade na sua nova casa e, gradualmente, introduzam regras. Embora não sendo a figura paterna ou materna de referência da criança, o novo companheiro(a) deve, no entanto, desempenhar aquilo que é uma função de um adulto que passa a maioria do tempo com a criança – educar. É crucial que estas novas famílias reconheçam que a estrutura e as regras são diferentes da família anterior, cabendo ao casal que constitui a nova família saber quais são, e em que consistem essas diferenças, para que possam alcançar a estabilidade familiar e a integração dos vários elementos.

E as escolas, o que devem fazer? Existe algum tipo de apoio para crianças cujos pais se estão a divorciar?

Se considerarmos que a escola é o local onde as crianças passam a maior parte do seu tempo, então também ela terá um papel importante de apoio à criança, durante o processo de separação dos pais. Se as crianças frequentam escolas onde existe, verdadeiramente, uma relação entre pais-escola, onde os professores estão atentos aos alunos, então informar a escola/professor(a) sobre a situação que a criança está passar, pode ser importante, no sentido de criar um ambiente de empatia e compreensão para com a criança. O professor(a), articulando com o psicólogo(a) da escola, pode abordar o tema em sala de aula, com atividades ou histórias, mostrando à criança que: não é a única a passar por essa situação; o que aconteceu poderia acontecer com qualquer outra criança; não é preciso ter vergonha; é natural sentir falta de vontade de estudar; ajudando também a criança a gerir os seus estados emocionais. Se a criança estiver com muitas dificuldades em gerir e elaborar todo o processo de separação dos pais, existe a possibilidade por parte dos professores, de sinalizar a criança para um acompanhamento/apoio com o psicólogo(a) da escola. O próprio psicólogo(a) da escola, pode ainda, desenvolver atividades com os pais, dando estratégias parentais de como apoiar a criança durante este processo.

Em alguns países, existem escolas com programas específicos para os pais e para as crianças que passam por esta situação. Em Portugal, não tenho conhecimento de que haja um programa estruturado que seja aplicado nas escolas, o que não quer dizer que não haja uma escola ou outra, que o faça e implemente. Tendo em conta o aumento significativo de divórcios e separações que têm ocorrido em Portugal, penso que até seria de extrema relevância a criação e implementação de um programa nas escolas com o intuito de apoiar tanto as crianças (fazendo grupos consoante as idades), como os pais que estejam a passar por esta situação. Naturalmente, que tudo isto implica por parte da escola (direção), ou de instâncias políticas e governamentais, disponibilidade e meios que nem sempre existem, mas creio que com bom senso e vontade tudo se consegue.

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