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"Quem diz que eu sou ladrão, diga quando, onde e a quem roubei"

Sem papas na língua, Isaltino Morais fala da sua passagem pela prisão, acusando a justiça de o ter condenado sem provas. Passos Coelho, Marcelo Rebelo de Sousa e a Geringonça foram outros temas que o entrevistado do Vozes ao Minuto de hoje abordou.

"Quem diz que eu sou ladrão, diga quando, onde e a quem roubei"
Notícias ao Minuto

21/04/17 por Patrícia Martins Carvalho

Política Isaltino Morais

Passou 14 meses no interior de uma cela prisional, tendo-a dividido com outros quatro reclusos.

Quase três anos após a sua libertação - cumpriu metade da pena de dois anos a que foi condenado por fraude fiscal e branqueamento de capitais - Isaltino Morais diz que é injustificável o que se passou, garantindo que não existiam provas que o pudessem condenar.

Mas não é apenas a justiça que é alvo das críticas do ex-autarca que quer agora regressar ao cargo que ocupou durante mais de duas décadas em Oeiras. Passos Coelho também não escapou. Os elogios? Esses ficaram para Marcelo Rebelo de Sousa e para a 'Geringonça'.

A prisão é a face mais negra do Estado. Todos os dias temos de dizer a nós próprios quem somos para não perdermos a identidadeComo foi a sua passagem pela prisão?

Foi uma experiência difícil, horrorosa. A prisão é a face mais negra do Estado. Na prisão todos os dias temos de dizer a nós próprios quem somos para não perdermos a nossa identidade. A prisão é massificadora, não há respeito pelos cidadãos dentro das prisões. Ninguém tem noção o que é o tratamento dentro de uma prisão.

Mas foi maltratado?

Não, mas há muitas formas de atingir a dignidade das pessoas. A fragilidade dentro de uma prisão é enorme e as pessoas podem dar-se à depressão, ceder a pensamentos negativos. Nunca aconteceu comigo, eu sempre tive pensamentos positivos, mesmo quando não recebia visitas porque havia greve ou porque não podia ter mais livros do que aqueles que permitiam...

O que é que aprendeu com esta experiência?

Hoje compreendo melhor que há pessoas que precisam mesmo de quem lhes dê voz e se eu tinha tolerância antes de ter sido preso, hoje ainda tenho mais.

Como responde a quem diz que é contra uma pessoa condenada exercer cargos públicos?

Não tenho de responder. Eu vejo a cobardia que se esconde por trás das redes sociais e do anonimato. Quem diz que eu sou ladrão só precisa de dizer quando, onde e a quem roubei. Fui condenado por fraude fiscal que não teve nada a ver com o exercício de funções. A pergunta que se devia fazer era: como é que é possível um cidadão, réu primário, ser condenado a dois anos de prisão efetiva? Desde o 25 de Abril não há um único caso assim. Como é que a lei se aplicou dessa forma ao Isaltino e não a outros?

A verdade é que nada se provou, fui condenado sem qualquer provaPorque é que acha que isso aconteceu?

Esses comentários cada um que os faça. A verdade é que nada se provou, fui condenado sem qualquer prova pois as Finanças sempre disseram que eu não devia nada ao Fisco. Fui condenado, cumpri a pena de prisão e, portanto, tenho os meus direitos civis absolutamente impolutos.

Casos como os de Isaltino, Miguel Macedo e José Sócrates afetam a credibilidade dos políticos?

Claro que afetam, mas não apenas a credibilidade dos políticos. A dos magistrados também é atingida. O problema da seriedade não é apanágio desta ou daquela classe social.

A justiça tem de ter factos, provas e culpa. Infelizmente em Portugal não é assimEm que medida afeta a credibilidade dos magistrados?

A justiça tem de ter factos, provas e culpa. Infelizmente em Portugal não é assim. As pessoas são condenadas em praça pública e isso descredibiliza a justiça. Mas é preciso ver que os crimes são praticados em todas classes sociais. Não podemos é generalizar. Quando surge um caso ligado à política, se a pessoa for condenada com provas, aplica-se a justiça e isso dignifica a justiça e a classe em questão. Assim, as pessoas não podem dizer que os políticos são todos iguais.

Como vê a abordagem do PSD às eleições autárquicas?

Seria de esperar que, sendo o maior partido da Oposição e sendo um partido de vocação governamental, fizesse uma aposta forte na Câmara Municipal de Oeiras (CMO) que é uma das câmaras mais importantes do país.

Há alguma justificação para não o fazer?

Não se compreende, porque o PSD neste momento não está no governo, por isso tem muita gente disponível para ser candidato a uma câmara e se não aparece ninguém com experiência política, seja no governo ou no Parlamento, é porque o partido desvaloriza as autarquias. A solução encontrada para Oeiras foi o dr. Ângelo Pereira, o atual presidente da comissão política de Oeiras, que é um jovem. E é surpreendente que o candidato à Câmara Municipal de Lisboa tenha surgido em março, quando devia ter aparecido em setembro ou outubro.

Na realidade, o que o PSD está a disputar em Lisboa é o campeonato da 3.ª divisão Teresa Leal Coelho é uma candidata forte para Lisboa?

Não, claro que não. É uma candidata de recurso. Na realidade, o que o PSD está a disputar em Lisboa é o campeonato da 3.ª divisão e portanto pode ficar em segundo ou terceiro lugar. Hoje já ninguém tem dúvidas de que o atual presidente da Câmara vai ganhar a eleição.

Pedro Passos Coelho não é um bom líder para o PSD?

As pessoas dentro do PSD estão satisfeitas com ele, senão não o elegiam. Eu não tenho de me pronunciar sobre o líder do PSD e quando falo do dr. Pedro Passos Coelho falo do governo que dirigiu que foi magistral ao conseguir, através de uma máquina de propaganda, meter na cabeça das pessoas que elas viviam acima das suas possibilidades, tudo para justificar as medidas da troika. Só vive acima das possibilidades quem tem possibilidades para isso.

Avizinham-se umas eleições autárquicas difíceis para Pedro Passos Coelho?

Tudo indica que o PSD não vai ter razões para beber champanhe no dia 1 de outubro.

Vai ser a queda do líder do PSD?

Acho que não. Ele já disse que não se demite. O sentido oportunista dos eventuais candidatos à liderança do partido será o de esperar pelas próximas legislativas. António Costa está bem encaminhado para ganhar, por isso vão deixar que Passos Coelho perca as legislativas.

Vão deixá-lo afundar?

Eu acho que sim. Eu acho que Rui Rio seria um excelente líder do PSD, com uma visão diferente e que seria capaz de fazer um acordo com António Costa. Eu sempre fui contra o bloco central, mas reconheço que na fase em que o país se encontra há reformas que têm de ser feitas e um acordo com o PS neste momento é impossível com Pedro Passos Coelho.

No tempo de Passos Coelho as pessoas tinham vergonha de gastar dinheiro, andavam deprimidas e preocupadas com o futuroÉ muito crítico da governação de Pedro Passos Coelho...

Eu considero-o uma pessoa extraordinária, mas como governante revelou-se muito insensível para com os problemas das pessoas. No tempo de Passos Coelho as pessoas tinham vergonha de gastar dinheiro, andavam deprimidas e preocupadas com o futuro. Os políticos têm de dizer a verdade, mas a política também tem de dar esperança e não apresentar um futuro cada vez mais negro.

Passa-lhe pela cabeça vir a liderar o PSD?

A mim não nunca me passou pela cabeça, mas houve alguns dirigentes do PSD que tiveram esse fantasma. Não é um objetivo meu. Para ser presidente de um partido as pessoas têm de se preparar para isso, eu nunca falei inglês suficiente para poder ser presidente e um presidente de um partido tem de falar um inglês correto [risos]. Mas não, não está nos meus planos, muito menos agora.

Como vê a solução governativa encontrada pelos partidos de Esquerda?

A 'Geringonça' é uma criação de Passos Coelho e Paulo Portas. O Bloco de Esquerda e o PCP uniram-se ao PS porque não queriam aquela Direita no governo. Eles sempre toleraram o PSD nos governos, mas era um PSD social-democrata e não este que é profundamente neoliberalista. A social-democracia funda-se essencialmente na distribuição do rendimento de uma forma justa e através de impostos progressivos e foi isso que a 'Geringonça' fez, enquanto o PSD e o CDS isentaram os ricos e puseram os pobres a pagar.

O PSD continua a dizer que a estratégia do Governo vai levar o país ao ponto de quase bancarrota em que se encontrava em 2011…

Não é isso que diz o Plano de Estabilidade e Crescimento apresentado agora e em que se propõe um nível de crescimento que pode chegar aos 2%. Se realmente aquilo for concretizado, em 2019 o PS poderá ganhar as eleições com maioria absoluta.

Este Governo está a demonstrar que havia alternativas à sangria que se estava a fazer à classe médiaOs dados que têm vindo a ser divulgados são sustentáveis?

Não podemos embandeirar em arco, mas também não podemos ir no canto do PSD. Na minha opinião, estas políticas não degradam a situação dos portugueses. Este Governo está a demonstrar que havia alternativas à sangria que se estava a fazer à classe média.

Mas os impostos indiretos aumentaram.

Possivelmente até estamos a pagar mais, porque ao nível dos impostos indiretos foram aumentos significativos, mas ainda assim isso significa que havia alternativas. Onde eu acho que o Governo está a falhar, mas também o outro falhou, é ao nível da política de investimento, de criação de riqueza. Nós portugueses temos de trabalhar mais.

Defende o aumento do horário de trabalho?

Não, não é trabalhar mais horas, é produzir mais. Em Portugal produz-se pouco, mas quando um português emigra produz como produzem os trabalhadores locais. Há qualquer coisa na organização do trabalho no nosso país que não está bem. Ou é ao nível dos quadros intermédios, ou dos dirigentes, ou são problemas de formação. Temos de aumentar a nossa produção per capita. Se não aumentarmos a riqueza não a podemos distribuir.

Marcelo ultrapassou as expetativas todas que eu tinhaMarcelo Rebelo de Sousa está a ser um bom Presidente?

Excelente. Ultrapassou as expetativas todas que eu tinha. Há pouco falava em esperança e o Presidente da República teve um papel estabilizador, de equilíbrio, de otimismo. Tem tido um efeito muito positivo e teve um contributo extraordinário para acalmar a crispação política que havia em Portugal.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.

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