Não há como contornar a realidade que vivemos na era digital. Redes sociais, serviços de mensagens e plataformas digitais recheiam um quotidiano onde podemos comunicar e desempenhar tarefas de forma mais célere e conveniente.
Porém, é fácil esquecer que nem todas as pessoas têm acesso estes recursos e que nem todos sabem como usá-los. É neste sentido que surge o Movimento pela Utilização Digital Ativa (ou MUDA) iniciado por Alexandre Nilo Fonseca, que o Tech ao Minuto teve oportunidade de entrevistar.
A experiência de Alexandre Nilo Fonseca na área da comunicação (seja nos media ou nas telecomunicações) terá sido a base do que o fez lançar-se no MUDA, um projeto que já conta com mais de dois anos e que promete continuar a tentar mudar a vida dos portugueses
O MUDA é uma das mais recentes e ambiciosas iniciativas do Alexandre. Quais são os objetivos concretos e como surgiu a ideia de iniciar o movimento?
MUDA quer dizer Movimento pela Utilização Digital Ativa e, como o próprio nome indica, queremos mudar a vida dos portugueses. Queremos que todos os portugueses – e não apenas alguns – possam tirar partido do que a tecnologia permite, alterando a forma como estudamos, trabalhamos, compramos, nos divertimos ou relacionamos com o Estado.
Quase 80% dos portugueses já tem acesso à Internet mas continuamos a ter uma parte muito substancial (mais de dois milhões) que nunca utilizaram. E quem são essas pessoas? Tendencialmente são mulheres, acima dos 65 anos, e que do ponto de vista de educação têm níveis mais baixos… Há vários fatores que contribuem para essa exclusão. A partir do que temos estudado, grande parte destas pessoas não utiliza Internet porque não tem conhecimentos para tal.
Temos todos a responsabilidade de garantir que nenhum cidadão fica para trás. Se já é natural irmos automaticamente ver um trailer antes de ir ao cinema, ouvir a música que gostamos, ou pagarmos os impostos através da Internet, isso não faz parte do dia a dia de algumas pessoas Mencionou o público feminino como um segmento com uma literacia digital menos avançada. Na sua opinião, porquê a diferença de competências entre o público feminino e masculino?
Por razões históricas sociais portuguesas. A geração que tem hoje entre 60 a 80 anos – as nossas mães e avós – são muitas vezes mulheres que nunca trabalharam e muitas pessoas tiveram o seu primeiro contacto com computadores através do trabalho.
Quando criámos o movimento, uma das coisas que sentimos é que não há nada que nos informe sobre os novos serviços que o Estado e que empresas disponibilizam ao mercado. Havia aí uma falta de ferramentas de comunicação regular com os portugueses. Por um lado, não existia nenhum programa estruturado de formação para adultos com competências básicas digitais (criar e-mail, enviar e receber mensagens, fazer pesquisas, usar redes sociais). Por outro lado, ao mesmo tempo que temos esta quantidade de pessoas que não sabe usar Internet, os que a utilizam não têm todos os mesmo nível. Temos somente cerca de 30% que usa a Internet de uma forma muito sofisticada (compras online, homebanking e beneficiam de uma rede de telecomunicações muito boa).
A nossa grande missão é trazer para os dias de hoje os portugueses que não têm contacto com o mundo digital e sofisticar os utilizadores que ainda têm competências muito básicas. Este segundo grupo é composto por cerca de quatro milhões de pessoas.
© MUDA
Queremos melhorar a forma como estes utilizadores interagem com o Estado, as empresas, entre eles… Há aqui todo um projeto de cidadania. Acreditamos que um cidadão mais informado, que tenha acesso a outras fontes de informação através da Internet, que tenha acesso a serviços que de outra forma não teria, é um cidadão mais participativo que faz com que o país também seja mais avançado e inclusivo.
Temos todos a responsabilidade (incluindo os meios de comunicação) de garantir que nenhum cidadão fica para trás. Temos de pensar que – se é verdade que temos acesso à Internet e se já é natural irmos automaticamente ver um trailer antes de ir ao cinema, ouvir a música que gostamos, ou pagarmos os impostos através da Internet – isso não faz parte do dia a dia de algumas pessoas.
Quer isto dizer que, atendendo às estimativas grande parte dos seres humanos viverão até aos 80/85 anos, estamos a falar de pessoas que viverão mais 10 a 20 anos. Vale muito a pena fazermos o esforço de mudar a vida das pessoas e ajudá-las a fazerem este trajeto que é começarem a utilizar o digital no seu dia a dia e serem mais informadas.
Com que tipo de ações é que o MUDA pretende levar a cabo este aumento de literacia digital?
O MUDA tem neste momento várias iniciativas. Nos últimos meses temos vindo a realizar um ‘roadshow’ pelo país de Faro a Braga e já estivemos em 30 locais diferentes.Temos uma tenda gigante que anda a passear pelo país durante o verão nas grandes feiras, onde há muita gente.
Mais de 30 mil portugueses interagiram connosco neste ‘roadshow’ que tem três componentes: de mini-escola, para quem tem competências mais básicas possa aprender o que é isto da Internet, o que pode fazer com ela e como é que pode mudar a sua vida; temos o Café MUDA, onde as pessoas com conhecimentos mais sofisticados podem obter algum aconselhamento para melhorar; e um espaço de experimentação para os mais novos onde temos óculos de Realidade Virtual e Aumentada para se divertirem.
Durante o inverno, este ‘roadshow’ sai do terreno e vai para os centros comerciais onde podemos continuar a relação com os consumidores. Tivemos este projeto em parceria com televisão, o que quer dizer que entrámos mais de 30 vezes em televisão durante os fins de semana, sensibilizando os portugueses que assistem aos programas do ‘day time’.
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Estas sessões do ‘roadshow’ não são muito complexas até porque são itinerantes e andam de cidade em cidade, pelo que era importante criarmos algo diferente. Criámos então o MUDA na Escola em 18 escolas secundárias, em que quem dá as aulas são os jovens do 11.º e 12.º ano. Temos neste momento mais de 220 jovens formados para poderem dar aulas a séniores, devidamente apoiados e com a colaboração dos próprios professores.
Estas aulas do MUDA na Escola têm lugar em 18 escolas secundárias no centro de norte de Portugal e aulas ocorrem nas terças-feiras das 14h30 às 16h30. As inscrições são feitas de um número grátis, porque temos sempre de assumir que algumas das pessoas interessadas em ter esta formação não têm acesso à Internet. Obviamente, também é possível fazê-lo no próprio site da iniciativa.
Temos também o MUDA num Minuto, que foi criado para ter já mencionada comunicação regular. É um programa diário de televisão, com um minuto de duração. O programa não é sobre o digital, é como mudar a vida das pessoas num minuto. Tem dicas de como renovar a carta de condução, validar as faturas no programa e-fatura, pedir um registo criminal, marcar uma consulta… Tem todo um conjunto de informações de serviço público, como também informações empresariais, como pedir um crédito ou comprar uma garrafa de gás pela Internet.
O MUDA num Minuto já tem cerca de 180 emissões e é transmitido na RTP 1 e RTP 3 às 8h30 dentro do ‘Bom Dia Portugal’ e também na Antena 1 às 17h30 em versão rádio. A nível de audiências, as nossas últimas informações dizem-nos que tem cerca de 30 mil pessoas por dia. Também o temos no YouTube, na RTP Play e outras plataformas. Este projeto é muito importante porque é uma forma de estar todos os dias no ar, de termos conteúdo inclusivo muito interessante e num formato diferente.
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Queríamos também premiar pessoas que passem de competências básicas para mais sofisticadas, o que nos levou a lançar um concurso chamado MUDAR a Ganhar. Esta iniciativa foi lançada em janeiro e concluiu há pouco tempo a primeira edição.
Nesta iniciativa os bancos, empresas de telecomunicações, seguradoras e hotéis atribuem códigos por os consumidores completarem determinada ação, por exemplo, quando um cliente adere a um cartão em compras através da Internet ou de acordo com a utilização da respetiva app ou plataforma online. O objetivo é que todas as empresas identifiquem um conjunto de serviços que, se os consumidores os usarem, enviam códigos para introduzirem no nosso site para receberem prémios, como bilhetes de cinema, vales de hotéis e vales de compras e de combustíveis. Tivemos quase dois milhões de portugueses a participar nesta iniciativa e entregámos um total de 5.120 prémios durante este período e, no final houve um grande vencedor que ganhou um carro.
O MUDA tem esta perspetiva, de chegar a todos os portugueses, recompensando os que já são avançados, seja os que ainda não sabem utilizar, seja mobilizando no terreno jovens voluntários para perceberem como ajudar neste processo de transformação do país.
Quando começámos a dar ações de formação aos jovens no âmbito deste programa, muitos deles nem tinham ideia do que era um carteiro. Não temos de ensinar a um jovem o que é o e-mail ou o Facebook, temos é de lhes explicar o contexto da vivência de um sénior
Qual é a importância que assume o programa para a escola do MUDA?
Este programa de voluntariado é muito interessante porque coloca os jovens e os séniores em conjunto nas mesmas ações.
Um aluno com menos de 18 anos não tem ideia de como é a vida de um sénior. Quando começámos a dar ações de formação aos jovens no âmbito deste programa, muitos deles nem tinham ideia do que era um carteiro. Portanto, esta é uma forma dos mais novos perceberem o dia a dia dos mais velhos e de como lhes podem explicar o potencial do e-mail ou das pesquisas online.
É muito importante levá-los para a realidade dos outros, isto para que percebam como aquilo que estão a explicar pode ter relevância para os séniores.
© MUDA
Tem sido esse o principal problema? Articular as duas gerações?
Não. Não temos de ensinar a um jovem o que é o e-mail ou o Facebook, temos é de lhes explicar o contexto da vivência de um sénior. Há também outra questão. Muitos destes jovens, que passaram a dar aulas, passaram também a valorizar mais o papel dos professores e isso é muito importante. Há aqui várias coisas que do ponto de vista da intervenção social e até participativa são relevantes. Este é um projeto que lhes permite participarem ativamente na formação de séniores.
O projeto terminou agora com o ano letivo mas vamos regressar em setembro com (esperamos) muito mais escolas que até se podem candidatar no site do nosso projeto. Lançámos também o MUDA na Aldeia que, como o nome indica, não se passa na escola mas numa aldeia, mais precisamente na respetiva Casa do Povo.
Ao fazermos o MUDA na Aldeia também pensámos que há sítios que não são aldeias mas também não têm escolas secundárias nas imediações. Começámos a pensar que um local alternativo para fazer estas formações seria em juntas de freguesia, até porque algumas delas têm alguns computadores e alguma capacidade de fazer isto.
Decidimos então lançar o MUDA no Bairro, que vamos testar em breve e que vem a completar as outras duas ofertas enquanto projeto de inclusão digital para adultos que se passam em locais diferentes. Isto para dizer que o céu é mesmo o limite. Fizemos estes conteúdos e podemos sempre fazer novos dependendo de quem nos procure.
Para o Alexandre, qual é o grau de literacia digital dos portugueses e como é que isso nos ajuda ou prejudica?
Comparado com a Europa, Portugal tem um grau bastante elevado de info-excluídos. Ocupamos a 5.ª posição a contar do fim, o que significa que não estamos bem. É mesmo importante fazermos um esforço de trazer o máximo de pessoas possível para o digital.
Por outro lado também, temos muitas pessoas com competências básicas. As que têm competências avançadas estão ao nível dos avançados, temos uma boa infraestrutura mas depois temos muitos info-excluídos e muitos básicos. Acreditamos que o MUDA tem ajudado a fazer essa transformação e se calhar daqui a um ano teremos uma percentagem menor de info-excluídos.
A nossa expetativa é chegar a 2020 e que pelo menos mais um milhão de portugueses passe a usar a Internet e que cerca de dois milhões de portugueses demonstre conhecimentos mais avançados. Essa é a nossa ambição e, até agora, estamos satisfeitos com os resultados apesar de estarmos a meio do caminho.