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"Não voltava ao Festival da Canção. Não quero colocar-me nessa posição"

Diogo Piçarra é o entrevistado de hoje do Vozes Ao Minuto.

"Não voltava ao Festival da Canção. Não quero colocar-me nessa posição"
Notícias ao Minuto

28/02/19 por Rita Alves Correia

Fama Diogo Piçarra

Em dezembro de 2018, Diogo Piçarra "fechou um ciclo" profissional com o lançamento do DVD com imagens dos concertos nos Coliseus do Porto e Lisboa. Após quatro anos de concertos ao vivo, o cantor está agora dedicado a atuações acústicas. Em cima do palco, a sós com o público.

Sob o mote da nova fase profissional que vive, viajámos no tempo e recordámos onde tudo começou. Passou uma década desde a sua primeira participação no 'talent show' da SIC 'Ídolos', programa que veio a vencer três anos depois, em 2012, numa nova edição. 

Dez anos separam o jovem algarvio que atuava em bares do músico Diogo Piçarra. Ainda que se sinta o mesmo, o percurso fala por si. 

Viveu o ano passado um dos momentos mais frágeis da sua carreira, com a participação no Festival da Canção, que abandonou após ser acusado de plágio. Falou-nos dessa decisão, tomada com os pés assentes na terra, e dos passos que o trouxeram à ribalta. 

Falámos em dezembro, no lançamento do DVD dos concertos no coliseus e da revista, como foi o feedback do público?

Foi tudo uma novidade para mim e vê-lo estrear no cinema... Foi uma enorme surpresa perceber que era o que as pessoas estavam à espera. Há muito tempo que me pediam. Sabiam que tinha filmado os concertos. Fui muito bem recebido, esteve no top 1 durante três semanas. Agora é uma peça de coleção que faz parte da casa das pessoas. A experiência de ver os concertos naquele ecrã… Para mim também foi ótimo. Foi a primeira vez que me vi no grande ecrã.

Como foi?

Nunca vou conseguir ver um concerto de frente. Sou o ator principal e nunca vou conseguir sair para me ver diferente. Por isso, parecia mesmo que estava na plateia e de facto é uma nostalgia imensa. De certa forma, esse ciclo já fechou.

O ambiente que se vivia na sala era de aplausos, cantorias, um coro, uma energia muito vibrante. Quando saiu de lá, o que é que lhe ia na cabeça?

Ia com o sentimento de dever cumprido. Deu muito trabalho. Criámos cerca de oito versões do DVD. Foi muito trabalhosa também a parte do áudio.

Pela primeira vez vou estar praticamente sozinho em palco, sem grandes artifícios, tenho apenas algum cenário que simboliza o ‘Abrigo’ Referiu que foi o fecho de um ciclo, Que ciclo foi esse?

Foi o final de um ciclo de quatro anos de concertos ao ar livre, nunca parei. E iniciei este ciclo dos concertos acústicos, vai ser um ano de auditórios. Pela primeira vez vou estar praticamente sozinho em palco, sem grandes artifícios, tenho apenas algum cenário que simboliza o ‘Abrigo’.

Estes concertos mais intimistas são um desafio maior?

São diferentes. Não sinto que sejam mais difíceis ou mais fáceis. Tive de fazer tudo de novo. Tive de repensar as músicas quando já estava tudo automatizado, era só chegar a palco e estava uma hora e tal planeada. Tive de começar uma nova estrutura. Pensar num novo ‘set list’ para o concerto. Estou ali uma hora e meia em cima do palco, por vezes a falar, a cantar covers que marcaram a minha vida. Por isso é um desafio completamente distinto do que tenho vindo a fazer e as pessoas sentem isso, sentem uma magia diferente. Tenho tido um bom feedback, acho que as pessoas se sentem mais perto de mim.

Os covers representam momentos simbólicos do seu percurso?

Sim, canto músicas que fazem parte da minha vida. O concerto é livre, não tem guião. Para mim é um conceito muito libertador.

Estou sempre a fazer coisas, a minha vida é planear planos B. Tenho de parar um pouco e fazer novas canções, tenho duetos em fila de esperaAgora dedicado aos concertos acústicos, há mais novidades que possa revelar?

Estou sempre a fazer coisas, a minha vida é planear planos B. Tenho de parar um pouco e fazer novas canções, tenho duetos em fila de espera. Trabalhei recentemente com a Ana Bacalhau. Há muita coisa que tenho guardada e espero lançar este ano. No final no verão poderei começar a lançar as bases do novo disco e anunciar as datas de 2020. Depois desta tournée espero ir pela Europa cantar para comunidades portuguesas.  

Os emigrantes são um público com características especiais.

Exatamente, é totalmente diferente. Já tive oportunidade de tocar na Suíça, em França, e sinto mesmo uma energia diferente. Aquela saudade, a nostalgia no ar. Sentimento de pertença, de que eu sou deles, sou um produto do país deles, e é muito bom sentir essa energia.

A primeira participação nos ‘Ídolos’ foi há dez anos. Para si foi há mais ou menos tempo?

Já nem me lembrava da primeira participação. Foi a segunda, em 2012, que mudou tudo. Tanta coisa já aconteceu, tantas pessoas que já conheci, tanto que já viajei e parece que foi tudo num ano. Nunca imaginei ir àqueles castings e hoje estar aqui, fazer a minha música. Não sei que pensar... Faria tudo de novo. Faz parte da experiência receber um não, ser eliminado. A pessoa que sou hoje também se deve a essa parte menos boa do percurso. Foi a minha aprendizagem. Por um lado deixa saudades, por outro é um alívio porque já passou.

A segunda vez que concorreu, em 2012, foi porque a família o inscreveu. Chegou a dizer que foi levado por essa confiança dos seus pais e o que é certo é que acabou por vencer. Que sonhos e que medos o preenchiam?

Acho que não tinha tantos sonhos como os meus pais tinham. Tinha só o sonho de tocar para a família, em bares. Era o meu objetivo a curto prazo, nunca pensei pisar palcos gigantes. Vivia no meu casulo e não pensava em sair. Acho que é importante vivermos rodeados de pessoas que nos fazem ter uma perspetiva maior. Não sei se sentia medo, nunca me veio à cabeça. Simplesmente fui na maré.

Essa é a pergunta que faço todos os dias. Quem sou eu? Um rapaz do Algarve que tinha tudo para não dar certoComo é que o jovem algarvio, que vinha de uma família sem historial artístico, se viu num programa com tamanha exposição?

Essa é a pergunta que faço todos os dias. Quem sou eu? Um rapaz do Algarve que tinha tudo para não dar certo. Seja por não conhecer ninguém no meio, seja pelos pais serem pessoas anónimas… As coisas foram-se construindo. Nunca tive um plano. Foi sorte com muito trabalho à mistura. Sou muito trabalhador e muito persistente.

Quando acabei o 'Ídolos', não havia mesmo ninguém para me ajudar. Ninguém para me dar um conselho. Desde 2012 a 2015 estive três anos praticamente sozinho a trabalhar no meu quartoA participação ou mesmo a vitória num ‘talent show’ não assegura uma carreira na música. O que é preciso para vingar?

Nunca sei explicar. Há pessoas mais talentosas do que eu, mas não sei o que aconteceu a meio do caminho. Não sei o que aconteceu de maneira diferente comigo. Todos tivemos oportunidade de lançar um disco, estudar em Londres… Não sei se o facto do meu estilo musical ser mais comercial ajuda. De certa maneira, o público espera uma estrela pop. Mas noutros aspetos não sei onde seremos diferentes. Acho que o que mudou em Portugal é a valorização da música portuguesa. O aparecimento de produtores, agências, que puderam ajudar estes novos concorrentes. No meu caso foi a Universal. No caso do Fernando [Daniel] foram produtores. Antigamente não havia tanto esta valorização.

Quando acabei o programa, não havia mesmo ninguém para me ajudar. Ninguém para me dar um conselho. Desde 2012 a 2015 estive três anos praticamente sozinho a trabalhar no meu quarto a fazer música. De repente surgiu o Fred Ferreira [produtor], que aceitou o desafio de me ajudar nas canções. Já tinha as músicas feitas, só precisava de um rumo para elas. Veio mudar tudo. É isso que muda no final de um programa: ter alguém que nos ajude.

Em que é que o mundo do espetáculo o desiludiu e surpreendeu?

Desiludiu-me pela falta de ajuda. Tive de ser muito autónomo e autodidata. Foram três anos um pouco difíceis. Tentei estar sempre presente, a lançar covers ou a ir a alguns eventos, e realmente foi o que me salvou. O que me surpreendeu foi neste processo, com o Fred, conhecer pessoas que admirava e que me deram conselhos, como é o caso do Carlão. Surpreendeu-me imenso o apoio de muita gente, não houve preconceito por ser de um programa de televisão. Essas pessoas receberam-me de braços abertos. A Universal também, durante três anos nunca desistiu de mim, somos unha com carne. Houve muita coisa má e boa.

Não sei se isto é uma crise de valores, se é vontade de aparecer, artistas não faltam, faltam é seres humanosCada artista é um mundo? Ou hoje, pelo imediatismo, estamos mais determinados em ganhar a corrida do que em fazer prevalecer a essência?

Pode vir a tornar-se numa crise. Parece uma corrida, uma competição, em que não há nada para ganhar. Tento sempre pensar com calma no que quero fazer na minha vida porque às vezes a pressão pode fazer-nos ceder. Muitas pessoas a querer lançar muitas músicas, toda a gente a querer ser mais da moda, toda a gente a querer fazer o que se faz lá fora e eu tento pôr um travão na minha cabeça. Penso sempre: Espero não me arrepender do que faço quando tiver 40 anos, espero continuar a cantar as mesmas canções. Espero estar a fazer as escolhas certas.

Não sei se isto é uma crise de valores, se é vontade de aparecer, artistas não faltam, faltam é seres humanos. Há muitos produtos vazios por aí. Isto é tudo tão efémero… Queres fazer parte das modas, faz, mas as modas passam.

Tem sido um caminho com tanto de intenso como de sólido. Quando pára para pensar, consegue ter a perceção de onde chegou e do que conquistou?

Tento não pensar nisso porque isso é o que nos leva à loucura. Encaro a música como se tivesse 17 anos. Pegar na guitarra, brincar e ver o que sai. Quando se acaba um álbum, é quase como começar do zero. É provar novamente porque é que mereço o apoio das pessoas.

Achei melhor abandonar o Festival da Canção porque era a única maneira de silenciar tudo, todas aquelas energias, todos aqueles comentários… E aconteceu, foi a melhor coisa que fizO ano passado viveu um dos momentos mais frágeis do seu percurso, com a participação no Festival da Canção. Acabou por desistir do concurso depois de ter sido acusado de plágio. Essa decisão deve-se ao facto de não gostar de alimentar polémicas?

Claro, a minha vida nunca foi feita de polémicas nem de capas de revista. Quero ser falado pela minha música. De certa maneira, percebi que nada disso estava a acontecer naquele momento. Já nem se falava de música. A música que eu tinha feito era importante para mim, demorei imenso tempo a fazê-la. Se tivesse percebido, a meio do processo, que era parecida com algo, tinha abandonado e tinha feito algo de novo. Dei tanto trabalho e foco que não pensei em mais nada. Foi um processo tão bom e tão bonito que depois não acabou da melhor maneira.

Da maneira que estava a ser desenvolvido, achei melhor abandonar porque era a única maneira de silenciar tudo, todas aquelas energias, todos aqueles comentários… E aconteceu, foi a melhor coisa que fiz. Não foi desistir, foi abandonar. Já foi uma vitória para mim ter recebido aqueles votos do público e dos jurados.

Só me deixou mágoa no sentido em que queria representar o meu país [na Eurovisão] e trazer a taça como o Salvador Sobral, ser o Cristiano Ronaldo da músicaO que guarda desse momento?

Já não me considero um miúdo, encaro as coisas com maturidade. Foi como se fosse uma música que fiz em casa, não gostei e deitei fora. A vida continua. Este senão não vai manchar nada do que eu fiz. Só me deixou mágoa no sentido em que queria representar o meu país [na Eurovisão] e trazer a taça como o Salvador Sobral, ser o Cristiano Ronaldo da música.

Qualquer compositor, qualquer músico, pode passar por isto de fazer coisas parecidas. É a sina do compositor.

Essa vontade de representar Portugal prevalece? Participaria de novo?

Não. Acho que chega uma primeira experiência. Sinto que era como voltar ao ‘Ídolos’ novamente, não faz sentido. Participar uma vez já foi um risco porque poderia ter tido uma má pontuação - e isso ainda seria pior do que o que aconteceu - e ser visto como um mau compositor ou um mau intérprete. Participar de novo poderia colocar-me em risco.

O meu trabalho foi bem classificado, o meu objetivo está cumprido. Voltar seria regressar a um talent show, não preciso disso nem quero colocar-me nessa posição, de estar à prova e ser analisado. Prefiro não passar novamente por essa experiência.

Aborda nas suas canções temas bastante delicados e até pesados. Como o ‘Volta’, inspirado na morte de uma amiga. É a cantar a dor que a apazigua?

Sem dúvida. É a melhor maneira de exorcizar os demónios. Escrever a própria mágoa ajuda a libertá-la. Muitas das minhas músicas falam das minhas inseguranças, tristezas, que de certa forma já libertei de mim e que agora fazem parte das vidas de outras pessoas para também as exorcizar. Vejo pessoas a partilhar as músicas, vêm falar comigo e dizem-me que as canções descrevem exatamente o que sentem… É inexplicável. Fora as pessoas que tatuam as minhas letras. Eu próprio nunca as tatuei quanto mais ver as pessoas com as minhas letras no corpo.

É de uma admiração extrema…

Toma proporções incríveis. Num momento estou a escrever no meu caderno e um ‘um dia depois’ está uma pessoa a tatuá-la. Tem sido tão gratificante fazer parte desta aventura que só me dá vontade de fazer mais.

Estou com a pessoa certa, sempre soube disso. Sou uma pessoa muito difícil de apaixonar e de namorar Apesar de muitas letras falarem de dor, tem uma estrutura familiar forte e vive uma relação feliz...

Sim, sou uma pessoa muita palhaça, nada triste. A música é o meu psicólogo, é a minha maneira de deixar as tristezas todas no papel. Porque na vida amorosa e pessoal está tudo incrível, há quatro anos, quase cinco. Há momentos menos bons, como em qualquer relação. Estou com a pessoa certa, sempre soube disso. Sou uma pessoa muito difícil de apaixonar e de namorar.

Começou a namorar com a Mel (Melanie Jordão) quando ainda não era conhecido. Como é que a relação resiste à exposição pública?

A transição não foi difícil. [A relação] começou quando eu não era ninguém. Já tinha passado a fase do ‘Ídolos’. Ainda assim, quando começámos já era mais que visível aquilo que queria ser. A própria Mel sabia o que viria aí assim que lançasse uma música: concertos, estar fora… Sou muito grato por tê-la ao meu lado. Outras pessoas no lugar dela não aguentariam tanto tempo ou não aceitariam que estivesse fora tanto tempo e ter contacto com tantas pessoas.  

Tem muitos fãs, mas sobretudo muitas fãs… Recorda-se de alguma abordagem mais caricata?

Há sempre abordagens mais atrevidas, tanto de homens como de mulheres. Há casos insólitos como mandarem-me cuecas com o número de telefone escrito, tentarem beijar-me… Acho graça. Mas por acaso, em quase cinco anos de concertos, tem sido pacífico.

Passa muito tempo na estrada com a sua equipa. Como é em ambiente profissional? Tem mau feitio?

Não, trato sempre toda a gente bem. Não existem hierarquias. Quando tratas alguém mal é porque achas que és mais alguém do que a pessoa com quem estás a trabalhar. No meu caso, não existe isso. Todos temos uma função.

Quando está perante uma plateia, lembra-se de quando atuava em casa só para os pais?

Às vezes quando estou a atuar para cinco mil pessoas e eles estão lá, acho que não se apercebem do quão feliz eu sou. Eles são os meus fãs número um, sinto que passam o dia a ouvir as minhas canções. Ouvem as primeiras versões de tudo.

É um desejo nosso ter filhos, até mais meu. Espero que seja para breveSão críticos?

Cada vez mais. Têm vindo a perder a vergonha, ao início eram mais reservados, mas hoje em dia percebem que a crítica é boa.

Tem um irmão gémeo, que trabalha consigo. Sendo tão unidos, o que é que não partilharam?

O meu irmão sempre trabalhou comigo, mais na parte dos vídeos e das capas dos álbuns. Faz parte de todo o processo e espero eu que para sempre. O que é que não partilhámos? Mulheres e palco.

Já manifestou a vontade de ser pai. É um sonho que gostava de realizar em breve?

Não sei, depende da natureza. É um desejo nosso, até mais meu. Sinto que a nossa vida está estável. Sinto que se demorar um ano, o público não me vai abandonar. Por isso consigo pensar na minha vida pessoal neste momento. Neste caso, na nossa. A nossa casa, a nossa estabilidade construída ao longo destes anos e agora o próximo passo seria criar um novo ser. Espero que seja para breve.

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