Após décadas a copiar, a China está a apostar na inovação
A China passou a proteger a propriedade intelectual à medida que aposta na inovação depois de, durante décadas, ter feito da usurpação de 'know-how' parte do seu modelo de desenvolvimento, afirma a pesquisadora brasileira Rosana Machado.
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"A China não defende mais a infração da propriedade intelectual, porque quer ser uma potência inovadora", diz a autora do livro "Counterfeit Itineraries in the Global South: the human costs of piracy in China and Brazil", publicado este verão.
Rosana Machado foi professora de Desenvolvimento Internacional na Universidade de Oxford e pesquisadora do Centro de Estudos Chineses em Harvard, universidade na qual tirou um pós-doutoramento em propriedade intelectual.
Empresas europeias e norte-americanas há várias décadas que acusam firmas chinesas de pirataria e roubo de tecnologia. O país asiático é visto como um centro mundial de espionagem industrial.
O país asiático quer agora transformar-se numa potência tecnológica, com capacidades nos setores de alto valor agregado, incluindo inteligência artificial, energia renovável, robótica e carros elétricos.
Durante o discurso inaugural do XIX Congresso do Partido Comunista Chinês (PCC), que chegou hoje ao fim, o secretário-geral da organização, Xi Jinping, definiu como meta tornar a China num "país de inovadores", até 2035.
No seu mais recente livro, Rosana Machado estabelece uma comparação entre a forma como o Brasil e a China reagiram à pressão dos Estados Unidos para combater a infração da propriedade intelectual.
"A China defendeu que [a usurpação de 'know how'] era importante para os primeiros anos do seu desenvolvimento e o Brasil colocou a polícia para proibir a economia informal", afirma.
"O Brasil gastou mais a proteger a propriedade intelectual do que perdeu com o contrabando e marginalizando os seus pobres, enquanto a China não", acrescenta.
Para Rosana Machado, Pequim tomou a "decisão correta".
"A propriedade intelectual é um sistema hegemónico de proteção muito questionável" e não é condição de produção de inovação, afirma.
"Existe no âmbito académico sobre propriedade intelectual a tese de que a abertura do conhecimento gera inovação", explica.
No entanto, a investigadora diz que "hoje, a China está a adotar um modelo parecido com o norte-americano", ao reforçar a proteção da propriedade intelectual, à medida que se torna uma potência inovadora.
"A China hoje tenta colocar-se como uma potência da propriedade intelectual", diz.
Rosana Machado começou a estudar a China no final dos anos 1990, atraída pelo impacto na economia informal brasileira dos produtos baratos chineses que então começaram a chegar ao país.
Durante dez anos, seguiu a rota dessas mercadorias e, a partir de 2003, começou a visitar anualmente a China, onde conheceu as fábricas e trabalhadores por detrás do 'boom' que tornou o país asiático na maior potência comercial do planeta.
Nos últimos três anos deixou de ir à China e, quando aterrou em Pequim, em setembro passado, admite ter ficado "chocada".
"A cidade está muito mais limpa e organizada", diz.
A modernização da China, no entanto, não implica maior liberdade política, com o PCC a não abdicar do controlo da economia e sociedade.
"O que nunca mudou na China ao longo da História é a maneira como a liderança política controla ideologicamente a cultura chinesa", afirma, apontando "o uso do confucionismo para a manutenção da autoridade ao longo de 3500 anos".
"As pessoas são modernas e extremamente ligadas ao partido", afirma Rosana, que tem um outro livro, intitulado "China - Passado e Presente - Um Guia Para Compreender a Sociedade Chinesa", publicado em 2013.
"A gente não consegue pensar a China no nosso 'mindset' ocidental", conclui.
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