Meteorologia

  • 07 MAIO 2024
Tempo
24º
MIN 12º MÁX 26º

Admissão da independência de Timor foi uma "reação irritada" de Habibie

A representante de Portugal na Indonésia durante o processo timorense, Ana Gomes, disse hoje que a admissão pública, pelo então Presidente Habibie, da independência do território foi "uma reação irritada", provocada pelas autoridades australianas.

Admissão da independência de Timor foi uma "reação irritada" de Habibie
Notícias ao Minuto

12:10 - 27/01/19 por Lusa

Política Ana Gomes

A propósito da passagem dos 20 anos das declarações históricas do então Presidente interino da Indonésia, Jusuf Habibie, sobre a independência do território, que hoje se assinalam, em entrevista à agência Lusa, Ana Gomes, que integrou a equipa portuguesa nas negociações sobre a égide das Nações Unidas, recordou que a admissão da independência de Timor-Leste "caiu como uma bomba", surpreendendo, em particular, a parte indonésia.

"Vinha ao arrepio do que Portugal e a Indonésia tinham acertado, que era discutir um estatuto de autonomia que seria posto à consideração do povo de Timor. Foi uma bomba, muito mais para o lado indonésio do que para nós, mas foi para todos", disse.

A 27 de Janeiro de 1999, o novo Presidente da Indonésia, Jusuf Habibie, que chegara à Presidência na sequência da queda de Hadji Mohamed Suharto, anuncia que Timor iria receber uma "autonomia regional" e que "se a maioria dos timorenses não a quisesse, [o Governo iria sugerir ao Parlamento que] Timor fosse libertado da Indonésia".

Ana Gomes estava em Nova Iorque, a dois dias de viajar para Jacarta, onde a 30 de janeiro assumiria a chefia da Secção de Negócios de Portugal na Embaixada da Holanda, aberta na sequência das negociações que estavam a decorrer sobre a autonomia do território.

"Ficamos absolutamente espantados porque aquilo punha em causa a posição negocial da Indonésia, que nunca tinha querido por a referendo a ideia de independência ou sequer admitir a ideia de independência. Os indonésios foram os mais chocados", recordou.

Para Ana Gomes, o que Habibie fez foi oferecer aos timorenses "um Mercedes", quando lhe tinha sido prometida "uma bicicleta".

"Os timorenses mesmo que não soubessem conduzir, obviamente preferiam o Mercedes", sustentou.

A eurodeputada, que no dia seguinte ao histórico anúncio tinha uma nova reunião negocial, recorda "perfeitamente a cara" do chefe da delegação indonésia quando lhe foi perguntado sobre as declarações do Presidente Habibie.

"O principal negociador indonésio estava completamente aparvalhado com aquela posição do Presidente Habibie", disse Ana Gomes.

A eurodeputada, que mais tarde viria a ser embaixadora de Portugal na Indonésia, enquadra a posição do antigo chefe de Estado no contexto da sua condição de Presidente interino, de membro de um grupo muçulmano "assertivo", que considerava os timorenses ingratos, e com uma personalidade de "franco atirador".

Por outro lado, acredita Ana Gomes, a tomada de posição resultou de "uma irritação provocada" pelo primeiro-ministro da Austrália de então, John Howard, que, em carta dirigida a Habibie, sugeriu para Timor-Leste uma solução semelhante à encontrada pelos franceses para a Nova Caledónia.

"Isso irritou profundamente Habibie[...] porque a Nova Caledónia era um exemplo colonial e se havia coisa que muita gente não gostava na Indonésia era que assimilassem o seu papel em Timor-Leste ao de uma potência colonial. Aquilo foi visto como um insulto de uma potência a imiscuir-se e [...] portanto, teve aquela saída, de improviso e irritada", considerou.

Para Ana Gomes, tratou-se de "um ponto de não retorno" em que o que passou a estar em causa já não era a autonomia, que viria a ser rejeitada em massa no referendo de 30 de agosto, mas a independência.

A eurodeputada aponta, no entanto, que havia quem pensasse que se tratava de mais "um truque" dos indonésios para "destabilizar o processo negocial", mas diz ter recebido, quase de imediato, garantias do ministro dos Negócios Estrangeiros da Indonésia, Ali Alatas, de que o processo negocial era para continuar.

"Em Jacarta, tive desde logo a intuição de que era uma oportunidade única que não podíamos lançar pela borda fora. [...] A partir daí mudou de facto o curso da História", disse.

Já com um novo presidente eleito nas primeiras eleições democráticas na Indonésia, Abdurrahman Wahid, o parlamento indonésio aprovou a 28 de outubro de 1999 a desanexação de Timor-Leste.

"No dia seguinte apresentamos o pedido de restabelecimento das relações diplomáticas, que foram restabelecidas dois meses depois, a tempo de Portugal, no dia 01 de janeiro de 2000, assumir a presidência da União Europeia, facto muito importante para a celeridade de todo este processo", disse.

Recomendados para si

;
Campo obrigatório