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Natal é sinónimo de família. E para as crianças que não a têm?

Algumas foram abandonadas pela mãe à nascença. Outras foram abandonadas quando ficaram doentes e outras foram retiradas aos pais por negligência e maus-tratos. Apesar de todos os traumas, estas crianças ficam com o olhar a brilhar quando se fala no Natal. Mas será que esta época tem para estas crianças e jovens o mesmo significado que tem para crianças que vivem com as famílias biológicas?

Notícias ao Minuto

08:50 - 25/12/16 por Inês Esparteiro Araújo com Patrícia Martins Carvalho

País Festividades

Na Aldeia Crianças SOS de Bicesse, em Cascais, vivem 58 crianças distribuídas por nove casas. Cada casa, como pôde comprovar o Notícias ao Minuto, tem uma mãe que cuida das crianças e jovens como se fossem os seus próprios filhos.

O Notícias ao Minuto conversou com Anabela Carreira, uma mãe SOS que tem a seu cargo 10 meninos e meninas, uma delas uma criança de sete anos com paralisia cerebral. Todos eles juntaram-se também à conversa e foi no seu lar que partilharam o que é para cada um o Natal. Apenas com uma ardósia e um pedaço de giz, a opinião pareceu ser praticamente unânime, assim como poderá comprovar na galeria de imagens. 

Quando perguntamos a Anabela em que consiste o seu emprego, foi perentória: “É exatamente o mesmo trabalho de uma mãe lá fora”.

Embora garanta: “para estar aqui só por missão”. “Nós recebemos um salário, mas ganhamos muito pouco em relação às horas que aqui estamos. São muitas horas e há meninos muito difíceis. A verdade é que para se ser uma boa mãe é preciso abdicar de muita coisa”.

Esta mãe vivia na Nazaré, mas quando o filho biológico casou, decidiu mudar de vida. Proprietária de um estabelecimento comercial, Anabela admite que as “coisas não estavam fáceis” e, porque já tinha visto uma reportagem há alguns anos sobre as Aldeias SOS, decidiu arriscar. Há seis anos a viver em Cascais, esta mãe admite que quase não há tempo para ter amigos fora de casa, quanto mais para ter um namorado. Mas não sente falta, assegura.

Uma criança SOS tem um dia a dia igual a todas as outras?

A vida de um filho SOS é o mais parecida possível à vida de uma criança que vive com os pais biológicos. Estas crianças e jovens estudam em diferentes escolas, andam de transportes públicos sozinhos, participam em atividades extracurriculares e saem com os amigos.

“Se não for assim, eles acabam por estar sempre aqui na Aldeia e depois quando seguirem a sua vida não estão prontos para enfrentar as coisas lá fora”, explica Anabela.

De manhã, esta mãe SOS levanta-se às 05h00 “porque há meninos que estudam em Lisboa e têm de sair de casa pouco depois das 06h00”. “Basicamente o que eu faço é preparar o pequeno-almoço e também os lanches que eles levam para a escola. Mas, atenção, eles sabem fazê-lo, mas acho que é um miminho que lhes posso dar”, conta.

Quando saem da escola regressam, fazem os trabalhos de casa e ajudam as mães nas tarefas domésticas.

Na casa de Anabela estava tudo impecavelmente arrumado. Apesar de ali viverem 11 pessoas, a organização era total. O único elemento desestabilizador era o Russo, o animal de estimação da família que não gostou muito da nossa presença.

Não há qualquer recolher obrigatório. Aliás, conta Anabela, quatro dos seus filhos mais velhos vão passar a noite de Passagem de Ano a Lisboa, como qualquer jovem adolescente. “Não podemos fechar os meninos na Aldeia”, diz esta mãe que sabe que os filhos só vão chegar a casa quando o dia amanhecer, mas isso não a preocupa. “Faz parte, é normal”, sublinha.

Um Natal com um sabor especial para todos os que vivem na Aldeia

Carinho e amor não faltam. Comprovámos nós durante a realização desta reportagem. Quanto às famílias biológicas, estas podem visitar as crianças se o tribunal assim autorizar, caso contrário não há contacto. Anabela revela que no ano passado dois dos seus filhos foram a casa passar o Natal, mas este ano já lhe pediram para ficar na Aldeia. As mães SOS têm autonomia total dentro das casas – mas, para tal, precisam antes de enfrentar uma ‘prova’ de três anos para chegarem a este nível. Certa vez, Anabela convidou uma família biológica para se juntar à mesa com a família SOS. “Fiz isso uma vez e não voltei a fazer. É muito triste, porque há aquele menino que está com a família ao seu lado e depois os outros meninos estão a assistir àquilo sem a família biológica, sendo que muitos deles nunca conheceram a mãe, pois foram abandonados quando nasceram”.

Nesta aldeia a palavra família é levada mesmo à letra. No Natal, na Páscoa e no Dia da Mãe a família biológica das mães SOS junta-se a esta grande família da Aldeia e, todos juntos, celebram as datas mais importantes.

Há um segredo para gerir a Aldeia SOS?

Se há segredo ou não para gerir as 58 crianças que aqui habitam, o diretor da Aldeia SOS, Mário Rui, garante que não. Há apenas muita dedicação e paixão por cada uma que lhes passa pelas mãos. E a ajuda de muitos doadores, bem como o apoio monetário dado pela Segurança Social, criam as oportunidades necessárias para que estas crianças se insiram em atividades extracurriculares ou até mesmo a possibilidade de poderem frequentar o ensino privado. O mesmo afirmou José Lourenço, um dos quatro educadores. Mas, não se deixe enganar. Na Aldeia, a palavra educador tem um significado um pouco diferente daquele a que estamos habituados. “Eles tanto nos requisitam porque precisam de um dossier para a escola, como porque precisam de ir a tribunal”, esclarece José.

Pelo menos até terminarem os estudos, tudo isso é-lhes assegurado pela Aldeia. Apesar de não haver uma idade específica para saírem, já aconteceu dizerem adeus aos 18 anos, pois atingem a maioridade e querem viver com os pais biológicos. “É raro, mas já aconteceu”, refere Anabela. Contudo, o ‘caminho normal’ é os jovens adolescentes saírem da Aldeia e depois instalarem-se naquilo que é designado de apartamentos-autonomia. O dos rapazes fica localizado em Alcântara e as raparigas continuam por Bicesse. A principal diferença é que deixa de existir a presença de uma mãe, mas tanto esta como os restantes elementos continuam a ajudar na ‘gestão’ da sua vida adulta até que os jovens se tornem independentes.

Caso a mãe ou outra figura da Aldeia não consiga estar presente, tanto em momentos da instituição ou quando estes ‘saem do ninho’, aparecem os tios. Estes “substituem as mães quando elas não estão, exatamente no mesmo registo dentro de casa”, elucida Mário. “Passam a acompanhar os miúdos 24 horas por dia, fazem as refeições, tratam da higiene”, entre todos os outros deveres que uma mãe tem. Para tal, “passam por um processo de preparação e adaptação antes”.

Na realidade, a figura masculina é uma novidade recente nesta Aldeia SOS. A presença de homens “a assumir” os ‘comandos’ é nova de há dois anos para cá e tudo indica que está a correr bem. Mas, qual a razão para não existirem pais SOS? Mário aproveita para lançar um apelo: “Estamos a tentar que eles venham ter connosco e se algum tiver essa disponibilidade…”. Nos primeiros anos em que a Aldeia cresceu, e por receber maioritariamente bebés, foi sempre tido como escolha de eleição uma mamã, tudo porque “nos primeiros anos de vida, o acompanhamento, o carinho, o colo de uma mulher, é muito mais importante para o bem-estar de uma criança do que talvez o rigor e a educação” de um homem. Porém, os tempos são outros, esse preconceito também já “está um bocado mais esbatido”, e, por isso, qualquer homem que queira assumir funções parentais é mais do que bem-vindo.

Mães, pais, tios, diretores ou padrinhos, a ideia com que o Notícias ao Minuto fica da casa que visitou foi de que a alegria parece reinar. Ajuda, união e família são palavras que assumem uma importância especial na Aldeia SOS. E tal ficou ilustrado através do que cada criança escreveu.

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