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O que nos dizem os professores sobre a indisciplina nas escolas?

Alguns dos docentes contactados optaram por não falar, evitando assim qualquer risco de exposição. Mas o fenómeno nunca é negado. E quem dá aulas, todos os dias, tem consciência de quais são os problemas mais comuns nas escolas.

O que nos dizem os professores sobre a indisciplina nas escolas?
Notícias ao Minuto

08:43 - 26/03/16 por Pedro Filipe Pina

País Educação

O blogue Com Regras, dedicado a questões da educação, divulgou este mês um estudo que revelava um aumento no número de participações. A vida na escola muda, acompanhando as mudanças da sociedade. Mas o fenómeno da indisciplina persiste. Decidimos pedir a professores que nos explicassem o que se passa.

De entre os docentes com quem falámos não há saudosismo algum por tempos do Estado Novo, em que o respeito na sala de aula era muitas vezes confundido com medo. Muitos pais e avós com certeza recordam tempos em que era normal bater em crianças. A sociedade evoluiu e haverá certamente vários aspetos positivos a salientar. No entanto, entre docentes, vigora a sensação de que o respeito pela profissão é cada vez menor.

Lucinda Melo é professora em Trancoso e este é dos primeiros pontos que salienta ao Notícias ao Minuto. “O professor não é olhado como uma figura que deve ser respeitada”, diz-nos Lucinda. “Noto diferença em relação aos meus primeiros anos a dar aulas”.

Lucinda dá aulas há 34 anos e realça que os episódios de indisciplina que tem conhecido não são apenas com os professores “mas também com funcionários”. Conta-nos também que, na sua escola, uma mudança de paradigma acabou por trazer uma dificuldade logística: a criação dos agrupamentos, que nalguns casos implicou a ‘substituição’ de direções da escola, o que dá a sensação a alguns alunos de que há menos uma figura de autoridade no recinto escolar.

O princípio da adolescência é habitualmente a idade mais complicada, a de maior rebeldia, explica-nos ainda Lucinda. Mas os casos mais complicados costumam ser os que já são difíceis antes de os alunos passarem sequer o portão da escola. Falamos acima de tudo de pais que acabam por não acompanhar de perto o percurso dos filhos. Paradoxalmente, “os pais de miúdos que dão menos problemas, são os que mais se preocupam”, diz-nos Lucinda.

Rita Nabais é professora há mais de 10 anos. Começou num colégio privado, na zona de Cascais. Atualmente dá aulas de Português e Inglês a alunos do 5º e 6º ano da Escola EB 2 3 Amadeu Gaudêncio, que integra o agrupamento da Nazaré.

Falar de indisciplina é também falar do meio que envolve a escola, diz-nos esta professora que em poucos anos conheceu realidades portuguesas bem distintas. A Nazaré tem na pesca o ganha-pão de muitas pessoas. O negócio é sazonal e a vida difícil para muitas pessoas que não tiveram oportunidade de prosseguir estudos. O desemprego não é tema estranho por aqui. "Quando as regras não estão bem estabelecidas", isso sente-se em casa e na escola.

Mas há também "qualquer coisa que mudou" e Rita sente isso quando pensa no início da sua carreira, mas também na mãe, que também foi professora. No tempo da sua mãe, o professor era figura de respeito na comunidade. A realidade dos professores hoje em dia é diferente: a "burocracia", a mudança de programas, o que surge por vezes "a meio do ano" com impacto no dia-a-dia.

Rita faz questão de dizer que em Portugal "nem todos são bons professores". Mas há de facto "cansaço e desmotivação" nas escolas. Além do mais, entre imprensa, política e opinião pública, Rita tem a sensação de que se "fala muito, acerta-se pouco".

Rita dá aulas a miúdos de 5º e 6º e sabe que é natural que nestas idades surjam distrações. Mas há situações de "má educação" e por vezes "pais que não ajudam". Aos professores, para lidar com casos mais complicados, falta também formação e não falamos de "formações para encher chouriços".

Os que ficam para trás

A diminuição de número de alunos por turma pode ser uma ajuda. É algo que facilita "e não é só na indisciplina" e isto parece-lhe "algo tão claro" que só constrangimentos financeiros justificam a decisão de aumentar o número de alunos para 30, ainda no tempo do ministro Nuno Crato. Mas não chega.

Na sua escola, por exemplo, optou-se por uma maior carga horária noutros dias para sobrar um dia livre aos professores. "Notou-se uma motivação um pouco maior", diz-nos. Mas admite que lhe ocorre outra ideia, eventualmente mais polémica": juntar os alunos mais complicados e dar-lhes um apoio mais próximo, especializado. Os casos mais complicados, conta-nos, são os de miúdos mais velhos colocados em turmas com colegas mais novos.

A "frustração" destes miúdos é por vezes notória. E o pior é que, quando reprovam, o problema intensifica-se. Vão ficar um ano mais velhos, numa turma com alunos um ano mais novos. E se nada de novo acontecer, temos aqui um aluno desmotivado, frustrado, com tendência para a indisciplina (o que o prejudica não só assim mas também restantes colegas).

É também sobre este tipo de "frustração" de alunos de que nos fala Helena Moreira, professora de Educação Física na Escola Secundária Ferreira Dias, no Cacém, nos subúrbios da capital. Helena é coordenadora dos diretores de turma na sua escola, está habituada a contabilizar os dados de ocorrências e a juntar as peças deste puzzle.

Os novos desafios das escolas

Helena não se recorda de nos últimos anos ter havido naquela escola uma expulsão de um aluno, mas “o número de ocorrências aumentou”, há mais participações disciplinares, “fundamentalmente por comportamentos de desvio, de oposição, de não acatar ordens”. A maior parte dos problemas acontece mesmo dentro da sala de aula, resume. 

“A escola não é uma ilha. Tudo o que se passa à volta da escola, reflete-se na escola”, alerta esta professora que dá aulas desde 1987 e que nos diz que a “indisciplina está a agravar-se e de forma muito latente”. Uma das soluções com as quais concorda passaria por diminuir o número de alunos por turma. Mas às escolas falta mais, nomeadamente em termos de recursos.

Não é fácil para numa escola haver capacidade de reação “às diferentes situações que aparecem”. As idades, a capacidade de gestão das próprias emoções por parte de alunos, são fatores que contribuem para o problema. Ali, numa cidade dos subúrbios de Lisboa, há situações particularmente preocupantes. E no passado já se verificaram ambientes violentos em casa que acabam por fazer o seu caminho até aos portões da escola.

Curiosamente, Helena alerta para outro fenómeno, um que merece uma análise contínua, fruto de um mundo em que a tecnologia evolui e molda a sociedade. Hoje em dia, mais “miúdos têm dificuldade em manter-se em escuta”.

Esta “é uma geração em que é tudo muito virtual, muito rápido, tem tudo de acontecer com intensidade”, o que dificulta a capacidade de concentração para tarefas como ler ou ouvir, especifica Helena Moreira.

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