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"Não se pode excluir um cenário semelhante à erupção dos Capelinhos"

O Notícias ao Minuto esteve à conversa com uma geóloga, especialista em vulcanologia, do CIVISA e IVAR, que explicou não só a situação sismovulcânica de São Jorge, como falou na possibilidade de os Açores virem a sofrer uma nova erupção vulcânica, como aconteceu na ilha do Faial, em 1957.

Notícias ao Minuto

08:50 - 16/02/24 por Natacha Nunes Costa

País Sismos

Há quase dois anos, em março de 2022, a intensa atividade sísmica sentida em São Jorge levou o Governo Regional dos Açores a decretar estado de alerta e a retirar cerca de 2.500 pessoas da ilha, que tem, segundo os Censos de 2021, 8.437 habitantes.

Só numa semana, de 19 a 26 de março de 2022, foram registados quase 13 mil sismos, mais do dobro de todos os sismos registados no arquipélago num ano dito 'normal'.

Pouco a pouco, com o passar das semanas, a população voltou à ilha e começou "a saber conviver melhor com a situação", como chegou a descrever à Lusa o autarca das Velas, em abril do mesmo ano. Contudo, como explicou agora ao Notícias ao Minuto a geóloga Rita Carmo, do Centro de Informação e Vigilância Sismovulcânica dos Açores (CIVISA) e do Instituto de Investigação em Vulcanologia e Avaliação de Riscos (IVAR), "a crise sismovulcânica [em São Jorge] mantém-se".

"A crise sismovulcânica que se vem registando em São Jorge, desde o dia 19 de março de 2022, mantém-se, não terminou. Continuamos a registar sismos na mesma área epicentral, embora a atividade se possa considerar como estacionária. A energia libertada continua a ser pouco significativa, mas a tendência em termos de frequência sísmica, embora denotando algum decréscimo, continua claramente acima dos valores normais", disse a especialista em vulcanologia, acrescentando que, "pontualmente ocorrem alguns picos de maior libertação de energia, pelo que não se exclui a possibilidade de virem a ocorrer eventos sentidos pela população, que podem, eventualmente, atingir magnitudes e intensidades superiores às registadas até à data".

Mas não é só São Jorge que treme nesta região autónoma. Como explica Rita Carmo, o arquipélago localiza-se na "denominada Junção Tripla dos Açores, zona de contacto das placas litosféricas Norte-Americana, Eurasiática e Africana", um "enquadramento geodinâmico" que se reflete em "importantes sistemas de fraturas", com potencial para terramotos.

"As ilhas do Grupo Ocidental (Flores e Corvo) localizam-se em plena placa Norte-Americana e, portanto, são mais estáveis no que respeita a sismicidade, o que não invalida a ocorrência de sismos. Já as ilhas dos grupos Central e Oriental estão localizadas no setor ocidental da Zona de Fratura Açores-Gibraltar, que corresponde à fronteira entre as placas Eurasiática (a norte) e Africana (a sul), pelo que são alvo de intensa atividade sísmica”, esclarece a geóloga.

Já sobre a probabilidade de haver uma situação semelhante ao 'Vulcão dos Capelinhos’ nos Açores, como aconteceu recentemente em La Palma, nas ilhas Canárias, em Espanha, a especialista recorda que o arquipélago português "emerge da designada Plataforma dos Açores, área de batimetria pouco profunda, quando comparada com as regiões envolventes, e formada devido ao excesso de magmatismo potenciado pelo nosso enquadramento tectónico". Portanto, "podem ocorrer erupções vulcânicas em qualquer zona, com exceção das consideradas extintas, não se podendo excluir a possibilidade de ocorrer um cenário semelhante à erupção dos Capelinhos, se ocorrer uma erupção nas proximidades de algumas das ilhas".

Um vulcão muito presente na memória dos açorianos

No dia 27 de setembro de 1957, o Faial acordava, pelas 6h45, para um dos piores anos que esta ilha já viveu. Na Ponta do Capelo, no extremo oeste da ilha, o mar aparentemente calmo entrou em estado de fúria, depois de 12 dias de pequenos sismos, com a lava a atingir temperaturas de mais de mil graus.

Do oceano Atlântico surgiram nuvens cinzentas e explosões que jorravam jatos de cinza. O barulho que brotava do interior deste era tanto que chegou a ser ouvido por habitantes das ilhas do grupo Ocidental dos Açores, a mais de 150 milhas náuticas de distância.

Após sete meses de atividade vulcânica marítima, o fenómeno chegou a terra e os rios de lava incandescente subiram o mais alto possível de forma violenta.

Apesar disso, a erupção ainda durou mais tempo. Foram 13 meses ao todo até o vulcão ter voltado à inatividade, no dia 24 de outubro de 1958. Durante este tempo, o céu estava sempre negro, os terrenos de cultivo cobertos de cinzas vulcânicas e as casas nas imediações acabaram por ser soterradas ou ruírem com a força dos tremores de terra provocados pelo vulcão. 

Os 174 milhões de metros cúbicos de material emitido levaram à criação de uma paisagem nova e com características muito específicas, onde o verde deu lugar ao negro e o cone vulcânico atingiu uma altura de cerca de 160 metros.

O vulcão foi tão violento que o Faial viu mesmo o seu território ser aumentado em 2,4 quilómetros quadrados, depois de um pequeno ilhéu que emergiu durante a erupção se ter unido, com a acumulação da lava, aos Capelinhos formando um istmo.

Não se registaram mortes, mas o susto foi tal que muitos habitantes decidiram deixar a ilha, dando origem a um dos maiores fluxos migratórios da região. Como consequência de muitas pessoas terem ficado desalojadas, surgiu a Lei dos Refugiados dos Açores, em 1958, e o então presidente norte-americano John F. Kennedy autorizou a emigração das pessoas afetadas. De acordo com os meios locais, estima-se que, nesta altura, 17 dos 30 mil habitantes tenham abandonado o Faial rumo aos EUA.

Tal como recorda o site Azores Get Aways, o rasto de destruição deixado por esta erupção foi enorme, mas hoje é uma das paisagens mais emblemáticas do arquipélago dos Açores. 

No local há agora, debaixo da terra para não interferir com a paisagem natural existente, o Centro de Interpretação do Vulcão dos Capelinhos, onde pode ficar a par de toda a história desta erupção da vulcânica.

Mais recentemente, a 9 de julho de 1998, um sismo de 5,8 na escala de Richter, atingiu as ilhas do Faial, Pico e S. Jorge, matando nove pessoas no Faial e deixando mais de uma centena de feridos e alguns milhares de desalojados.

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