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Técnicos e PSP trabalham lado a lado 24 horas por dia no Espaço Júlia

A pequena cozinha do Espaço Júlia tem sempre arroz, salsichas e atum, e compõe, juntamente com um cantinho de brinquedos, o ambiente necessário para receber denúncias de vítimas de violência doméstica a qualquer hora do dia e da noite.

Técnicos e PSP trabalham lado a lado 24 horas por dia no Espaço Júlia
Notícias ao Minuto

17:32 - 09/03/19 por Lusa

País Violência doméstica

"As pessoas chegam aqui a qualquer hora, às vezes têm fome, principalmente as crianças", conta à Lusa a diretora técnica do espaço, Inês Carrolo, que há três anos interiorizou as responsabilidades da Convenção de Istambul e desafiou o presidente da Junta de Santo António, em Lisboa, a fazer o mesmo.

Peluches, jogos, bonecas - a convivência é muito diversificada entre os brinquedos dispostos num dos cantos do espaço, que estão a sempre a ser substituídos. "Costumamos dizer às crianças que escolham o brinquedo de que mais gostaram", relata o chefe Dias, da 1.ª Divisão da PSP.

Inês Carrolo fala apaixonadamente do local, que é "uma resposta única no país": "Somos a única resposta em que o técnico de apoio à vítima está a trabalhar ao lado de agentes da PSP na recolha da denúncia".

"Na Convenção de Istambul, de que Portugal foi um dos primeiros subscritores, foi dada uma responsabilidade maior às entidades de primeira linha, que somos nós, Junta de Freguesia. Não é a Câmara, somos nós", vinca Inês Carrolo, com os dedos a baterem no peito.

Para essa assunção de responsabilidades, a diretora técnica do Espaço Júlia saúda a "vontade política" do presidente da Junta, Vasco Morgado (PSD), em unir esforços com o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP e o Centro Hospitalar de Lisboa Central.

Santo António é a segunda freguesia em Lisboa em número de casos de violência doméstica, a seguir a Arroios. O Espaço Júlia recebeu desde julho de 2015 mais de duas mil vítimas, a maioria mulheres com idades entre os 30 e os 55 anos, mas também homens (75 no ano passado), atuando ainda noutros casos de pessoas consideradas particularmente vulneráveis, idosos e crianças.

Ao espaço foi dado o primeiro nome de uma mulher de 77 anos que morreu na freguesia às mãos do marido, uma "ocorrência", como se diz em linguagem policial, que marcou o chefe Dias, de serviço naquele domingo de manhã.

"Era um casamento de mais de 40 anos. Quando lá cheguei e comecei a falar com os vizinhos, percebi que todos sabiam e ninguém fez nada", recorda.

Naquela manhã não estava em casa a única pessoa que tinha um gesto de alerta: a vizinha de cima que, aos primeiros sinais de gritos e agressões, batia com a vassoura no chão.

O chefe Dias viria a integrar o espaço com o nome daquela vítima, que tem 10 agentes em permanência, em regra distribuídos por duplas de um homem e uma mulher. O efetivo é assegurado por um protocolo a dez anos.

Inês Carrolo sublinha a importância de o espaço não ser uma esquadra de polícia e o presidente da Junta contrapõe com a vantagem de não ser um balcão da freguesia "onde se vai pedir um atestado qualquer", mas um lugar próprio, com uma entrada discreta a partir de dentro do Hospital dos Capuchos.

"Fazemos o primeiro acompanhamento aqui, depois vamos lá a casa ver como é que as coisas estão. Isto traz grande proximidade", explica Inês Carrolo, secundada pelo chefe Dias, que sublinha: "Incrementa a proteção da vítima, vai empoderá-la".

Com a proximidade, vem também a flexibilidade das respostas. Vasco Morgado conta que, na ausência de abrigo para vítimas que não podem voltar a casa, já acionou várias vezes os muitos hotéis da freguesia, que respondem sempre positivamente quando têm vagas.

Só a proximidade permitiu também que, quando uma mulher chegou ao Espaço Júlia com pouco mais do que a comida do seu cão e o próprio animal ao colo, Inês Carrolo tivesse mobilizado os serviços de Higiene Urbana da freguesia, onde o pequeno bulldog ficou para a sua dona poder ser acolhida numa casa abrigo.

"A senhora à tarde vinha passear o cão. Essa senhora ainda hoje nos manda postais no Natal", conta.

Quando é preciso roupa para as vítimas, que chegam muitas vezes apenas com o que levam vestido, ou até só embrulhadas numa toalha de restaurante, como já aconteceu, também outras valências da Junta são acionadas.

O agente Sousa, que há mais de três anos 'abriu a porta' do espaço, viveu a proximidade de forma mais física, quando foi o único colo que sossegou o choro de uma criança, durante horas.

"Nem almoçou nesse dia", conta Inês Carrolo, sublinhando que chega a haver atendimentos de demorar quatro, cinco, até oito horas.

"Quem se senta nestas cadeiras a falar connosco é porque os problemas já chegaram a um ponto muito complicado", explica o agente Sousa.

Apesar de ser uma resposta de proximidade, o Espaço Júlia não fecha a porta a ninguém e já recebeu vítimas de todo o país. No entanto, Inês Carrolo considera que o serviço está bem dimensionado.

"O que gostaríamos é que houvesse mais espaços como este", diz, sendo corroborada pelo presidente da Junta.

A fazer falta a esta equipa está uma viatura descaracterizada, mais indicada para o trabalho que desenvolve.

A prevenção, ligada à educação e à cidadania, é onde se colocam mais expectativas: "Quando uma criança desconhecer expressões como 'entre marido e mulher não se mete a colher' e 'quanto mais me bates, mais gosto de ti', teremos atingido o nosso objetivo", ilustra o chefe Dias.

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