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Ligação Lisboa-Macau, feito "heroico" de Sarmento de Beires e Brito Pais

A travessia aérea Lisboa-Macau em 1924 destinou-se a colocar Portugal no caminho das potências europeias, dos Estados Unidos e do Japão, que nessa época já arriscavam longas travessias, disse à Lusa a investigadora Cátia Miriam Costa.

Ligação Lisboa-Macau, feito "heroico" de Sarmento de Beires e Brito Pais
Notícias ao Minuto

09:04 - 05/02/19 por Lusa

País Travessia

"Esta viagem tem internacionalmente um grande peso, porque é a conquista dos ares por todas as potências europeias em particular Reino Unido, França e Itália, Estados Unidos e Japão, que na altura estavam a tentar empreender a viagem de circum-navegação, havia um grande interesse", assinalou a investigadora do Centro de Estudos Internacionais (CEI) do ISCTE, diretora da cátedra de Ibero-América Global e professora da disciplina de China contemporânea e coordenadora do curso China e Extremo oriente.

"A imprensa aproveita para designar a viagem como um elemento de caráter nacional, mas também para demonstrar que os portugueses estão a seguir a tendência das outras potências, e ainda realçando muito o aspeto de os portugueses irem apenas com um avião", indicou a académica, com diversas publicações que incluem estudos sobre Macau.

Em 07 de abril de 1924, os majores aviadores José Manuel Sarmento de Beires (1892-1974) e António Jacinto da Silva Brito Pais (1884-1934), partem de Vila Nova de Milfontes, na foz do rio Mira, para uma aventura inédita, e dois anos após a travessia do Atlântico Sul (Lisboa-Rio de Janeiro) por Gago Coutinho e Sacadura Cabral.

A longa viagem foi acidentada, com inúmeros percalços, e será acompanhada a partir da Tunísia pelo alferes mecânico Manuel Gouveia, que se juntou aos dois aviadores. A partir desta colónia francesa do Magrebe vão atravessar diversos territórios coloniais europeus, no norte de África, no Médio Oriente, na Ásia.

A rota impôs escalas na Líbia, Egito, Síria, Iraque, Irão e Índia, onde o "Pátria" aterra num deserto com danos irreparáveis devido a uma tempestade. O governo português autorizará a compra de um segundo aparelho, o "Pátria II", que fará a etapa final com paragens na Birmânia, Tailândia, Vietname, e por fim nos arredores de Cantão, onde efetua nova aterragem forçada. No dia 23 de junho de 1924 a viagem estava terminada.

"Era a época de monção, apanham uma tempestade, com ventos fortes... Mas são recebidos efusivamente em Macau, para onde foram transportados de barco", indica Miriam Costa.

A imprensa portuguesa exulta com o feito: "Audácia, glória, ases da aviação, ases gloriosos, bravos aviadores, extraordinárias dificuldades, heroicos aviadores", são alguns dos adjetivos propagados pelos jornais, com alguns envolvidos no patrocínio da aventura, caso do Diário de Lisboa, o Diário de Notícias, mesmo um jornal sul-africano.

As condições da viagem e as privações no decurso trajeto enaltecem o feito dos dois amigos. "Sarmento de Beires e Brito Pais conhecem-se durante a I Guerra Mundial, pelo menos tornam-se grandes camaradas, fazem o 'brevet' em conjunto em França. Aprendem e voar em França, combatem em França, e trazem esse conhecimento para Portugal", recorda a investigadora.

Mas as suas personalidades eram distintas. "Brito Pais é designado pela imprensa portuguesa como o pragmático da viagem, enquanto Sarmento de Beires é um homem mais ligado às letras, um apaixonado, também com fortes convicções ideológicas que não encontramos em Brito Pais", precisa.

O "Pátria" tinha sido adquirido por subscrição pública, "o que chamamos hoje de 'crowdfunding'", e decorreram várias atividades para garantir a quantia necessária.

"Organiza-se um 'rally' em Lisboa, em que a cidade é fechada e vêm atores, atrizes, gente muito conhecida nos carros para atrair público e fazer a subscrição. A revista Seara Nova também participa com a venda de uma edição completa dos poemas de Sarmento de Beires intitulada 'Sinfonia do Vento' e considerada de luxo para a época. Foram vendidos 1.000 exemplares, o que é representativo numa população de analfabetos como é a portuguesa em 1924. Tem um grande sucesso, a edição esgota", recorda.

A perseverança dos dois aviadores e do seu mecânico foi um fator determinante para a concretização da odisseia aérea.

"Geralmente esses empreendimentos eram feitos com vários aviões na esquadra para quando um tivesse problemas haver outro de substituição", recorda Miriam Costa.

"Estes dois portugueses e o seu mecânico seguem com um único avião, que em diversas ocasiões não consegue levar os três, com os mantimentos, o peso do combustível... muitas vezes o mecânico não pode seguir com os aviadores, tem de ir por terra e quem chegasse primeiro esperava, dependia das adversidades que encontrassem".

O acompanhamento pela imprensa também revela aspetos curiosos, e também decisivos para a concretização da longa travessia, 16.380 quilómetros percorridos em 115 horas e 45 minutos.

"Do lado de lá do Atlântico o feito também é muito reconhecido, há um pedido para que os conterrâneos portugueses no Brasil se unam à subscrição, que na Índia portuguesa por onde vão passar os dois aviadores se unam à subscrição, que os portugueses residentes na China e Macau se unam à subscrição, há sempre esta tentativa", salienta.

As notícias iam chegando através das mensagens que os aviadores remetiam durante as escalas.

"Enviavam telegramas, os jornais iam sabendo o que se passava e têm descrições incríveis. Por exemplo, dentro do avião não conseguiam controlar a temperatura, tinham temperaturas muito baixas ou extremamente altas, tinham que voar e manter-se conscientes naquelas circunstâncias. É a grande epopeia logo a seguir à epopeia da travessia do Atlântico durante o dia, de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, em 1922", destaca.

No âmbito das relações entre Portugal e a China, dois países em convulsão nesse período, e dos contactos entre Lisboa a possessão portuguesa de Macau, esta viagem representou uma superação.

"Foi a capacidade de ligar os dois pontos por via aérea. A viagem por mar era muito longa, e esta façanha tinha um efeito tecnológico importante e de descoberta científica importante", conta.

No entanto, a aventura também colidiu com um momento de tensão entre Portugal e o colosso asiático.

"Há uma certa tensão que está patente na definição das fronteiras marítimas de Macau, e esta viagem também pretendia assinalar que havia uma capacidade de superação desses problemas, e de união através de um feito, de uma conquista. É a forma como é muito interpretada pelos jornais em Macau, uma vitória portuguesa mas também com outros significados, uma viagem de conhecimento, porque não significaria mais que isso", conta.

Num Portugal em crise de regime, o acontecimento assume particular significado, porque gera nova exaltação em torno de uma I República que caminhava para o fim com o golpe de 1926 e a instauração da ditadura militar.

"Para Portugal teve um grande significado, para Macau tem o significado do encurtamento da distância, sobretudo para quem lá vivia e estava dependente da administração portuguesa", vinca.

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