No seu primeiro mandato, o republicano ameaçou em várias ocasiões que os Estados Unidos da América (EUA) poderiam deixar a NATO, alegando que havia uma discrepância entre a contribuição dos EUA para a organização político-militar e os restantes países que a compõem.
A saída de Washington da Aliança Atlântica não é facilmente realizável. Em 2025, foi aprovado o Ato de Autorização de Defesa Nacional, que obriga a uma maioria de dois terços do Senado dos EUA para concretizar a saída da NATO ou ser autorizada através do Congresso.
No entanto, as declarações de Trump podem causar prejuízos reais à organização que está a tentar reenquadrar-se e reequipar-se face à incerteza geopolítica internacional e voltar a "morte cerebral" preconizada em 2019 pelo Presidente de França, Emmanuel Macron, e que ecoou pelo quartel-general em Bruxelas.
A reunião magna em Haia, nos Países Baixos, na terça e quarta-feira "vai ter uma agenda limitada para minimizar fricções com Trump e com os EUA", disse à Lusa Jamie Shea, analista sobre segurança e defesa do grupo de reflexão Friends of Europe ("Amigos da Europa").
"As reuniões serão curtas, uma vez que Trump não tem qualquer apreço por organizações internacionais e diplomacia multilateral", comentou o analista, acrescentando que, por essa razão, discussões sobre uma futura adesão da Ucrânia à NATO ou mais apoio militar ao país invadido pela Rússia "serão minimizadas, contrastando com as cimeiras anteriores".
Exemplo disso é a presença do Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, na cimeira, mas a sua ausência das discussões com os líderes dos 32 países da NATO e a falta de compromissos militares.
Para apaziguar Trump na cimeira da NATO tem de ser assumido o compromisso de passar "o peso da defesa convencional da Aliança [Atlântica] para os ombros da Europa", comentou Jamie Shea.
"Trump também poderá utilizar a reunião da NATO, como fez em 2018, para expressar frustrações para com os europeus sobre outras coisas: a política comercial da União Europeia, a relutância em reatar relações com a Rússia, demasiadas trocas comerciais [na ótica de Washington] com a China", sustentou o analista do Friends os Europe.
Em consonância com Jamie Shea, Henrique Burnay, do Eupportunity, uma empresa portuguesa de consultoria sobre assuntos europeus, a participação de Trump vai ser "decisiva".
"Se não for, o óbito da NATO para os adversários é manifesto. Se for, ainda assim pode ser uma notícia má se o discurso se assemelhar ao de JD Vance [vice-presidente dos EUA] em Berlim (mesmo em Paris) ou se incluir desconsiderações aos aliados. Seja como for, há um estrago feito por esta Administração que é irreversível", comentou.
Já Ricardo Borges de Castro, investigador especializado em Assuntos Europeus, considerou que Trump vai ser o "elemento de maior incerteza" e que "o comportamento recente no Canadá", durante a cimeira do G7, de abandonar a reunião antes do tempo cria um "elemento de imprevisibilidade".
Pegando nesta ideia, Tiago Antunes, do Conselho Europeu das Relações Externas e antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, considerou que a cimeira também poderá ditar o "nível de envolvimento e compromisso dos EUA com a aliança transatlântica".
O especialista considerou que o que está em causa nesta cimeira é a transferência do peso da NATO do lado norte-americano para o lado europeu.
Com a incerteza sobre as declarações que Donald Trump poderá proferir durante a cimeira e a necessidade de assegurar um compromisso de investimento que apazigue as críticas norte-americanas e demonstre força para os adversários da NATO, outros temas perderão relevância, mas continuarão presentes, nomeadamente a influência crescente da China e o agravar das tensões no Médio Oriente.
A reunião terá painéis de discussão sobre o reforço da indústria militar, em particular na Europa, mas ao nível diplomático o posicionamento de Pequim no palco geopolítico internacional será alvo de discussões entre os Estados-membros.
A Ucrânia, tema principal dos últimos anos, estará mais em plano de fundo, enquanto a guerra entre Israel e o Irão, e questão nuclear iraniana, deverão ser abordadas, pelo receio de uma escalada que transborde além das fronteiras do Médio Oriente.
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