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Povo georgiano travou lei polémica mas o país vive um momento de escolhas

Analistas saudaram hoje a mobilização dos georgianos para travar a polémica lei dos "agentes estrangeiros", mas avisaram que os seus promotores não vão desistir, num momento de escolhas, entre a aproximação ao Ocidente e a pressão russa.

Povo georgiano travou lei polémica mas o país vive um momento de escolhas
Notícias ao Minuto

21:42 - 09/03/23 por Lusa

Mundo Geórgia

Os promotores do polémico projeto-lei sobre "agentes estrangeiros", denunciado pela oposição georgiana como um instrumento repressivo e que provocou protestos massivos, retiraram hoje a iniciativa legislativa, já aprovada numa primeira apreciação pelo parlamento.

Mas, para Nino Evgenidze, diretora-executiva do Centro de Investigação Política e Económica, "ainda é cedo para comemorar" e todos devem "permanecer muito cuidadosos e prudentes sobre a situação atual", afirmou num debate 'online' hoje realizado pelo Centro de Análise de Política Europeia (CEPA), ao qual a agência Lusa assistiu.

Quando anunciaram a retirada do projeto de lei, que exigia que qualquer organização que receba mais de 20% do seu financiamento a partir do estrangeiro fosse registada como "agente estrangeiro", o movimento Força do Povo e o partido governante Sonho Georgiano sublinharam que a "máquina da mentira" confundiu parte da sociedade, uma vez que a proposta teve o "falso rótulo 'russo'", e a sua aprovação foi interpretada como uma renúncia à integração do país na Europa.

Nino Evgenidze vê estas palavras como "uma prova de que [as forças políticas] vão usar a primeira oportunidade para voltar ao assunto, vão dobrar os seus esforços, demonizar as organizações da sociedade civil, todos os seus parceiros e o Ocidente, para concluir o retorno da Geórgia ao 'quintal russo'".

No debate "Descodificando o projeto de lei do 'agente estrangeiro' da Geórgia: o que vem a seguir?", a analista sustentou que "hoje é realmente um dia muito importante" e saudou "a luta altruísta dos georgianos", no sentido de um processo irreversível de integração no espaço euro-atlântico e do seu desenvolvimento democrático.

E pediu apoio internacional, para se aproveitar este momento para "empurrar ainda mais a porta".

No mesmo sentido, Eka Gigauri, diretora-executiva da Transparência Internacional na Geórgia, afirmou que a mobilização das manifestações dos últimos dias, que conduziu a dezenas de detenções, "é muito inspiradora", envolvendo grupos de pessoas muito diferentes contra o retrocesso da democracia na Geórgia, num momento de uma encruzilhada.

"Então, esta é realmente a prova de que há um impulso para as pessoas expressarem a sua opinião para parar este retrocesso, e elas estão lá, especialmente quando se trata da escolha para onde o país deve ir, se deveria ser a Rússia ou o Ocidente", observou, acrescentando que as pessoas "estão muito ativas e entendem que a única forma certa para a Geórgia se desenvolver é a direção do Ocidente" e que o país se torne membro da União Europeia (UE) e da NATO.

Para Eka Gigauri, no passado já havia alguns sinais que apontavam para o retrocesso mas estes tornaram-se "mais claros agora", em que as forças no poder pretendem um estilo russo de governação, silenciando vozes críticas, controlando a comunicação social e lançando notícias falsas.

E estão a fazê-lo agora, prosseguiu, porque o processo de integração na UE ainda está longe de uma decisão e há eleições em 2024, e "eles estão a preparar o campo para se manterem no poder".

Essa ligação foi igualmente feita por Julia George, professora de Ciências Políticas do Queens College, ao apontar o Sonho Georgiano (no poder) como um partido patrocinado por oligarcas, o que é incompatível com a adesão à UE.

"Estes acontecimentos recentes refletem o que penso ser um abandono da sua ambiguidade estratégica", comentou, adicionando que "o que realmente impulsionou a mudança foi a guerra na Ucrânia", associado à possibilidade de adesão à UE bem como da Moldova.

O discurso mudou entretanto, numa demonização do Ocidente, à semelhança de outros lugares pós-comunistas, onde o Ocidente é visto como um agente de promoção de oposição política, o que representa, frisou Julia George, "um anátema para a governação autoritária".

E tudo isto, adicionou, foi acelerado pelo Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, e a sua "capacidade de transformar a guerra na Ucrânia numa guerra do bem contra o mal", lembrando que a liderança georgiana anterior de Mikheil Saakashvili tinha fortes ligações com Kiev.

Ao recusar o tipo de narrativa de Zelensky, a Geórgia fica numa posição "muito difícil, tanto em termos de sua trajetória doméstica, mas também em termos de sua postura internacional", e, com eleições à vista, o atual poder de Tbilissi precisa de uma mensagem atraente, sobretudo para o eleitorado menos informado fora da capital, e é aí que entra o discurso antiocidental.

Este discurso, segundo Shota Gvineria, também ligado ao Centro de Investigação Política e Económica, tem uma fonte, indicando mais uma vez que se trata da Rússia.

O que Moscovo faz, observou, é a utilização de instrumentos de poder, que foi militar no caso da Ucrânia, ou no domínio da informação ou ainda pressão económica.

Neste momento, na Geórgia, a Rússia usa "diferentes instrumentos de pressão poderosa", associada uma forma de chantagem, num processo de aproximação dos dois países que tem vindo a ocorrer, e que, após a invasão da Ucrânia, o poder de Tbilissi foi empurrado para escolher o seu lado e esse lado foi Moscovo, de acordo com o mesmo investigador.

Por outro, prosseguiu, o partido no poder entendeu que "a única coisa possível que pode ameaçar a sua permanência é mais democracia e mais reformas", como é exigido pela UE.

Os "holofotes" internacionais estão concentrados, "por boas razões na Ucrânia", mas, para Shota Gvineria, "a Geórgia também está numa situação muito desesperada", porque se está a perder o país sem que o mundo esteja a ver.

O analista lamentou que não haja uma política ativa do Reino Unido ou dos EUA, em relação ao que se está a passar na Geórgia, de que a "loucura daquela lei terrível" foi o último exemplo.

"Se alguém está a ouvir e tem alguma influência na formulação de políticas em Washington, faça uma distinção clara entre o que o povo da Geórgia e a sociedade da Geórgia veem como os interesses nacionais e o que o regime quer fazer neste país", apelou.

Leia Também: Manifestantes permanecem em Tbilissi apesar da retirada de projeto-lei

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