Vídeos que circulam na internet mostram dúzias de manifestantes abrigando-se em vielas enquanto o som de fogo de artilharia pesada ecoa pelas ruas. Em alguns, veem-se pessoas caídas no chão, imóveis e ensanguentadas, enquanto outros mostram habitantes concentrando-se no hospital local para dar sangue.
O Irão tem sido palco de protestos contra o regime islâmico desde a morte em Teerão, a 16 de setembro, da jovem curda iraniana de 22 anos Mahsa Amini, três dias depois de violentamente agredida e detida pela "polícia da moral" por infringir o rígido código de vestuário feminino, porque, embora envergasse o 'hijab' (véu islâmico), este deixava ver parte do seu cabelo. Nesse dia, Amini foi hospitalizada já em coma e morreria três dias depois.
Os protestos, que inicialmente se concentraram na região curda ocidental do Irão de onde a jovem era originária, alastraram a todo o país e sofreram uma escalada, transformando-se em apelos para derrubar os clérigos fundamentalistas islâmicos no poder no país desde a Revolução Islâmica, em 1979.
O grupo curdo de defesa dos direitos humanos Hengaw indicou que as forças de segurança abriram fogo usando artilharia pesada sobre os manifestantes na cidade de Javanrud, onde decorria o funeral de dois manifestantes mortos no dia anterior, citando testemunhas de que as forças iranianas dispararam metralhadoras sobre a multidão.
O Hengaw disse também que sete pessoas foram esta segunda-feira mortas, ao passo que outro grupo, a Kurdistan Human Rights Network (Rede de Direitos Humanos do Curdistão), fez um balanço de cinco mortos.
Este último grupo precisou que muitos dos feridos estavam a ser tratados em habitações, por medo de serem detidos nos hospitais, o que torna difícil confirmar o balanço das vítimas. Referiu ainda que vários deles foram baleados na cabeça ou no peito.
As autoridades iranianas restringiram fortemente a cobertura noticiosa dos protestos e têm periodicamente interrompido o acesso à internet, tornando mais difícil confirmar pormenores dos distúrbios em curso há mais de dois meses no país.
A agência semioficial Fars noticiou protestos em Javanrud no domingo à noite, afirmando que as forças de segurança foram alvo de disparos com munições reais e que duas pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Esta segunda-feira, não houve relatos em órgãos de comunicação estatais sobre tais episódios de violência.
As cerimónias fúnebres têm frequentemente sido palco de novos protestos nas últimas semanas, tal como aconteceu durante a Revolução Islâmica de 1979 que levou os clérigos ao poder. As manifestações dos últimos dois meses representam o maior desafio ao regime teocrático em mais de uma década.
Pelo menos 426 pessoas foram mortas e mais de 17.400 foram detidas, de acordo com os Human Rights Activists in Iran (Ativistas dos Direitos Humanos no Irão), um grupo que está a monitorizar o movimento de contestação em curso, segundo o qual pelo menos 55 membros das forças de segurança iranianas foram também mortos.
Jalal Mahmudzadeh, um deputado que representa a cidade curda de Mahabad, disse ao jornal diário Etemad que 11 pessoas foram mortas durante protestos na cidade desde o final de outubro, muitas das quais nos últimos dias. O deputado referiu que alguns membros das forças de segurança dispararam sobre habitações e estabelecimentos comerciais no sábado, e apelou às autoridades para adotarem uma atitude mais moderada.
A contestação social no país ensombrou também o Mundial de Futebol 2022, onde a seleção do Irão enfrentou a Inglaterra: os jogadores iranianos não cantaram o hino nacional do seu país e alguns adeptos entoaram o nome de Amini ao 22.º minuto do jogo.
Leia Também: Irão: Amnistia Internacional denuncia aumento de condenações à morte