Transnístria, uma frágil zona de disputa e o próximo alvo de Putin
No dia 22 de abril, o general Rustam Minnekayev, comandante-adjunto do Distrito Militar Central da Rússia, afirmou que a intenção de controlar todo o sul da Ucrânia também se destina a criar um corredor em direção à Transnístria, a região separatista russófona do leste da Moldova.
Mundo Guerra na Ucrânia
Como justificação, indicou que na região separatista também decorriam "casos de opressão da população de língua russa", uma acusação semelhante à emitida para a região do Donbass, no leste ucraniano. Alguns pontos essenciais sobre esta região do leste europeu, também caracterizada por um súbito aumento das tensões.
O que é a Transnístria?
A Transnístria ocupa uma faixa de 4.163 quilómetros quadrados entre a margem leste do rio Dniestre na Moldova e a fronteira do país com a Ucrânia. A maioria dos 500.000 habitantes são russófonos (falantes de língua russa), apesar de os residentes se identificarem em termos étnicos como moldavos, ucranianos ou russos (neste último caso, cerca de 30% do conjunto da população).
A tentativa de tornar o moldavo na língua oficial da Moldova em 1989 alarmou as populações da Transnístria, que rompeu progressivamente os laços com Chisinau, a capital moldova.
A Transnístria foi autoproclamada uma república em 29 de outubro de 1990. Com capital em Tiraspol, ocupa cerca de 12% do território moldavo e garante 23% da produção industrial do país, para além do controlo das decisivas vias de transporte e gasodutos.
Por este motivo, a Moldova insiste em recuperar o controlo desta região independentista que nunca foi reconhecida por nenhum país, incluindo a Rússia.
Os combates intensificaram-se em março de 1992 e prolongaram-se até ao cessar-fogo de julho. No entanto, o conflito manteve-se latente até 1993, com os separatistas locais a garantirem apoio da Rússia.
No âmbito do acordo de cessar-fogo, um contingente de soldados russos (atualmente cerca de 1.500) foi enviado para a Transnístria com a função formal de estabelecer uma força de manutenção da paz. O contingente russo na Transnístria tem como objetivo controlar depósitos de munições e armazéns, e a sua aptidão para combate é incerta.
Desde então, a região insiste na separação da Moldova, ex-república soviética que declarou a independência em 1991. A Transnístria manteve muita iconografia soviética, incluindo a foice e martelo na sua bandeira. Mas, na generalidade, a região permaneceu pacífica.
Diferendos por solucionar
A parte russófona rejeitou a anexação da Moldova à Roménia, como pretende a sua população de origem romena. Um desacordo que provocou a guerra civil de 1992, com um balanço entre 700 e 1.500 mortos, de acordo com diversas fontes.
O frágil cessar-fogo de 21 de julho de 1992 previa a concessão de um "estatuto especial" à Transnístria em troca da sua renúncia à independência, mas a região continuou a defender os seus objetivos, enquanto a Moldova insistia na integração das duas regiões separadas pelo Dniestre e acusava a Rússia de ser a instigadora da independência dessa faixa territorial, com Moscovo a insistir no seu "estatuto especial".
O que aconteceu em finais de abril
Entre as regiões de "conflitos congelados" da ex-União Soviética, esta longa faixa territorial do leste da Moldova tem sido a mais estável das últimas três décadas.
No entanto, as recentes explosões registadas em Tiraspol fizeram aumentar os receios de um alastramento da guerra na Ucrânia a esta região fronteiriça. E um novo conflito seria um sério desafio para a Moldova, um dos países mais pobres e com um dos mais frágeis exércitos de toda a Europa.
Na segunda-feira, 25 de abril, diversas explosões atingiram o edifício do Ministério da Segurança do Estado. O edifício estava vazio devido aos feriados da Páscoa ortodoxa e não foram registados feridos. Fontes oficiais disseram que os ataques foram efetuados através de lança-granadas foguetes (RPG). Na manhã de terça-feira, duas explosões num centro de radiotelevisão da localidade de Maiak provocaram elevados danos em duas poderosas antenas. As ações não foram reivindicadas.
O presidente da autoproclamada República da Transnístria, Vadim Krasnoselsky, referiu-se a "três atentados terroristas", sugeriu que as ações foram efetuadas a mando de Kiev e apelou na terça-feira à instauração de medidas de segurança antiterroristas e a um alerta vermelho" durante 15 dias, incluindo a instalação de postos de controlo à entrada das cidades. Foi ainda relatado um ataque "numa unidade militar" em Parcani.
As autoridades russófonas têm mantido uma calculada ambiguidade em relação à guerra na vizinha Ucrânia, por recearem consequências catastróficas para a sua região no caso de envolvimento militar, e quando se agrava a situação económica na região devido às restrições às importações impostas pela Moldova.
O Governo moldavo entende que o objetivo destes ataques consistiu em originar um "pretexto para reforçar a situação securitária" na região separatista, que escapa ao seu controlo, mas disse não detetar qualquer sinal de uma ofensiva iminente da Rússia nesta região.
"A nossa análise é que existem tensões entre diferentes fações no interior da Transnístria (...). Estes atos de escalada provêm de forças no interior da Transnístria, que têm interesse em desestabilizar a situação na região", considerou a Presidente Maia Sandu após uma reunião com Conselho de Segurança Nacional. Recordou ainda que a Moldova é um "Estado neutro" e pediu que o seu estatuto seja respeitado. A Moldova não se juntou às sanções ocidentais contra a Rússia decididas após a invasão da Ucrânia, mas a tensão na Transnístria constitui um grave problema para o pequeno Estado balcânico.
A Rússia tem ambições nessa região?
A Rússia não reconheceu a independência da Transnístria, ao contrário do que sucedeu em outras regiões separatistas como a Ossétia do Sul, Abkházia ou as regiões do leste ucraniano de Donetsk e Lugansk, no Donbass.
O reconhecimento destas regiões ocorreu após a Rússia e a Geórgia se terem envolvido numa guerra, ou como justificação para a invasão da Ucrânia em fevereiro.
O regresso do conflito na Transnístria pode alterar os cálculos políticos do Kremlin. A política de segurança da Rússia determina que tem o direito proteger as populações de "origem étnica" russa em todo o mundo. No entanto, alcançar o objetivo de controlar todo o sul da Ucrânia, em particular a costa do Mar Negro, incluindo o importante porto de Odessa, implicaria significativas batalhas. Os soldados russos decerto que se iriam deparar com grande resistência, mas uma ofensiva a partir desta região facilitaria a conquista da próxima e estratégica cidade de Odessa, junto ao mar Negro.
Em paralelo, analistas têm admitido que a Ucrânia poderia conquistar rapidamente este enclave, devido à pouca preparação dos soldados russos aí estacionados. Mas caso a Rússia conquiste Odessa, a região separatista seria integrada nos territórios ocupados pelo Kremlin na Ucrânia, com funestas consequências em todo o país.
A Moldova é constitucionalmente neutral, e por esse facto a Rússia não pode argumentar que o país pretende aderir à NATO para justificar uma invasão, como o Presidente russo Vladimir Putin fez com a Ucrânia. Mas uma expansão em direção à Moldova permitiria à Rússia garantir presença junto às fronteiras da Roménia, um Estado-membro da NATO. Em 16 de março, o território da Transnístria foi declarado "sob ocupação pela Rússia" pela Assembleia parlamentar do Conselho da Europa.
O caminho em direção à independência
Em 01 de dezembro de 1991 a Transnístria realizou eleições presidenciais e independentistas, não reconhecidas pela Moldova nem pela comunidade internacional, que elegeram Igor Smirnov para a presidência.
Quatro anos depois, em 24 de dezembro de 1995, foi eleito um parlamento bicameral com 67 deputados e organizado um referendo constitucional, com 81% de apoios à Constituição independentista.
A Transnístria voltou a desafiar a Moldova no escrutínio legislativo de dezembro de 2005, ao qual concorrerem dez partidos, todos pró-independentistas, incluindo os principais rivais, República e Renovação.
Um referendo de 17 de setembro de 2006, sobre a incorporação na Rússia ou na Moldávia, registou um avassalador "sim" (97%) pela anexação à Rússia.
Na sequência da invasão militar russa à vizinha Ucrânia, em 24 de fevereiro passado, o parlamento moldavo declarou o estado de emergência face ao receio de que a Rússia mobilize os seus soldados estacionados na Transnístria para apoiar o assalto à cidade de Odessa, situada a menos de 100 quilómetros.
Mais de 20.000 toneladas de armamento soviético permanecem na Transnístria desde o final da Guerra fria.
Em 05 de março, após a Moldova ter solicitado formalmente a adesão à União Europeia, as autoridades da autoproclamada República da Transnístria pediram o reconhecimento da sua independência.
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